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A agenda da Turquia na OTAN: Suécia, F-16 e mediação de guerra

Presidente turco Recep Tayyip Erdogan durante coletiva de imprensa no Aeroporto Internacional de Ataturk, em Istambul, Turquia [Murat Cetinmuhurdar/Agência Anadolu]

Podemos considerar a última semana como um ponto de virada histórico nas relações entre Turquia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A cúpula sediada em Vilnius, capital da Lituânia, vivenciou três eventos importantes. Primeiro, um muito esperado avanço sob o qual o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, enfim aprovou a entrada da Suécia ao bloco militar. Segundo, a aprovação dos Estados Unidos à venda de jatos combatentes F-16 a Ancara. Por último, mas não menos importante, a anuência dos países aliados às promessas da Turquia em exercer uma mediação ainda mais intensa na guerra russo-ucraniana.

Adesão da Suécia

Após mais de um ano de negociações, Erdogan retirou seu veto à entrada da Suécia à OTAN. Até então, seu governo havia obstruído a adesão do Estado nórdico sob acusações de apoio ao grupo separatista curdo Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), criminalizado por Ancara. A crise se agravou por uma onda de violações da extrema-direita escandinava contra símbolos e escrituras islâmicas, em nome da “liberdade de expressão”. A Hungria fez coro ao veto, ao alegar que acataria à integração da Suécia apenas com aval de Erdogan.

“Concluir a adesão sueca à OTAN é um passo histórico que beneficia a segurança de todos os países aliados neste momento crítico”, destacou Jens Stoltenberg, secretário-geral do bloco, durante coletiva de imprensa na capital lituana, na segunda-feira (14).

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Embora a polícia da Suécia tenha autorizado outra queima do Alcorão na capital, em julho, ameaçando novas tensões com a Turquia, o governo de Erdogan aproveitou a oportunidade para relembrar seus parceiros na OTAN, assim como o candidato ao grupo, sobre a natureza hedionda de tais práticas. Ao apoiar a adesão sueca, o presidente turco adotou uma imagem de superioridade moral diante de extremistas europeus e outros céticos.

Jatos F-16

A aprovação à integração da Suécia ao bloco, no entanto, acompanhou outras discussões, à medida que a Turquia buscava concluir a compra de jatos combatentes F-16, fabricados nos Estados Unidos, sob uma longa espera pela aquiescência da Casa Branca.

De sua parte, o governo americano do presidente Joe Biden manifestou apoio à ambição de Ancara em adquirir 40 novos jatos F-16 de suas Forças Armadas. Contudo, a medida ocorre sob oposição interna, sobretudo de um grupo de legisladores liderados pelo presidente do Comitê de Relações Internacionais do Senado, Bob Menendez, democrata de Nova Jersey. O senador protestou aos avanços ao apontar para a procrastinação turca em deferir a entrada de Estocolmo ao bloco, assim como violações de direitos humanos, relações com a Grécia e outras apreensões de âmbito geopolítico.

Desde o primeiro dia, a Turquia sabia que as negociações com Washington seriam longas e tediosas. Desta maneira, buscou se preparar para manter o curso pelo tempo necessário, ao reiterar interesses comuns com os Estados Unidos. Neste entremeio, o regime turco buscou normalizar e aprimorar, de modo geral, seu relacionamento com países da União Europeia, em particular, via o processo que culminou na adesão de Estocolmo à aliança armada. Ainda é incerto, no entanto, como a entrada do Estado nórdico ao grupo ajudará Ancara, a médio e longo prazo, a se aproximar de Washington, sobretudo em termos de colaboração de defesa e dissuasão na área euro-atlântica.

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No último ano, a Turquia mediou um acordo de grãos para dar salvo-conduto a exportações da Ucrânia através do Mar Negro, após as remessas serem suspensas pela invasão militar da Rússia contra o país vizinho e o subsequente cerco a suas zonas portuárias. Um ano depois, pouco antes da cúpula da OTAN, a Turquia conseguiu obter a soltura de cinco comandantes ucranianos capturados pela Rússia.

Mediação de guerra

No ano passado, o comércio entre Rússia e Turquia chegou a US$70 bilhões, ao consolidar o mercado turco como um dos maiores parceiros econômicos do país em guerra. Sem dúvida, tais dados colocaram Ancara em uma posição um tanto embaraçosa, como um membro da OTAN com laços militares e financeiros profundos com o Kremlin.

Após se deflagrar a guerra na Ucrânia, o regime de Erdogan assumiu um papel de mediador para mostrar sua influência como membro da coalizão armada. Seus esforços de paz viram o Estado turco sediar dois encontros russo-ucranianos em março – primeiro, em 10 de março, ao receber os ministros de Relações Exteriores; então uma delegação dos países em conflito, no dia 29. Pouco depois, no entanto, imagens do massacre de Bucha vieram à público, como evidente obstáculo a um eventual meio termo.

Os esforços de Erdogan para se autopromover como ator diplomático majoritário a favor da paz, sobretudo no conflito russo-ucraniano, podem se explicar simultaneamente pelos laços com Moscou e por sua filiação à OTAN. Desenvolvimentos recentes, porém, levaram Moscou a revogar indefinidamente o acordo de grãos do Mar Negro. Como consequência, a Ucrânia não pode exportar produtos que alimentam 400 milhões de pessoas em todo o mundo.

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Diversos desafios aguardam a Turquia, caso insista em seu papel como mediador, seja como membro da OTAN, seja como aliado da Rússia. Na pior das hipóteses, apesar dos obstáculos subsequentes, Ancara deve ter a seu alcance diversos caminhos possíveis para obter sucesso em suas ambições.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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