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Ativista israelense alerta para cerco à liberdade de expressão na Europa

Protesto contra a visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em Ancara, Turquia, 6 de novembro de 2023 [Dilara Irem Sancar/Agência Anadolu]

A repressão a manifestações de solidariedade ao povo palestinos, sob bombardeios de Israel na Faixa de Gaza sitiada, é uma “ameaça aos direitos humanos em toda a Europa”, reiterou a ativista israelense Zohar Chamberlain Regev.

“Vivo em Frankfurt e sou regularmente repreendida por usar o kefiiyeh [lenço palestino], carregar uma bandeira palestina, protestar nas ruas ou mesmo sentar-me em uma vigília silenciosa para o povo sob massacre em Gaza”, relatou Regev.

“Somos dispersados pela polícia com canhões de água”, lamentou a ativista em entrevista concedida à agência de notícias Anadolu.

Regev esteve entre a multidão que se reuniu em frente à base aérea de Incirlik, na região de Adana, na Turquia, no último fim de semana, como parte de um Comboio da Liberdade para a Palestina organizado pela Fundação de Assistência Humanitária da Turquia (IHH).

Regev, membro do comitê diretor do projeto Flotilha da Liberdade, com intuito de romper o cerco israelense a Gaza, comandou a embarcação al-Awda, atacada em águas internacionais por agentes da ocupação em meados de 2018 — ato flagrante de pirataria.

Regev e seus colegas se encontraram em Istambul para montar uma estratégia voltada a contrapor o bloqueio legal e humanitário imposto aos palestinos, sobretudo no contexto presente.

“Penso que não há absolutamente nenhuma liberdade de expressão no que diz respeito à Palestina”, comentou Regev. “E penso que é uma ameaça aos direitos humanos em toda a Europa”.

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Para a ativista, o fracasso em pressionar por um cessar-fogo aos ataques incessantes de Israel é uma “vergonha global”, ao passo que Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e outros continuam a fornecer armas ao exército ocupante para prorrogar a crise.

“Queremos mandar uma mensagem aos palestinos, de modo geral, e ao povo de Gaza, em particular: nós não esqueceremos de vocês, mesmo que não haja internet, vocês não estão sozinhos”, destacou Regev.

“Não nos esqueçamos que eles precisam que o mundo olhe por eles e que é preciso fazer algo, qualquer coisa, contra o que está acontecendo”.

Israel mantém bombardeios ininterruptos contra Gaza desde 7 de outubro, deixando 10.569 mortos até então, entre os quais 4.324 crianças e 2.823 mulheres, além de ao menos 26.475 feridos. Milhares estão desaparecidos sob os escombros.

Na Cisjordânia ocupada, foram mortos 163 palestinos em apenas um mês, junto de uma campanha de detenção em massa que resultou em 2.280 novos prisioneiros.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

Ocidente e liberdade de expressão

Nas ruas da Europa, o genocídio na Faixa de Gaza e suas subsequentes manifestações de solidariedade põem à prova um dos supostos alicerces do mundo ocidental: os direitos à liberdade de assembleia e de expressão.

Governos nacionais e locais nos principais países da Europa tentam banir atos pró-Palestina que reúnem centenas de milhares de pessoas, ao prender e multar os manifestantes, sob o pretexto de preservar a “ordem pública”.

Na cidade de Berlim, escolas receberam aval para proibir o lenço palestino, as cores da bandeira palestina e mesmo as palavras “Palestina livre”.

Ao empregar um irônico pressuposto racista, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier instruiu concidadãos de raízes árabes ou palestinas que comprovem seu distanciamento do movimento Hamas.

“Falem por vocês e deixem claro que são contra o terrorismo [sic]”, ordenou o chefe de Estado nesta quarta-feira.

Seus comentários foram duramente criticados por implicar discriminação institucional.

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“Os judeus não podem ser responsabilizados pelas ações de Israel. Por que a Alemanha quer então que árabes e muçulmanos se manifestem sobre as ações do Hamas?”, reafirmou Hugh Lovatt, analista do Conselho Europeu para Relações Exteriores.

Na terça-feira (7), um estudo do Centro Alemão para Pesquisa sobre Migração e Integração (DeZIM) corroborou que quase 40% dos muçulmanos no país reportaram sofrer racismo ou discriminação ao lidar com a polícia ou agentes públicos.

Comunidades diaspóricas em todo o mundo expressam receio sobre a crescente retórica desumanizante adotada por governantes e corporações de mídia sobre o povo palestino, deflagrando ondas de demissão e casos de violência.

Nos Estados Unidos, um menino palestino-americano de apenas seis anos foi esfaqueado e morto pelo locatário de seu apartamento, incitado pela cobertura de imprensa.

Também em solo americano, a única congressista palestino-americana a chegar ao Capitólio, Rashida Tlaib, sofreu um voto de censura de seus colegas, a fim de silenciá-la pela expressão “Do Rio ao Mar”, descrição da Palestina histórica que remete aos tempos de Heródoto, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo.

Antissionismo e antissemitismo

Na França, um grupo de 16 senadores — em uma câmara de 348 assentos — introduziu um projeto de lei para criminalizar críticas ao sionismo e às agressões coloniais perpetradas por Israel no contexto do genocídio em Gaza.

Segundo o senador Stephane Le Rudulier, o “antissionismo” leva ao aumento do “antissemitismo”.

Não obstante, judeus antissionistas — até mesmo sobreviventes do Holocausto — alertam que vincular críticas legítimas às políticas coloniais de Israel e o racismo antijudaico é uma falácia para silenciar denúncias e promover a limpeza étnica do povo palestino.

O sionismo — ideologia nacionalista e supremacista com raízes no século XIX — promove o deslocamento à força da população nativa da Palestina histórica, como se demonstra pelas declarações recentes de políticos e ideólogos israelenses de que a ofensiva em curso busca empurrar os palestinos de Gaza ao deserto do Sinai.

Segundo o historiador israelense Ilan Pappé: “O sionismo é um movimento colonialista que penetrou à força nas terras ancestrais do povo palestino, com o desejo de colonizar o país e com possível ambição expansionista ao âmago do mundo árabe”.

Embora a peça legislativa seja de autoria de senadores de extrema-direita, a islamofobia é endêmica na política francesa, incluindo medidas do presidente Emmanuel Macron e seus ministros contra os muçulmanos no país, como restrições de culto e invasões a mesquitas.

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Em outubro, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, buscou proibir protestos e ameaçou prender ativistas solidários ao povo palestino, sob pretexto de que suas ações “poderiam gerar perturbações à ordem pública”.

Protestos pró-Palestina, não obstante, tomaram a histórica Praça da República, ao cantos de “Somos todos palestinos” e “Palestina viverá, Palestina para sempre”.

Um ativista denunciou a proibição como “anormal sob o estado de direito”.

“Na França, este grande país que a França diz ser, você não pode protestar livremente, como é seu direito”, reiterou o manifestante. “Infelizmente, a liberdade é uma mentira na França e somos forçados a desafiar a lei e, como se diz, protestar para mostrar a verdade”.

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