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Mochilão MEMO: Na Terra Santa de Jerusalém, Palestina 

Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém ocupada [Lucas Siqueira/MEMO]
Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém ocupada [Lucas Siqueira/MEMO]

Jerusalém, 20 de janeiro de 2022

Estávamos sumidos e não tinha lugar melhor para nos encontrar do que Jerusalém, capital da Palestina. Muitos amigos devem estar se perguntando: Mas Jerusalém não fica em Israel? Não! Jerusalém é o centro de uma disputa territorial que já dura 75 anos e se agrava diariamente diante dos olhos da comunidade internacional. Vamos nos referir a Jerusalém como capital da Palestina, mas quanto a questão política e territorial explicaremos em outra ocasião. Hoje, em nosso primeiro dia em solo palestino, falamos da importância dessa cidade para o monoteísmo judaico, islâmico e cristão.

Deixamos a Turquia com vontade de ficar mais, mas era hora de partir e, sabendo qual seria nosso próximo destino, nem olhamos para trás. Esta é a segunda vez que tentamos entrar na Palestina. Na tentativa anterior, o plano era entrar na Faixa de Gaza sitiada pela turbulenta passagem de Rafah, fronteira com o Egito; contudo, assim que chegamos à península do Sinai fomos desencorajados.

Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém ocupada [Lucas Siqueira/MEMO]

Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém ocupada [Lucas Siqueira/MEMO]

Pousaos o aeroporto Ben Gurion em Tel Aviv às 20h de sexta-feira (20). Não havia ônibus ou trem para Jerusalém visto que sexta-feira, após o pôr-do-sol, começa o Shabat, dia de descanso para os judeus. Após alguma negociação sobre os valores da viagem, conseguimos chegar em Jerusalém por voltas das 22h. Ficamos em um hostel bem perto do portão de Jaffa, uma das entradas para a Cidade Velha. Sem demora, largamos as malas e saímos para conhecer o interior das muralhas da cidade. Por conta do Shabat, havia poucas pessoas na rua, o que nos deixou ainda mais animados. Nunca ouvimos falar de um tour noturno por Jerusalém, mas uma coisa podemos afirmar: à noite, a cidade é absolutamente outra. Caminhamos pela Via Dolorosa – percurso da crucificação de Jesus –, passamos pela Igreja do Santo Sepulcro e pelo Muro das Lamentações, onde alguns judeus oravam. Lá pelas duas e tantas da manhã, o cansaço bateu e voltamos ao hostel para descansar um pouco e nos prepararmos ao dia seguinte.

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Olhar para as muralhas de Jerusalém e seus mais de cinco mil anos de história é um misto de sentimentos incompreensíveis. Jerusalém é uma cidade mítica, mística e com séculos de histórias reais, nem todas boas. Jerusalém já foi ocupada, destruída, sitiada, atacada e capturada muitas vezes por diferentes povos; entre eles, egípcios, babilônios, romanos, cruzados latinos e judeus sionistas, em cerca de três mil anos de história.

Para compreender um pouco do que se passa dentro das muralhas, é preciso antes entender a importância da cidade para as três religiões que historicamente convivem em Jerusalém.

Para os judeus, é vista como palco ao advento do Messias. Segundo a tradição judaica, aqui foi erguido o Templo de Salomão, cujo Muro das Lamentações – conforme certas interpretações – é vestígio do santuário antigo, a ser restaurado com a vinda do Messias, marcada pelo retorno dos judeus à cidade.

Para cristãos, a cidade é cenário dos últimos dias de Cristo. Aqui fica a Via Dolorosa – caminho que Jesus fez para a crucificação. Jesus também tem uma história com o templo: de acordo com a Bíblia, foi no segundo Templo de Salomão que o profeta expulsou os vendilhões e cambistas. Outro local sacro é o Gólgota, a colina onde Jesus foi crucificado. João afirma em seu Evangelho que o calvário estava situado nos arredores de Jerusalém, mas evidências arqueológicas recentes sugerem que o Gólgota fica a uma curta distância dos muros da Cidade Velha, justamente na área da Basílica do Santo Sepulcro, local de peregrinação cristã pelos últimos dois mil anos.

Judeus realizam suas preces no Muro das Lamentações, em Jerusalém [Lucas Siqueira/MEMO]

Judeus realizam suas preces no Muro das Lamentações, em Jerusalém [Lucas Siqueira/MEMO]

Para os muçulmanos, que consideram a cidade como a terceira mais sagrada de sua fé, a maior importância se dá pela Mesquita de Al-Aqsa. Conforme o Islã, por volta do ano 621 d.C., o anjo Gabriel guiou o Profeta Muhammad por uma viagem noturna. O primeiro destino foi o Monte Sinai – onde Deus (Allah) revelou a Torá a Moisés. A segunda parada se fez em Belém, cidade palestina do nascimento de Jesus. Na sequência, o profeta foi guiado ao local onde Moisés foi sepultado – hoje, na Esplanada das Mesquitas. Por fim, Muhammad foi conduzido pelo anjo até o local onde profetas antes dele – como Abraão, Enoque, Moisés, José, João Batista e Jesus – o aguardavam para iniciar uma oração. Após a prece, os profetas ascenderam juntos ao céu e lá Muhammad recebeu a instrução de repassar aos muçulmanos o culto das cinco orações diárias. No local de encontro e partida dos profetas, foi erguida Al-Aqsa.

