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Normalização saudita-israelense busca rendição completa do povo palestino

Lugar reservado a Israel durante 45ª reunião do Comitê de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em Riad, Arábia Saudita, 11 de setembro de 2023 [Fayez Nureldine/AFP via Getty Images]

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, foi bastante claro sobre as tendências da Arábia Saudita à normalização de laços com o Estado ocupante, em seu discurso proferido à 78ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Israel, insistiu Netanyahu, “está prestes” a normalizar relações com o reino. Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro e governante saudita, corroborou a proximidade. Tudo isso sugere que os relatos sobre conversas a portas fechadas são mais do que relatos e que um acordo entre Riad e Tel Aviv pode vir a público a qualquer instante.

Pode parecer, portanto, que a Arábia Saudita está prestes a vender a questão palestina por um preço irrisório. Um acordo de normalização com os sauditas deverá encorajar o governo extremista de Netanyahu a anexar mais e mais terras ocupadas na Cisjordânia, expandir seus assentamentos ilegais, promover o terrorismo colonial e intensificar as violações de direitos humanos e os crimes de apartheid impostos contra os palestinos

Rumores sobre a normalização são recorrentes desde que bin Salman se tornou herdeiro do trono. Em 2016, o príncipe saudita realizou uma discreta viagem a Israel para se reunir com figuras de liderança. A imprensa israelense, contudo, não hesitou em divulgar uma foto de seu avião no aeroporto Ben Gurion. Bin Salman também decidiu abrir seu espaço aéreo aos israelenses no ano passado, à medida que empresários e políticos passaram a visitar o reino. Tudo isso comprova os temores de normalização, com apenas uma coisa em seu caminho: o que a monarquia receberia em troca. De fato, jamais houve escrúpulo que o país que guarda as mesquitas sagradas de Meca e Medina flertasse quase abertamente com um regime que deseja demolir Al-Aqsa.

Bin Salman esteve também por trás do “acordo do século”, promovido pelo ex-presidente americano Donald Trump. Um informe de a revista American Conservative, ligada ao partido Republicano, elucidou detalhes de um encontro entre o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e o príncipe herdeiro, no qual bin Salman supostamente recomendou aos palestinos que se esquecessem de uma vez de Jerusalém e se contentassem com um Estado na Faixa de Gaza e alguma vaga concessão de terras na Península do Sinai.

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Este acordo de normalização, portanto, tem potencial de mudar toda a dinâmica do mundo árabe. Não partirá de um consenso árabe, mas sim sionista, apesar de seu aval por Estados que falam árabe e cuja religião oficial é o Islã — cujos líderes, no entanto, são fiéis a Israel. É isso que Netanyahu descreveu como “Novo Oriente Médio” em seu discurso inflamatório às Nações Unidas — algo que sionistas históricos, como Shimon Peres, apenas sonharam. Não existe mundo árabe ou questão palestina no mapa que Netanyahu ostentou no púlpito, mas sim uma potência regional — o Estado de apartheid de Israel — com apoio de Washington e aliados, financiado por petróleo saudita em troca de enriquecimento de urânio. Bin Salman insiste em obter um programa nuclear, mas alega que não produzirá bombas a menos que o Irã também o faça.

Israel: normalização com a Arábia Saudita é questão de tempo – Cartoon [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

As declarações de Netanyahu após reunião com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sugerem três possibilidades às demandas postas pela Arábia Saudita: um programa nuclear, a promessa americana em proteger o reino e alguns poucos ganhos ao povo palestino sob o paradigma falido de dois Estados. Esta “solução”, de fato, mostrou-se uma mentira, utilizada para encobrir acordos vergonhosos e suspeitos com a ocupação sionista.

Não há dúvida que Biden e Netanyahu precisam da ajuda um do outro. Com a normalização entre Arábia Saudita e Israel, a Casa Branca deverá salvar a “coalizão dos pesadelos”, como o jornal israelense Haaretz descreveu o gabinete extremista de Netanyahu. Este, por sua vez, deverá explorar o acordo para pressionar congressistas americanos, sejam republicanos ou democratas, a acatar os termos sauditas — com exceção, é claro, da chamada solução de dois Estados. A proposta nada importa a bin Salman, mesmo que seu regime busque limpar sua imagem aos olhos árabes. Em último caso, tudo que ele deseja são ganhos estratégicos à influência saudita tanto global quanto regional. Bin Salman quer reverter agora danos a sua reputação causados por seu fracasso militar no Iêmen, pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e pelos anos de embargo sobre o vizinho Catar.

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A normalização com Israel poderá conquistar objetivos americanos de apagar a Palestina da equação regional e internacional. A integração de Israel à região certamente requer a plena abolição dos direitos legítimos do povo palestino, de modo que a Casa Branca ainda espera consolidar o Oriente Médio em um corredor político, comercial e militar a seus interesses na Ásia e na Europa. Desta maneira, o establishment da ocupação anseia encerrar a hostilidade dos povos árabes à colonização israelense, à medida que o regime de apartheid se converte no principal avalista da segurança e da economia de toda a região.

A ideia de normalização com o mundo árabe, enquanto busca isolar os palestinos para que enfim se rendam, não é novidade. Foi algo comum após a Nakba ou “catástrofe” de 1948; no entanto, a persistente revolução palestina obstruiu seus avanços por anos, de modo que foi preciso remover a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do território libanês. A primeira Intifada de 1987 voltou a virar os cálculos geopolíticos de ponta-cabeça. Em 1994, os Acordos de Oslo novamente tentaram subjugar os palestinos. A pauta da normalização ficou latente até a presidência de Trump e os chamados Acordos de Abraão, em 2020, que os regimes árabes sionistas se apressaram a assinar — pressa tamanha que surpreendeu até mesmo os israelenses.

Confirmou-se assim a Washington que os Acordos de Abraão — prestes a serem abraçados pela Arábia Saudita — seriam o melhor caminho para forçar a rendição dos povos árabes e, quem sabe, dos palestinos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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