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Veterinária brasileira se adapta para atender pets no Catar

Julieta Cavalcante se mudou com o marido para o país árabe em 2019, e hoje atende principalmente gatos em uma clínica em Doha. [Arquivo pessoal]

Nascida em Fortaleza, no Ceará, Julieta Cavalcante, de 32 anos, sempre soube que queria ser veterinária, embora os pais esperassem que ela fosse médica ou advogada. Desde criança, gostava de brincar com gatos, mas principalmente com cachorros. Ao crescer, foram os cães que se tornaram seus principais pacientes enquanto atuava como veterinária no Brasil. Ao chegar no Catar, se surpreendeu no primeiro dia de trabalho ao ver que só tinham gatos na fila de atendimento.

Acontece que os catari têm gostos diferentes dos brasileiros quando o assunto é animal de estimação. Além dos felinos, pequena parte da população também domestica falcões (que podem ajudar na caça), camelos e macacos. Com menos frequência, os cachorros também são escolhidos como pets. Mas para esses animais serem adotados, precisam desempenhar uma função na casa, que geralmente acaba sendo de guarda.

A veterinária nem sonhava em trabalhar em outro país, mas quando o então noivo, Paulo Cavalcante (nascido no Rio Grande do Norte), foi convidado para trabalhar como veterinário em um haras do Catar, os planos do casal, que se conheceu na faculdade, precisaram mudar. Eles resolveram se casar no civil antes do potiguar se mudar e, para não arriscar os dois empregos, Julieta ficou no Brasil, enquanto Paulo foi na frente para ver se era um bom local para viver e trabalhar. De agosto de 2018 a janeiro de 2019, os dois veterinários viveram um relacionamento à distância.

Ao comprovar que a oportunidade de trabalho era realmente boa, Paulo voltou, se casou na igreja com Julieta e dois dias depois eles já estavam morando em outro país. Ao chegar no Catar, a veterinária percebeu que precisaria voltar a estudar inglês, porque tinha um conhecimento básico da língua. Depois de um mês de curso, mesmo não tendo ficado fluente, resolveu fazer um estágio não remunerado para entrar no mercado de trabalho catari.

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“A adaptação no início com relação à nova língua foi desafiadora, mas eu acho que o segredo é você não ter medo, até porque aqui ninguém fala inglês perfeito e o que importa é passar a mensagem para outra pessoa. Apesar de desafiadora, [vi essa oportunidade] como uma maneira de crescer. Quando eu olho para trás, para quando eu cheguei, vejo que hoje já mudei bastante”, conta Julieta.

Enquanto fazia estágio na Clínica Parkview em Doha, a brasileira precisou relembrar o que tinha aprendido na faculdade, afinal no Brasil quase não atendia gatos. “Quando vinha cachorro já sabia o que tinha que fazer, mas gato não. Inclusive eu travava muito quando aparecia na clínica brasileira. Hoje já é meio o oposto, eu atendo tanto gato que quando chega um cachorro, travo um pouquinho”, disse.

Depois de um mês no estágio, surgiu uma vaga de auxiliar de veterinária na clínica onde estava trabalhando. Só que Julieta só poderia concorrer ao cargo se realizasse três provas (escrita, prática e oral) para pegar uma espécie de diploma de veterinária do Catar. Ao passar por todas as avaliações, começou a receber para exercer sua profissão em setembro de 2019.

Vivendo no Catar

Em 2018 não foi a primeira vez que Paulo recebeu um convite para trabalhar no Catar. Cinco anos antes, um amigo, que morava com a esposa no país e trabalhava com reprodução de cavalos, havia chamado Paulo para atender na parte clínica de um haras. O potiguar, que dava aulas na universidade e fazia atendimentos particulares em fazendas, não quis mudar naquele momento.

Mas na segunda vez, quando outra oportunidade surgiu, resolveu se arriscar porque não via mais como crescer profissionalmente onde atuava no Brasil. Depois de ouvir o valor do salário e as condições de trabalho, conversou com Julieta e se mudou para o Catar.

No primeiro emprego no país, Paulo atendia a parte clínica e também ajudava a julgar os cavalos do haras que seriam expostos. Olhava o corpo, focinho e rabo, e caso eles precisassem ser operados, eram enviados para um hospital da região.

Durante o início da pandemia, o veterinário perdeu o emprego, porém na mesma semana conseguiu outra oportunidade. Dessa vez, ele iria atender cavalos de corrida do emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani.

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Diferentemente dos cavalos, que têm equipamentos de ponta e ótimos hospitais à disposição, Julieta conta que ainda falta um pouco de investimento no tratamento dos animais de pequeno porte no Catar. O equipamento de tomografia para cães e gatos, que é algo bem comum de se encontrar no Brasil, é achado apenas em outros países, como Turquia, Bélgica e Itália. Os medicamentos também são muito difíceis de achar, por isso ainda é necessário importar muita coisa.

Em relação ao trabalho, para ter uma vida financeira boa, no início Julieta teve que trabalhar mais e abdicar dos finais de semana. Desde que chegou, em janeiro de 2019, almejava atuar como veterinária, por isso se sentiu realizada quando passou a cumprir uma agenda semanal de 48 horas de trabalho, com um dia de folga por semana, na sexta-feira.

“Sábado e domingo por aqui são dias normais. Dependendo do dia da escala eu fazia das 8 horas às 16 horas, ou então das 14 horas às 22 horas, mas meu esposo começa a trabalhar às 2 horas da manhã e volta meio-dia, então a gente acabava não se vendo mais”, diz a veterinária.

Ao terem o primeiro filho, Julieta precisou adaptar sua agenda de trabalho para ficar com Henrique, atualmente com 1 ano e 10 meses, e também conseguir encontrar o marido. Com a diminuição da carga de trabalho passou a atender de 6 a 7 horas no máximo por dia, dormindo todas as noites em casa, além de contar com um salário fixo.

Mesmo ajustando os horários de trabalho, a brasileira continua trabalhando aos finais de semana, tendo apenas a sexta-feira para descansar, encontrar com os amigos ou sair em família. Não obstante tenha uma rotina pesada, ela não se arrepende de ter se mudado, afinal, foi desse jeito que pôde conquistar crescimento profissional e pessoal, criou confiança em falar uma nova língua, e ainda desfruta da segurança e da qualidade de vida que o país proporciona para ela e sua família.

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Além de ter enfrentado o desafio com a nova língua, no começo a profissional também sofreu pela falta dos pais – como filha única, sempre esteve ao lado deles. Com a saudade da família já aprendeu a conviver, entretanto ainda hoje sente falta das comidas típicas brasileiras, como arroz com feijão, que não são preparados da mesma forma no Catar.

Publicado originalmente em Anba

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