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Finanças versus política: A transformação urbana da Turquia pós-terremoto

Acima: escombros deixados pelos terremotos que atingiram Malatya, na Turquia, em fevereiro deste ano; abaixo: seis meses depois, em 1° de agosto de 2023 [Sercan Küçüksahin-Volkan Kasik/Agência Anadolu]

“É como no filme O Pianista, com os prédios em escombros. É como Roman Polanski retrata a cidade devastada de um país assolado pela guerra. Em Kahramanmaras, é a mesma coisa”. Estas foram as palavras de um jornalista que testemunhou a devastação dos terremotos que atingiram a Turquia no dia seguinte ao desastre. Desde então, a economia turca enfrenta seu maior desafio na história da república moderna.

Em 6 de fevereiro de 2023, uma série de terremotos devastadores – o maior deles com 7.8 pontos de magnitude na escala Richter – atingiu as áreas meridionais e centrais da Turquia, além do norte e oeste da Síria. Em torno de 50 mil pessoas perderam a vida; outras milhares permanecem desaparecidas.

As regiões afetadas abrigam cerca de 15% da população turca, mas contribuem apenas com 9% do produto interno bruto (PIB) e 10% do valor industrial agregado. Conforme avaliações ainda em curso do Ministério de Meio Ambiente, Urbanização e Mudanças Climáticas, cerca de 384.545 unidades residenciais demandam demolição urgente e outras 133.575 unidades independentes exigem reparos por danos considerados moderados. O trabalho, no entanto, continua. Além disso, prédios foram destruídos e danificados pelos tremores secundários em 20 de fevereiro deste ano. Diante de tudo isso, os números não param de aumentar.

Segundo relatório preliminar da Confederação de Negócios e Empreendimentos da Turquia, publicado quatro dias após o desastre, o custo de reconstrução deve exceder US$80 bilhões. De acordo com o Banco Mundial, os danos diretos resultantes dos terremotos são estimados em US$34.2 bilhões, incluindo custos de reconstrução para resposta emergencial e pico nos valores de construção civil, que podem até mesmo dobrar os números. O governo prometeu até então US$5 bilhões aos esforços de recuperação.

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Em seu estudo Economic Growth (2003), Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin apontaram para as repercussões negativas que terremotos impõem ao crescimento econômico. Um informe da Fundação de Pesquisa sobre Política Econômica da Turquia (TEPAV) sugeriu que o volume requerido para desenvolver a zona afetada pode alcançar até US$150 bilhões sob um plano de desenvolvimento de cinco anos. Como se não bastasse, os recentes terremotos também implicam em uma redução nas taxas de desenvolvimento em 1.2%.

Enquanto isso, analistas advertem para o aumento da pobreza e da desigualdade nas áreas atingidas, ao recomendar ao governo em Ancara que intensifique a cooperação com órgãos internacionais para conduzir programas de resposta de modo eficaz e intensivo.

A longo prazo, questões de saúde pública e meio ambiente devem impactar as comunidades locais. A pilha de escombros cada vez maior representa uma ameaça aos residentes. Muitos dos prédios destruídos contêm amianto; restos humanos continuam soterrados. Indivíduos desabrigados pelo desastre vivem agora em contêineres de metal e tendas, sob recordes de temperatura no país de até 42° C, sem ar-condicionado. Mosquitos, cobras e outros animais selvagens assombram ainda a vida das famílias.

Devido aos problemas internos e desafios fiscais, a Turquia foi forçada a se retirar de eventos internacionais. O governo recentemente anunciou que não poderá receber um encontro de alto nível sobre biodiversidade das Nações Unidas, em 2024, à medida que ainda sofre com os efeitos dos terremotos.

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Sob tais circunstâncias, a Turquia deve apoiar a instalação de lojas provisórias em lotes vagos nas cidades devastadas, para ajudar a preservar o bem-estar da vida urbana durante a lenta fase de reconstrução devido à tragédia. Novas políticas, no entanto, devem se concentrar na necessidade de transições rápidas nas infraestruturas de energia, economia, ecologia, obras e transporte das cidades turcas, a fim de fomentar o bem-estar ambiental e comunitário – o que requer, naturalmente, instrução e colaboração das pessoas.

Em Kahramanmaras, uma das áreas mais devastadas, que abarca o epicentro dos primeiros tremores, ainda há prédios de pé com danos moderados. Não obstante, no processo rumo a uma transição a cidades mais resistentes e sustentáveis, edifícios com danos moderados ou graves têm de ser implodidos. A colaboração transversal entre comunidades e instituições é também fundamental para uma mudança efetiva, conforme a qual o país poderá responder de forma mais rápida e barata a eventuais crises, ao consolidar cidades mais inteligentes e verdes, com melhores padrões de vida.

Em último caso, os recursos coletados mediante a tributação extraordinária conhecida como “imposto do terremoto”, implementadas após os tremores de 1999, durante os 20 anos de governo do partido Justiça e Desenvolvimento, podem ser de importância crucial ao estágio corrente. “Onde foram os impostos?” – pergunta que se mantém na mente das vítimas que aguardam pela reconstrução de suas cidades e casas.

Não podemos subestimar quão essencial é a cooperação e liderança comunitária em escala municipal. Trata-se de um passo fundamental não apenas para a recuperação de imediato, como para modernizar os sistemas urbanos a modelos mais resilientes e menos desiguais.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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