Oriente Médio tem presença marcante na Semana de Arte de Paris

Com duas proeminentes feiras de arte – as exposições Paris + Art Basel e ASIA NOW –, além de outras exibições espalhadas por toda a cidade, a Semana de Arte de Paris de 2022 contou com a presença marcante de artistas e galerias do Oriente Médio, com preocupação particular sobre a situação no Irã. A semana é uma das datas mais importantes para amantes das artes, que lotam a capital francesa para ver as principais tendências do momento. Este ano foi marcado por uma série de feiras de arte, com destaque para a Paris + Art Basel, junto de eventos menores, porém significativos, como a exposição ASIA NOW e a Feira de Arte AKKA – dedicada à África.

A AKKA contou com algumas galerias norte-africanas, sobretudo do Marrocos, em busca de um vínculo além do Oriente Médio, mas também com o continente africano. Um dos programas da AKKA, por exemplo, foi uma instalação monumental de Abdoulaye Konaté – artista malês muito presente no cenário africano das artes contemporâneas –, sob representado pela La Galeria 38, radicada em Casablanca.

É possível dizer que, nas feiras de arte, as novas geografias globais se reconfiguram. O mercado traça rotas que levam a novos discursos, algo possivelmente construtivo no ambiente das artes.

“Quando pensamos no mercado, imaginamos algo ruim, algo que menospreza obra e artista”, observou o curador Thien-Bao Le, que coordenou uma exposição na galeria A2Z, na Semana de Arte de Paris. “Mas não é nada disso. Um mercado vivaz permite que que a arte emerja”.

Junto de países cuja economia emergente afinal lhes permite participar de eventos globais, há também aqueles que investem na arte como item de luxo, como Arábia Saudita. Espaços como Athr – presença regular nas feiras internacionais de arte no território francês – exibiram obras para Paris+, enquanto a galeria Hafez separou uma seção para a ASIA NOW.

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Ao longo da semana, a polêmica das artes em NFT obteve certo protagonismo – por vezes, com algum otimismo. Na exposição AKKA, Kenza Zouari, cofundador da galeria MONO em Túnis, fez a pergunta: “São os NFTS uma nova brisa favorável, porém passageira, ou um sonho aprazível a ser desfrutado por nosso continente?”. Eventos e exposições da ASIA NOW exploraram outros assuntos de nossa época, como: “Criação em tempos de crise: exemplos do Líbano, Irã e China”.

Paris + Art Basel

A maior feira da Semana de Arte deste ano foi a Paris + Art Basel, no Grand Palais Éphémère, no centro histórico da capital francesa, em Champ-de-Mars. “Com sua história incomparável e seu dinamismo contemporâneo, Paris se posiciona unicamente como epicentro do cenário cultural internacional”, declarou Marc Spiegler, diretor global da galeria Art Basel. “Queremos construir sobre a posição sem igual de Paris como metrópole cosmopolita uma semana vibrante capaz de promover ainda mais a ressonância internacional da cidade como capital cultural”.

Sobre a presença do Oriente Médio nas exposições de arte, é especialmente notória a seção de Beirute e seu caráter emergente na galeria Marfá, que decidiu concentrar-se na artista libanesa Caline Aoun. A exibição contou com uma fonte instalada pela artista em seu ponto central, cujo tom profundo de azul obteve protagonismo. A obra se conecta a uma série de peças de tecido e papel imersas em tinta azul. “A ideia era agarrar o tempo”, explica a galeria. “A artista pergunta: como é possível agarrar algo que nos é intangível?”. É a primeira vez que Aoun ganhar presença na Paris + Art Basel: “Esta é uma edição maravilhosa, com obras de altíssima qualidade e com a participação de pessoas incríveis!”

Em outras partes da exposição, cartazes, instalações e manifestos de guerrilha fazem alusão às mulheres iranianas e demonstram solidariedade a sua luta. Dentre tais obras, está o trabalho de Hanieh Delecroix, que colou cartazes em diferentes cantos da feira com a hashtag Mahsa Amini, em referência à jovem cidadã curdo-iraniana morta em custódia da polícia de costumes. A obra de guerrilha foi batizada de “Femme, Vie, Libertè, Egalitè, Fraternitè” – em português, “Mulher, Vida, Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, uma extensão do lema do Iluminismo francês.

Irã e Emirados na exposição ASIA NOW

Outro evento de destaque para obras e galeristas do Oriente Médio na Semana de Arte de Paris foi a 8ª edição da ASIA NOW, com artistas e curadores de toda a região até o Sudoeste Asiático. O tema deste ano foi Feux de Joie (Chamas da Alegria), com foco na criação de uma percepção comunitária ímpar por meio da experiência estética coletiva.

“Estávamos aqui no ano passado e vemos como a feira cresceu”, explicou um representante da Galeria Etemad de Teerã. “É muito bom ver tantos artistas iranianos ao lado de outros artistas do vasto continente asiático. Trouxemos sete artistas iranianos que nos concederam um generoso panorama da arte em seu país. Todos eles trabalham com mídias distintas, e emanam de faixas etárias das mais diversas, além de trabalhar desde o figurativo até o máximo do abstrato”. Para a galerista, ganhou destaque a artista iraniana Hiva Alizadeh, com sua instalação integralmente construída de cabelo sintético. Diante da atual conjuntura no Irã, trata-se – segundo visitantes e expositores – de um testemunho poderoso.

