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Jenin, Jenin, Jenin …

Uma visão dos escombros em uma rua onde as forças israelenses continuam seus ataques, em Jenin, Cisjordânia, em 04 de julho de 2023 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]
Uma visão dos escombros em uma rua onde as forças israelenses continuam seus ataques, em Jenin, Cisjordânia, em 04 de julho de 2023 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]

Histórias de terror que se repetem.

A mídia e a justiça israelenses têm convicção de que as vítimas palestinas em Jenin são terroristas. Não se referem a palestinos de Jenin, mas a terroristas palestinos de Jenin.

De modo geral é assim frente aos alvos de operações na Palestina. E de tal forma naturalizada que a justiça israelense usa isso como premissa para decisões.  Na semana passada, enquanto palestinos velavam seus mortos em Jenin, uma presunção de terrorismo bastou para uma execução ser perdoada em tribunal.  O caso é famoso. Na manhã de 30 de maio de 2020, um soldado israelense matou o suposto terrorista  Eyad al-Hallaq, enquanto sua cuidadora  Warda Abu Hadid, da escola Elwyn, gritava que ele era autista. O rapaz assustado se agitava e sua  cuidadora implorava calma aos soldados. Mas um deles mirou , atirou e matou o rapaz. Mas a Justiça israelense acaba de absolver o militar. Entendeu ser natural que, ao ver o palestino se agitando perto de uma escola para pessoas com autismo ou deficiências, e  com a mulher palestina se agitando também, ele concluísse tratar-se de um terrorista. E que deveria matá-lo..

Essa lógica indica para onde Israel vai se encaminhando, enquanto avança sobre terras tomadas do perigoso povo palestino.  Quando a mídia atua sem filtros, os ruídos desautorizam a narrativa israelense. Foi o que vimos quando a âncora da BBC News, Anjana Gadgil.  entrevistou o ex-primeiro-ministro de Israel Naftali Bennett na semana passada e que, ao constatar quem eram os mortos em Jenin, declarou sem meias palavras: “As forças israelenses estão felizes em matar crianças.”

Antes, formulou a pergunta: “Os militares israelenses estão chamando isso de ‘operação militar’, mas agora sabemos que jovens estão sendo mortos, quatro deles com menos de 18 anos…É isso mesmo que os militares pretendem fazer? Matar pessoas entre 16 e 18 anos?”

O  entrevistado perguntou à jornalista o que ela faria se um jovem de 17 anos estivesse atirando contra sua família. Mas é assim, com suas famílias na mira constante dos soldados  de Israel, que os palestinos vivem. A ONG Defense for Children International-Palestine contabiliza 35 crianças e adolescentes palestinos mortos só em 2023.

Embora deixe arranhões profundos no discurso de Israel,  esse tipo de questionamento de Anjana Gadgil  dura pouco na mídia. No dia seguinte à entrevista, a BBC desculpou-se pela fala da  jornalista.

A Inglaterra tem uma parceria histórica com Israel desde a Declaração Balfour e um dos lobbies sionistas mais ativos fora dos Estados Unidos, pressionando contra notícias que considera inadequadas aos interesses de Israel.  Seus integrantes também se sentiram ultrajados pela charge do cartunista David Brown publicada no The Independent que compara os ataques israelenses a Jenin com os ataques russos à Ucrânia. No desenho, as letras de uma placa são sobrepostas com os nomes dos dois lugares.

 

Charge de David Brown sobre Ariel Sharon

Charge de David Brown sobre Ariel Sharon [Wikipedia]

Ele reincide na denúncia porque já desenhou o ex-primeiro-ministro israelense Ariel Sharon como um “monstro comendo bebês palestinos” em caricatura do quadro “Saturno devorando um de seus filhos”, de Goya (1819). O imaginário sobre um Israel infanticida escapa pelas frestas midiáticas, a ponto de um artigo de Yossi Klein publicado em maio passado no próprio israelense  Haaretz, em que fala sobre Israel estar matando crianças para dissuadir a resistência em Gaza, afirmar que “as crianças mortas de Gaza sempre nos assombrarão”.

No Brasil, com toda complacência com Israel, a mídia registrou a operação monstro, em que Jenin foi cercada por drones e atacada por dois mil soldados, em que 12 palestinos morreram.  As práticas da ocupação foram testemunhadas pelo jornalista brasileiro Edrien Esteves que trabalhava na cobertura de Jenin e teve o quarto invadido  e os equipamentos tomados por 20 horas durante a operação, ficando isolado por soldados armados e agressivos, junto com famílias palestinas detidas sem qualquer suspeita de qualquer coisa. Seu relato foi publicado pelo jornal O Globo.

Folder do Ato pela Palestina programado para dia 13 de julho

Movimentos de solidariedade aos palestinos já realizaram um ato na Universidade de S.Paulo na quinta-feira (06) e programam outro no Sindicato dos Advogados de S. Paulo para o dia 13 de julho.

A operação batizada de Casa e Jardim pelas Forças de Israel terminou sem fazer qualquer sentido na matança. “As atividades terroristas não vão desaparecer e as ações que as forças armadas vão tomar contra isso vão continuar”, disse o ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional, coronel Itamar Yaar, a repórteres na quarta-feira.  De outra parte, palestinos consideram que essas declarações demonstram que Israel saiu derrotado frente à resistência.

Ao que indica a mídia israelense, os partidários dos ataques saíram frustrados. Conforme uma análise de Tovah Lazaroff no Jerusalém Post, a direita israelense e os líderes dos colonos esperavam que as IDF fizessem “uma intensa campanha militar para derrotar o terror palestino na Cisjordânia, semelhante à Operação Escudo Defensivo em 2002, que se concentrou fortemente em Jenin. Só que desta vez, eles esperavam que fosse maior e, claro, bem-sucedida.”

Mulher caminhas pelos escombros de Jenin 2002

Mulher caminhas pelos escombros de Jenin em 2002 [TRT]

O articulista está se referindo ao massacre de Jenin durante a segunda intifada. Documentados no filme Jenin Jenin,  de Mohammed Bakri, lançado no mesmo ano de  2002 , os eventos ocorridos durante a invasão israelense ao campo de refugiados de Jenin e outras áreas da Cisjordânia  deixaram cerca de 500 palestinos mortos e milhares de feridos. No filme, os fatos  são relatados por moradores locais e testemunhados pelas imagens da destruição de  casas e infraestrutura. A obra documental foi atacada pelos lobbies sionistas e proibida em Israel. De lá para cá, mais de 9.500 palestinos foram mortos em operações de Israel, conforme dados contabilizados periodicamente pela organização israelense B’Tselem.

Jenin e o mundo reviveram os pesadelos de Jenin Jenin – como mais um episódio a atestar a incapacidade da comunidade internacional de reagir e aplicar suas próprias leis – enfrentando o apartheid já reconhecido a partir de investigações independentes, internas e externas, prevenindo operações iguais e mais mortes no futuro.

É talvez o que encoraja o analista do Jerusalém Post a sugerir que as IDF poderiam ter colocado uma placa na entrada de Jenin dizendo “Voltaremos!”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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