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Yusra Mardini: Atleta olímpica da Síria nadou três horas para salvar vidas

The Swimmers é um filme baseado na história de duas irmãs sírias que literalmente nadaram até a Europa como refugiados de guerra

 

As Olimpíadas são sobre sonhos, força e determinação. É preciso um atleta extraordinário para chegar às Olimpíadas e um talento sobrenatural para conquistar uma medalha de ouro.

É preciso alguém como Yusra Mardini, nadadora síria de 24 anos, que nadou três horas em mar aberto, puxando um bote com mulheres e crianças e impedindo seu naufrágio. “Eu tive de pular no mar com minha irmã para estabilizar a embarcação”, relembrou Yusra. “Foi a única maneira que encontrei de salvar nossas vidas”.

Forçadas a deixar sua casa na Síria tomada pela guerra civil, em meados de agosto de 2015, as nadadoras profissionais Yusra e Sara Mardini, saíram da costa da Turquia rumo à ilha de Lesbos, em um bote que não conseguiu atravessar em segurança o Mar Egeu. Os 18 ocupantes a bordo viveram, assim, momentos de agonia.

“Havia 18 de nós no barco, mais do que era capaz carregar; foi tudo muito assustador”, reiterou Yusra. “Mas estávamos todos fugindo da guerra e muitos refugiados passam por essa jornada”.

Yusra tinha apenas 13 anos e vivia na capital de Damasco, quando começou a revolução em seu país. Até então, ela crescera em um lar acolhedor, uma vida comum, com festas de aniversário, treinos de natação, idas à escola e encontros com seus amigos nos terraços da cidade.

Tudo terminou de repente, quatro anos depois, quando Yusra, aos 17 anos, partiu com sua irmã para a Alemanha, em virtude da violência e das bombas que passaram a cair perto de sua casa e que ceifaram, assim, a vida de uma amiga próxima.

Dirigido por Sally el-Hosaini, o filme retrata a árdua jornada de Yusra Mardini que culminou em catarse, quando a nadadora síria competiu nas Olimpíadas de 2016, sediadas no Rio de Janeiro, como parte da equipe desportiva de refugiados. A obra está disponível no Netflix.

Em The Swimmers, os cineastas priorizaram a autenticidade ao trabalhar com refugiados reais, com foco nas dificuldades e nos riscos enfrentados, incluindo os breves momentos de triunfo na longa jornada das irmãs.

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“Quando falamos sobre o Oriente Médio, as pessoas pensam em um mundo bastante cinzento, onde tudo está em escombros; então fiquei muito feliz em ver como o assunto foi capturado na câmera”, observou Yusra. “O filme mostra uma realidade muito triste: a gente tentando ter uma adolescência normal. Tudo isso é verdade”.

O papel das irmãs coube às atrizes libanesas, também irmãs, Nathalie e Manal Issa. A narrativa, insistiu Yusra, retrata as diversas faces da vida como refugiados, desde a coexistência em família aos sonhos ambiciosos de cada um.

“Uma das cenas de que gosto mais é quando eu e minha irmã dançamos no meu aniversário, e então acontece um bombardeio”, prosseguiu Yusra. “A cena mostra como nós, pessoas vivendo em uma zona de guerra, tentávamos levar uma vida tão normal quanto possível”.

Cenas de amor, sacrifício e superação são presentes na jornada de Yusra. Os espectadores verão momentos de terrível exaustão e crescimento pessoal, à medida que as personagens se tornam cada vez mais determinadas e resilientes rumo à medalha de ouro. Seu percurso épico começa no Mar Mediterrâneo, quando Yusra e sua irmã pulam na água para salvar a embarcação e seus concidadãos a bordo. A decisão sucedeu duras negativas da guarda-costeira local para socorrer os refugiados.

Yusra Mardini durante exibição do filme The Swimmers, no Hotel Soho, em Londres, 16 de novembro de 2022 [Dave Benett/Getty Images for Netflix]

A realidade é que diversos governos gastam bilhões para rejeitar os refugiados ao invés de usar tais recursos para ajudar aqueles que chegam a seus portos e beneficiar-se de suas habilidades. Esta é uma faceta da jornada dos refugiados raramente contada. Portanto, quando tais relatos chegam à tela de cinema, sobretudo de maneira tão franca, trata-se de algo devastador.

