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A vitória do Marrocos e a bandeira palestina

Jogadores do Marrocos comemoram a vitória contra a Espanha nas oitavas de final da Copa do Mundo FIFA, no Estádio Cidade da Educação, em al-Rayyan, Catar, 6 de dezembro de 2022 [Glyn Kirk/AFP via Getty Images]
Jogadores do Marrocos comemoram a vitória contra a Espanha nas oitavas de final da Copa do Mundo FIFA, no Estádio Cidade da Educação, em al-Rayyan, Catar, 6 de dezembro de 2022 [Glyn Kirk/AFP via Getty Images]

O que os analistas esportivos consideravam improvável aconteceu: Marrocos venceu a Espanha em jogo decisivo na Copa do Mundo, no dia 6 de dezembro, nos pênaltis e está nas quartas de final. A comemoração não poderia ser outra, senão acompanhada da bandeira palestina, destaque nesse megaevento marcado por protestos justos contra a violação de direitos humanos. Oprimidos e explorados mundo afora fizeram coro à celebração.

Além de expressão do repúdio às normalizações em curso na região do Oriente Médio e Norte da África com o Estado racista de Israel, os povos árabes celebraram o simbolismo de uma vitória com ares de “vingança contra o colonizador europeu”.

O Marrocos esteve submetido à condição de protetorado espanhol durante toda a primeira metade do século XX, sendo ainda colonizado pela França, até alcançar sua independência em 1956 – nas duas últimas décadas do século XIX, já havia resistido à sanha colonial do país que derrotou na Copa. Já o Saara Ocidental seguiu sob colonização espanhola por quase cem anos, até 1975, a qual deu lugar à ocupação marroquina ilegal. Esta já dura 46 anos.

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Moeda de troca

No caso do Marrocos, a normalização com Israel anunciada em 10 de dezembro de 2020 está a serviço de dupla opressão nacional: contra os palestinos e contra os saarawis. O regime retomou as relações diplomáticas e econômicas com Israel rifando os palestinos, em troca do “reconhecimento” pelo imperialismo estadunidense da soberania do Marrocos sobre território que ocupa. E prometeu, segundo reportagem do El País na data, estabelecer “laços plenos” com o Estado de apartheid sionista “o mais rápido possível”.

A normalização do Marrocos com o Estado racista de Israel escancarou, assim, que os palestinos sempre foram nada além de moeda de troca para esses regimes em que, por óbvio em ditaduras, a população não tem voz. O modelo apontado por um refugiado da Nakba (catástrofe palestina desde a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada), que costuma dizer que os regimes árabes os “venderam” se mantém. Em meio à expansão colonial agressiva, apartheid e limpeza étnica com que se enfrentam os palestinos há mais de 75 anos, levantar a bandeira e abraçar incondicionalmente a resistência heroica e histórica é urgente. Que o exemplo de torcedores e jogadores na Copa seja seguido internacionalmente: crimes contra a humanidade não devem ser normalizados.

A matéria do El País traz a declaração de Trump em final de mandato em sua conta no twitter sobre a contrapartida ao malfadado acordo entre Israel e Marrocos: “Assinei hoje uma proclamação reconhecendo a soberania marroquina sobre o Saara Ocidental. Uma proposta de autonomia séria, confiável e realista do Marrocos é a ÚNICA base para uma solução justa e duradoura para a paz perdurável e a prosperidade!”

Utilizava, assim, também segundo a reportagem, as mesmas expressões – “autonomia séria, confiável e realista” – do regime marroquino desde 2007, quando apresentou a proposta indecente de soberania sobre o território saarawi ocupado na Organização das Nações Unidas (ONU). Proposta indecente a que fez coro ninguém menos que o governo espanhol no dia 18 de março último, não sem enfrentar protestos de sua própria população.

Como publicado pelo Brasil de Fato em 20 de janeiro de 2021, a jornalista brasileira Laura Daudén, diretora do documentário Ocupação S.A., sobre o Saara Ocidental, fala sobre o papel da Espanha durante e após a colonização para que se compreenda a luta dos saarawis: “Primeiro, essa é uma história da traição, em que uma ex-metrópole entrega sua colônia para outros dois países [Marrocos e Mauritânia] de maneira absolutamente ilegal e à revelia dos direitos humanos”, lembra.

A reportagem destaca que a Espanha havia se comprometido “com o processo de autodeterminação” dos saarawis, que “deveria se concretizar com um plesbicito mediado pelas Nações Unidas. Até hoje, esse plebiscito nunca ocorreu, e empresas espanholas continuam tirando proveito das riquezas do Saara.”

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Ainda conforme publicado no Brasil de Fato, o território é “rico em fosfato e possui uma das zonas de pesca mais abundantes do planeta. Mas o espólio não se limita a esses recursos: até a areia da praia de Mogán, nas Ilhas Canárias, na Espanha, foi roubada do Saara”.

“Hoje, o que se vê é uma proliferação de empresas internacionais, espanholas, europeias, americanas, de todas as partes”, diz Daudén na reportagem. “Então, o poder econômico capitalista faz as vezes de diplomacia e serve como reforço dessa ocupação”, aponta.

Por ocasião da normalização em prol da opressão de dois povos, as campanhas de solidariedade à Palestina e do Saara Ocidental no Reino Unido publicaram uma declaração conjunta, em que conclamavam: “Diante deste acordo, a sociedade civil global deve redobrar seus esforços para se solidarizar com o povo palestino e saarawi até que a liberdade, a justiça e a igualdade sejam alcançadas.”

Marrocos volta a jogar neste sábado, agora contra Portugal. Que a bandeira palestina, que sintetiza todas as lutas justas contra a opressão e exploração no mundo, se erga novamente. E o gol de placa venha com o fortalecimento da solidariedade chamada por essas campanhas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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