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A África não permitirá que a exploração da França continue

O presidente francês, Emmanuel Macron, fala durante a sessão plenária da Cimeira “África-França” em Montpellier, sul de França, em 8 de outubro de 2021. [Ludovic Marin/AFP via Getty Images]

Em 1977, quando o Djibuti conquistou a sua independência após 115 anos de brutal ocupação francesa, a era do colonialismo europeu na África tinha quase chegado ao fim. Restaram apenas pequenos enclaves ocupados pela Espanha e pela Grã-Bretanha.

Tal como outros colonizadores, a França não abandonou as suas antigas colónias antes de se certificar de que poderia explorar as suas riquezas e manter uma forma de autoridade sobre elas e, assim, aceder a todos os tipos de recursos naturais que não existem na Europa.

Ao abrigo de uma política não oficial conhecida como “Francafrica”, a França manteve laços com políticos e funcionários que colocou no poder nas suas antigas colónias após os movimentos de independência das décadas de 1950 e 1960. Esta política também se estendeu para incluir empresários a quem a França permitiu criar empresas e tornar-se parceiros comerciais trabalhando em benefício dos seus patrões em Paris.

Durante a sua era colonial, como outras, a França escravizou os seus súditos africanos, matou milhões deles e vendeu milhões de outros para o comércio de escravos. A França impôs a sua língua e cultura e manteve os africanos analfabetos e pobres. Antes de acabar com o seu colonialismo, implementou uma nova forma de controle; colonialismo econômico e político.

No início deste mês, dois analistas africanos disseram à BBC que “o registo histórico [da França] fornece alguma sustentalão para as queixas. O domínio colonial francês estabeleceu sistemas políticos concebidos para extrair recursos valiosos e, ao mesmo tempo, utilizar estratégias repressivas para manter o controle.” Eles também disseram que a França “forjou acordos de defesa que a levaram a intervir militarmente regularmente em nome de líderes pró-franceses impopulares para mantê-los no poder”.

A França ignorou completamente os povos  cujas riquezas vinha roubando. Assim, sempre que um líder ambicioso subiu na hierarquia e apelou à doação de uma parte razoável da riqueza de um país ao seu povo, ele foi derrubado ou morto.

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Desde 1963, a França assassinou mais de 22 presidentes africanos que recusaram o seu poder colonial e tentaram redefinir a independência dos seus países. Os serviços de inteligência franceses, que se acredita estarem promovendo golpes de estado e assassinatos em África, são muito bem conhecidos pelos africanos.

Após o recente golpe no Níger, a antiga Representante Permanente da Missão da União Africana em Washington, Arikana Chihombori-Quao, do Zimbabué, explicou: “Se você é um presidente africano que chega ao poder, dizem-lhe que, desde que fique longe de discussões relativas à presença [francesa] militar no país,do  treinamento de seus militares pela França, equipamento de seus militares pela França, não fale sobre os recursos naturais cujas empresas francesas têm o primeiro direito de aprovação, não fale e certifique-se de continuar a depositar suas reservas bancárias no Banco Central Francês. Se você evitar essas áreas, estará livre para governar seu país da maneira que quiser.”

O falecido presidente francês Jacques Chirac reconheceu que “sem África, a França cairá da categoria de terceira potência [mundial]”.

Num discurso proferido em 26 de Julho de 2007, o então Presidente francês Nicolas disse: “Os colonos vieram e saquearam, serviram-se, exploraram, levaram recursos e riquezas que não lhes pertenciam. Despojaram os colonizados da sua personalidade, da sua liberdade, das suas terras e dos frutos do seu trabalho.” Mas a França continuou a lidar com a África desta forma, ao mesmo tempo que afirma enviar ajuda,  difundir a democracia e defender os africanos contra ataques terroristas.

No entanto, não aborda nenhum dos problemas dos povos, incluindo violência, pobreza, falta de oportunidades econômicas, sistemas educativos deficientes e infraestruturas deficientes. Os países da África Ocidental – que eram antigas colónias francesas – são os países mais pobres do mundo, apesar de serem os mais ricos em recursos naturais. A “democracia” que Paris procura manter aqui é a proteção dos líderes pró-França.

A contínua deterioração da segurança na maioria dos países da África Ocidental prova que a alegação de que as forças estão defendendo as nações africanas contra o terrorismo é apenas um pretexto para manter poderes militares no seu território.

Após a onda de golpes recentes, aparentemente orquestrados por Paris, a França sentiu-se como se enfrentasse a perspectiva de ser marginalizada pelos estrategistas africanos, que têm procurado outros parceiros. Um relatório da Economist Intelligence declarou: “A França é totalmente consciente do potencial econômico de África a longo prazo e da ameaça comercial representada por outros que procuram construir os seus próprios laços econômicos e financeiros com o continente.”

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Antiga representante da União Africana (UA), Quao, disse: “É inacreditável que até hoje se possa ter um país como o Níger como o segundo país mais pobre do mundo e ainda assim todos os seus recursos vão para França…Em todos os níveis, é injusto, inaceitável e eu não sei como é que as potências ocidentais adormecem todos os dias sabendo da carnificina e do caos que estão criando na África e esperam que isto dure para sempre.”

O Níger tornou-se o último país da África Ocidental onde um líder corrupto e pró-França foi deposto. Anteriormente, Burkina Faso, Guiné, Mali e Chade – todos ex-colónias francesas – expulsaram líderes pró-França e expulsaram as forças francesas das suas terras. É provável que esta tendência continue e os africanos sejam cautelosos quando lidarem com novos parceiros, a fim de não repetirem o mesmo erro cometido pelos seus antigos colonizadores.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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