Registros dos refugiados atravessam cercas de arame farpado e viajando quilômetros na boleia de caminhões de contrabandistas, uma mãe agarrada a seu bebê em meio à perigosa jornada, são particularmente aterradoras. Todavia, a confiança resoluta nos vínculos do grupo, incluindo uma mulher eritreia e um homem afegão, além das duas irmãs protagonistas, logo conquista o coração dos espectadores.

“Nós nos conectamos com outras 30 pessoas por meio de conversas e generosidade. Passamos por situações dificílimas com bom humor e esperança, porque era uma jornada dura e essa foi a maneira que encontramos de lidar com ela e jamais desistir”, reiterou Yusra. “Ter essas pessoas ao redor realmente nos ajudou bastante e mantivemos a confiança uns nos outros apesar de não nos conhecermos. Penso que tudo começou pelas dores que compartilhamos”.

“Ao chegar na Alemanha, praticar a natação fez eu me sentir em casa”, reafirmou Yusra. “Nadar foi a única coisa que me deu um certo sentimento de familiaridade em minha nova casa. Durante a jornada, nadar foi precisamente o que salvou minha vida”.

As irmãs nadavam competitivamente em seu país, treinadas por seu pai, Ezzat Mardini, nadador aposentado que sempre preconizou suas filhas como campeãs olímpicas.

“Eu detestava nadar quando era criança. Comecei a nadar com três anos de idade e costumava correr para minha mãe ou me esconder no banheiro porque a água era muito fria”, recordou a atleta. “No entanto, devagar, comecei a perceber que eu era muito boa nisso e passei a gostar de competir com os outros, inclusive nadadores mais velhos”.

Porém, após a guerra civil se escalar na Síria, a família foi forçada a uma série de deslocamentos internos em virtude da violência. As irmãs eventualmente deixaram de treinar. “Foi muito difícil manter uma vida normal durante a guerra. Era difícil obter resultados meramente normais. Mas quando eu deixei a Síria, percebi o quão importante é o esporte para minha vida”.

Após chegar na Alemanha, Yusra conheceu Sven Spannenkrebs, treinador radicado perto de um centro de refugiados, onde as irmãs ficaram brevemente isoladas no país-anfitrião. O talento de Yusra chamou a atenção de Sven, que decidiu patrociná-la e treiná-la para conquistar uma vaga no time olímpico dos refugiados que viajaria ao Rio de Janeiro.

“Minha irmã e eu assistimos o filme e choramos e rimos como nunca”, comentou Yusra. “Falava para Sally a cada dois minutos ‘Oh, meu Deus, foi exatamente assim, essa cena é incrível!”.

“A cada cinco minutos, eu me via em prantos, segurando minha respiração”, destacou. “O filme capturou tantas coisas importantes da minha vida e, quando acabou, eu me vi pensando como realmente passei por tudo aquilo. Você não acorda dia após dia e pensa em tudo que passou na sua vida, então fiquei chocada que, com apenas 24 anos, passei por tudo isso na vida”.

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Caso o enredo não declarasse imediatamente sua inspiração em fatos reais, desde a dança nos terraços às bombas em Damasco, então o duro percurso na boleia dos caminhões e, enfim, a medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio, o público poderia facilmente interpretá-lo como um relato fantástico.

“Quero que os espectadores entendam que os refugiados não escolhem deixar seus países; eles deixam sua terra por causa da guerra e da violência”, reiterou Yusra. “E há espaço o bastante no planeta para todos nós”.

Atualmente, Yusra estuda Cinema e Televisão na Universidade do Sul da Califórnia na cidade de Los Angeles e gere uma fundação beneficente na Alemanha e nos Estados Unidos para ajudar a educar os refugiados por meio dos esportes.

“Mantenho meu trabalho como embaixadora junto do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e pretendo aproveitar meu tempo livre para continuar nadando, apenas por diversão, sem o compromisso de competir, ao menos por ora, enquanto minha vida segue adiante”, concluiu Yusra. “O futuro me deixa bastante animada”.

 

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