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Haverá punição para a polícia que usou cães para forçar palestinas a se despirem? 

Mulheres de Gaza protestam após revelações do B'Tselem de que as IDF forçaram cinco mulheres de Hebron a se despirem durante uma operação policial Faixa de Gaza, 5 de setembro de 2023 [Maan News]
Mulheres de Gaza protestam após revelações do B'Tselem de que as IDF forçaram cinco mulheres de Hebron a se despirem durante uma operação policial Faixa de Gaza, 5 de setembro de 2023 [Maan News]

Raramente as denúncias dos crimes de segregação praticados por Israel vêm de suas organizações ou tribunais. Geralmente são feitas por entidades palestinas,  investigadas e divulgadas por movimentos e organizações internacionais como  o observatório de direitos humanos, Human Rights Watch (HRW), a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) ou a  Anistia Internacional, que já qualificaram o regime  israelense como estado de aparheid. O  grupo de direitos humanos israelense B’Tselem tem sido uma exceção e se somou à denúncia das três maiores.

Este mês a entidade expôs uma aberração, como uma das práticas corriqueiras de humilhação e sadismo que acompanha o assalto aos lares palestinos por soldados da ocupação.  Conforme a denúncia, a violação da dignidade das mulheres faz parte da  degradação moral do sistema, a ponto de agentes usando máscaras e possívelmente câmeras obrigarem mulheres a se despirem na frente dos filhos sob a ameaça de cães raivosos atiçados durante a tortura.

Difícil imaginar o trauma como o vivido a partir de 1h30 da madrugada de 10 de julho pela família Ajlouni, quando foi acordada em sobressalto por dezenas (mais de trinta) de soldados mascarados, com seus cães invadindo os cômodos.

O relato da B’Tselem só foi publicado em 5 de setembro, mas ao detalhar a operação israelense, expõe a naturalização dessas investidas noturnas.

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“Soldados entrando nas casas dos palestinos, com cães, no meio da noite, semeando medo e terror, causando destruição, humilhando e traumatizando membros da família, há muito que se tornaram parte da rotina violenta que o regime do apartheid emprega na Cisjordânia , ignorando completamente a dignidade, a integridade física e a vida dos palestinos, incluindo as crianças”, diz a entidade.

Casa palestina revirada durante operação policial em Hebron [B'tselem]

Casa palestina revirada durante operação policial em Hebron [ B’Tselem ]

A família Ajlouni é numerosa, e no momento da invasão havia 26 pessoas nas habitações assaltadas pelas forças de segurança.  Todas, incluindo treze crianças, foram confinadas em um apartamento só, onde passaram a sofrer a revista invasiva.  B’Tselem ouviu depoimentos para reconstruir a história e colheu testemunhos de três mulheres da família.

Uma delas conta que houve uma sequência de abusos, em que as moradoras eram levadas, uma a uma, a se despirem. “Os soldados levaram Amal para o quarto de seus filhos. Após cerca de dez minutos, ela saiu do quarto, completamente pálida e muito abalada. Os soldados levaram seus filhos para a sala de estar e ela voltou sem eles. Perguntei a ela o que havia acontecido no quarto, e ela disse que  soldadas (mulheres)  a forçaram a se despir na frente dos filhos. Depois disso, dois soldados [homens] levaram minha sogra para o mesmo cômodo, e ela também voltou horrorizada e nos disse que os duas soldadas a obrigaram a se despir e também a revistaram. Depois da minha sogra, um dos soldados ordenou que eu o seguisse até a mesma sala”.

Ela recorda que no interior havia duas soldados com o rosto coberto por máscaras e que  conduziam um cachorro enorme. “Eu estava tão assustada que fiquei grudada na porta. Tentei sair, mas elas gritaram comigo e me mandaram parar. Eu lhes disse que tinha medo do cachorro, mas elas ordenaram que eu tirasse toda a minha roupa. Recusei-me a fazê-lo, mas uma das soldados ameaçou soltar o cão se eu não obedecesse. Não tive escolha e tirei todas as minhas roupas, inclusive as íntimas. Ela ordenou que eu me virasse de frente para elas, e eu o fiz. Foi humilhante e degradante. Comecei a chorar e, em seguida, ordenaram que eu me vestisse, e alguns soldados [homens] me levaram de volta para a sala com todas as mulheres. “

A íntegra dos relatos está publicada no site da B’Tselem e foi reproduzida pelo jornal Haaretz. Alguns artigos foram escritos a respeito em outras mídias. A ONU se pronunciou. Em entrevista, o porta-voz adjunto da Secretaria Geral, Farhan Haq, cobrou investigação.

 Porta-voz da ONU, Farhan Haq [ONU]

Porta-voz da ONU, Farhan Haq [ONU]

Há razão para suspeitar que a tal operação não tenha passado de banditismo a serviço ou com cobertura do Estado. Joias e dinheiro foram levados pelos soldados e só devolvidos depois que as famílias decidiram formalizar a denúncia, expondo o caso e a humilhação e  chamando a atenção dos direitos humanos.  Durante o assalto que durou 4 horas de tortura psicológica, três homens palestinos – um com 17 anos –  foram isolados e algemados e um deles conduzido sem acusação, para ser liberado depois. As crianças, a maioria muito pequenas e algumas de colo, foram isoladas, chorando e amedrontadas, em uma sala, sem as mães ou país. A casa foi revirada e o que havia em armários foi jogado no chão.

As famílias se perguntam se as câmeras teriam sido usadas enquanto as mulheres eram forçadas a despir-se.  A polícia nega que o grupo estivesse utilizando esses equipamentos. As palestinas não têm como saber sem uma investigação confiável.

A própria ONU faz pouco além dos discursos de indignação, sem que tivesse apresentado instrumentos para a investigação. “Nós nos posicionamos contra qualquer forma de punição coletiva”, disse Farhan Haq à imprensa. Este incidente relatado precisa ser analisado e investigado minuciosamente”. À ver.

Manifestações não faltam na organização em nome das mulheres, inclusive espalhafatosas e incongruentes.

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Na última Assembleia Geral, durante a fala do presidente iraniano, o embaixador de Israel Gilad Erdan fez seu protesto com um cartaz que levava a foto de Mahsa Amini – morta no Irã durante detenção policial por não estar usando véu – e estampava uma frase cobrando respeito pelas mulheres. Cena de roto acusando esfarrapado.

Se haverá punição e explicação convincente sobre a operação na casa da família Ajlouni, é algo a ser cobrado pelas organizações de direitos humanos, de solidariedade com o povo palestino, e sororidade internacional efetiva.

B’Tselem afirma que  “os comandantes que aprovam estas ordens e os soldados que as executam estão plenamente conscientes da imunidade absoluta de que gozam.”

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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