Apresentar uma grave variedade de artistas foi a estratégia da Galeria O de Teerã. “É a primeira vez que expomos no ASIA NOW e temos um retorno positivo de nossos visitantes”, comentou o galerista. A coleção conta com seis artistas: três homens e três mulheres. “Exibimos artistas que trabalham com artes abstratas e figurativas. A maioria está surgindo no mercado, com 20 a 30 e poucos anos de idade. É muito importante para nós descobrirmos novos artistas e introduzi-los ao mercado, ao ajudá-los a organizar seus projetos e apresentá-los a artistas conceituados”.

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Na ASIA NOW, a coleção CMS busca lançar jovens artistas, entre os quais o pintor e poeta síria Anas Albraehe, radicado no Líbano, cujas obras tratam de assuntos diversos com sensibilidade e humanidade. “É algo bem característico da arte oriental o diálogo entre esses dois formatos”, observou um dos galeristas, em referência ao intercâmbio entre artes plásticas e literatura. “As pinturas de Anas são uma metáfora para o estado da mente. Em seus temas, o artista captura a vulnerabilidade e a dignidade humana, simultaneamente”. As obras de Albraehe são calorosas, vívidas e intimistas.

A videoarte “Behjat Sadr: Tempo Suspenso”, de Mitra Farahani, foi exibida na Galeria +2. Trata-se de um filme de 2006 dedicado a Behjat Sadr, uma das pioneiras da arte moderna no Irã. Na peça, a própria Sadr guia o espectador por suas telas intensas e cativantes, no decorrer de seus processos e suas influências, assim como sua relação complexa com a fama e a mortalidade. Sua mente altamente abstrata caminha no escuro, em lugares maravilhosos e misteriosos; a câmera a segue, conferindo visualidade a sua imaginação.

A galeria Fabien Leclerc merece menção, com a exposição de seu projeto de instalações sob o nome de In Situ, que consiste em três artistas iranianos radicados em Dubai. Ramin Haerizadeh (nascido em Teerã, em 1975), Rokni Haerizadeh (também de Teerã, 1978) e Hesam Rahmanian (de Knoxville, em 1980) moram e trabalham juntos desde 1999 e apresentaram seu conjunto de pratos e adornos delicados, organizados como uma instalação. Há também vídeos de protestos em Bagdá, compostos com imagens da vida selvagem, além de uma tela em formato de tapete, cuja composição opera como uma obra única de cores saturadas em corredor estreito, onde a militância encontra a imaginação.

Futurismo do Golfo

A exposição ASIA NOW contou ainda com a Galeria Hafez, da cidade de Jeddah, Arábia Saudita, que apresentou diversas pinturas do artista Afsoon e colagens delicadas de Maryam Beydoun. A exposição denominada “Futurismo do Golfo” introduz obras de videoarte de mulheres sauditas, palestinas e iraquianas.

Cunhado pela artista Sophia Al-Maria, o termo “Futurismo do Golfo” serve para descrever todo um movimento estético e literário da região, com base no processo célere e desgovernado, por vezes, do desenvolvimento das metrópoles do Golfo. Os vídeos criticam a destruição do meio-ambiente causada pela extração de combustíveis fósseis e pela urbanização desenfreada. Suas autoras destacam também as contradições entre a riqueza extrema e as condições precárias nas quais vivem trabalhadores imigrantes, com direitos restritos e moradia imprópria. Outras peças expressam ressalvas sobre o mundo saturado da mídia contemporânea, ao apontar isolamento em meio à desenfreada tecnologia.

Presente em todas as obras está um vínculo digital que desconstrói as fronteiras entre público e privado, em detrimento da vida mediante zonas de ilusão virtual. Os artistas evocaram em seus vídeos o declínio de certas tradições e o apagamento da história e da memória coletiva. “Há um sentimento de que perdemos nossos alicerces sobre a velocidade extrema dos fatos”, afirmou o curador da exposição, Odile Burluraux. “Diversas questões estão em jogo: mudanças climáticas, valores pós-humanistas e redefinição dos modelos de sociedade”.

A exibição é bastante promissora em suas premissas, apesar do pouco espaço outorgado pela feira. Somente uma pequena tela foi dedicada ao meio, com uma série de obras extremamente interessantes. E quem tem tempo para sentar-se por horas em meio à movimentada semana de arte? Seria mais aprazível ao conceito uma sala com múltiplas telas para contrapor abordagens e práticas de tamanha eloquência.

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Por fim, desta Semana de Arte de Arte de Paris, podemos ver que produção estética se mantém forte após o hiato da pandemia de covid-19. É possível argumentar que grandes eventos como este são lesivos ao meio-ambiente, mas certamente é preciso alimentar a alma com perguntas existenciais. Nestas conversas, artistas do Oriente Médio estão entre as vozes mais eloquentes, mesmo quando fogem de temas exclusivamente políticos e provam-se proficientes no terreno formal da construção artística.

 

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