Séculos depois, assim que adentramos na Cidade Velha, seguimos ao Muro das Lamentações, completamente lotado. Diferente da noite anterior, não pudemos chegar perto para observar as orações. Logo acima do muro, está a Esplanada das Mesquitas e Al-Aqsa, local que os colonos sionistas insistem em chamar de Monte do Templo. A Esplanada das Mesquitas é um dos pontos de nosso maior interesse na cidade, mas os soldados israelenses que guardam suas entradas não nos permitiram a entrada. Tentamos entrar pelos portões de acesso dos fiéis muçulmanos duas vezes, mas os soldados israelenses – não eram poucos – voltaram a nos impedir. Na tentativa derradeira, o soldado afirmou que não poderíamos entrar porque não éramos muçulmanos; eu lhe perguntei como poderia saber, mas saímos para evitar um tumulto e tentar novamente na manhã seguinte.

Caminhamos pelo bairro muçulmano e comemos um falafel dos melhores. Conversando com o palestino que preparou nosso falafel e nos recebeu com característica hospitalidade, fomos convidados a acompanhá-lo no dia seguinte à Esplanada das Mesquitas.

Soldados israelenses da Cidade Velha de Jerusalém ocupada [Lucas Siqueira/MEMO]

Soldados israelenses da Cidade Velha de Jerusalém ocupada [Lucas Siqueira/MEMO]

Seguindo nossos planos, caminhamos pela Via Dolorosa. Entramos em cada igreja que marca os pontos principais do percurso de Jesus. De todo trajeto, o ponto que mais nos impressionou foi o calabouço onde Jesus foi encarcerado após ser condenado por Pilatos. Por mais sombrio e claustrofóbico que possa ser, o lugar – de tamanha agonia – pareceu nos transmitir o oposto (ao menos ao Lucas).

Rodando mais um pouco, chegamos finalmente à Basílica do Santo Sepulcro, onde Jesus foi sepultado e ressuscitado – considerado o lugar mais sagrado para o cristianismo. A igreja estava lotada. A cotoveladas, cristãos de todos os cantos do mundo disputam cada centímetro da basílica, em particular, o Altar da Crucificação e a Pedra da Unção. Ortodoxos, católicos, coptas e outros – cada qual a seu modo – entoam orações e cânticos. Nesta igreja, há uma cerimônia específica na qual o patriarca cristão, sob os olhos atentos de autoridades judaicas, para garantir que não haja nenhum artifício de combustão, adentra sozinho no Santo Sepulcro. O sacerdote aguarda quieto na antecâmara – no mesmo lugar onde o anjo esperou Maria Madalena para lhe revelar a ressurreição – e sai apenas quando as 33 velas se acendem espontaneamente.

Contando assim, parece que Jerusalém é um paraíso de respeito ecumênico onde três religiões convivem em harmonia. Hoje, lamentavelmente nem tanto. A se tratar dos muçulmanos, não é à toa que fomos impedidos de entrar junto dos árabes na Esplanada das Mesquitas. Mesmo se tratando do terceiro local mais sagrado para o Islã, quem controla o acesso são os israelenses – a maioria colonos judeus radicalizados pela ideologia sionista. Há anos, o complexo de Al-Aqsa é alvo de profanação de extremistas judeus que invadem o local sob escolta militar de Israel. Em uma dessas incursões, Ariel Sharon – mais tarde, primeiro-ministro israelense – deflagrou a Segunda Intifada, revolta civil da população palestina contra a ocupação sionista, entre os anos 2000 e 2005.

Com o tempo, os ataques coloniais se tornaram cada vez mais frequentes e violentos; mortos e feridos se acumularam. No ano passado, soldados israelenses trancaram centenas de pessoas – palestinos muçulmanos – na Mesquita de Al-Aqsa, estilhaçaram seus vitrais e, dali, dispararam bombas de gás lacrimogêneo em seu interior.

Não apenas os muçulmanos sofrem com a agressão contínua da ocupação sionista. Extremistas judeus também queimam, picham e depredam igrejas cristãs. Em Jerusalém, a sede da Igreja Ortodoxa Grega foi vandalizada com as palavras “Jesus é um lixo”. No norte do território visto como Israel – isto é, ocupado em 1948, durante a Nakba ou “catástrofe”, via limpeza étnica –, a igreja onde Jesus realizou o milagre da multiplicação dos peixes foi incendiada duas vezes.

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Em 2022, os ataques foram tantos que muçulmanos fizeram um cordão de isolamento para que cristãos pudessem realizar sua tradicional procissão de Páscoa. Na mesma época, quando os ataques à Esplanada das Mesquitas se tornaram mais comuns e agressivos, os patriarcados das diferentes congregações cristãs também se uniram em defesa de Al-Aqsa. Até mesmo o Papa Francisco se pronunciou, ao defender o direito dos palestinos de acesso a seus lugares sacros em Jerusalém ocupada.

Conhecer um pouco das religiões e transitar por Jerusalém é encantador. No entanto, saber sobre os atos de violências e as violações aos direitos à liberdade de pensamento, consciência e religião, como especificado no Artigo 18 da Declaração Universal do Direitos Humanos, é repugnante.

Andamos mais de dez horas, parando algumas vezes para descansar os pés. Algumas dessas vezes, sem pretensão, conseguimos nos deparar à distância com a vista do domo dourado da Esplanada das Mesquitas – espaço no qual soldados nos impediram entrar por três vezes, até então. No fim do dia, caminhamos até o Jardim do Getsêmani e o Monte das Oliveiras: o pôr-do-sol mais belo que Jerusalém tem a oferecer. Novamente, lá estava o reluzente Domo da Rocha. Amanhã é outro dia; voltaremos a tentar.

Dedicado às mães, Márcia, Lourdes e Silvia.

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Nota: Todos os textos do Mochilão MEMO são produzidos em trânsito; por gentileza, peço que compreenda que pode haver falhas ou erros que serão corrigidos ao longo da viagem. Obrigado a todos pela compreensão.

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