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Ahlam Shibli, a fotógrafa que revelou o martírio agarrado à identidade palestina, vem à 35ª Bienal de S. Paulo

“Morte 48”, [Ahlam Shibli/ Cortesía da fotógrafa]
“Morte 48”, [Ahlam Shibli/ Cortesía da fotógrafa]

Em qualquer lugar que se circule na Palestina, há sempre a chance de se encontrar um poster exibindo a imagem de algum combatente. Dentro de um bar,  um ponto de ônibus,  um outdoor, um viaduto.

O perfil de Ahlam Shibli no catálogo virtual de artistas convidados para a 35ª Bienal de São Paulo é ilustrado com a foto de um desses cartazes de rua. Cortesia da fotógrafa, a imagem é legendada em detalhes que facilitam identificar seus elementos:

“Numa loja de legumes, um cartaz onde se veem os mártires ‘Abd al-Rahman Shinnawi, ‘Amar al- ‘Anabousi e’ Basim Abu Sariyah dos grupos de resistência armada Faris al-Leil (Cavaleiro da Noite) integrados nas Brigadas dos Mártires de al-Aqsa. Nas margens do cartaz, um retrato de Naif Abu Sharkh, líder das Brigadas al-Aqsa de Nablus. O cartaz tem um autocolante onde se veem um punho erguido com as cores da Palestina e os dizeres “Queremos que a ocupação fracasse. Boicote o Tapuzina [um refrigerante israelita]. Iniciativa Nacional Palestina”.

Conforme o texto, os dois combatentes estão mortos. E todos os outros retratados em outros cantos das ruas e comércio da cidade, que Ahlam Shibli vai documentando com sua câmera, também. Este foi um dos principais trabalhos da fotógrafa palestina, que já teve uma exposição alvo de ameaças de morte e bomba em Berlim.  São mártires, a maioria  homens e meninos, mas também meninas,  convertidos pela morte violenta em combate em heróis e heroínas, e cujas imagens pontuando aqui e ali na cidade costuram agora um sentido de identidade nacional da terra ocupada. A Palestina não é apenas o lar de um povo ocupado. Mas de um povo cuja juventude tomba em resistência a essa ocupação.

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 Ahlam Shibli também fotografou órfãos na Polônia – para entender o sentido de lar quando não existe mais a casa materna, que no caso palestino é roubado pela ocupação – e procurou registrar a situação conflituosa de palestinos recrutados pelo exército israelense, que no entanto mata palestinos.  Mas todo seu trabalho como fotógrafa conta uma história que precisa ser lida enquanto se desencadeia em sequências.  Ela explica que cada foto isolada não representa nada, se é que da pra exagerar.  As imagens são melhor entendidas como frames de filmes para divulgação. São fragmentos que não existem para ela sem o restante que as acompanha: sua obra é o vínculo entre uma imagem e outra,  um esforço documentarista da observadora que escolhe uma história para contar. A artista está na história contada.

“Não sou como um Cartier-Bresson, que trabalha com todos elementos em lugares concretos”, ela explicou no ano passado, quando seu trabalho sobre a presença do martírio no cotidiano palestino foi discutido em um evento de arte na Espanha. É um trabalho que  se organiza em séries, capítulos e seções que só existem como sequência e como conjunto – como um filme da fotógrafa que pensa como – e também é –  cineasta.

E de que filme se trata a série sobre o martírio?  Suas sequências saem das ruas para o interior das casas. E ali dentro é uma identidade da perda dolorosa e altruísta que se forma enquanto as crianças crescem em um ambiente em que a morte na resistência jamais é esquecida. Os heróis tombados são trazidos para o convívio famíliar por meio de posters afixados na sala, ao lado da TV, no quarto, ao lado da cama, na cozinha …  E o motivo é a saudade íntima, doméstica, e coletiva, que faz da morte uma afirmação da dignidade  quando acontece para que o povo sobreviva. As imagens são, para a fotógrafa, apenas um testemunho de algo mais profundo: não há ninguém que se encontre na Palestina que não tenha perdido um filho ou filha, um pai, um irmão, um primo em luta contra as forças ocupantes.

A 35ª Bienal de São Paulo, programada para começar em setembro, prepara suas “Coreografias do Impossível”, tema desta edição em que “os participantes desafiam o impossível nas suas mais variadas e incalculáveis formas”.

Como explicam os curadores, “eles vivem em contextos impossíveis, desenvolvem estratégias de evasão, ultrapassagem de limites e fuga das impossibilidades do mundo em que vivem. Eles lidam com a violência total, a impossibilidade da vida em plena liberdade, as desigualdades e suas expressões artísticas são transformadas pelas próprias impossibilidades do nosso tempo”.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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