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Israel ruma ao isolamento internacional com a ascensão dos fascistas

Benjamin Netanyahu, ex-premiê israelense e líder do partido Likud, durante evento de campanha em Tel Aviv, 30 de outubro de 2022 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Benjamin Netanyahu – líder do partido Likud e grande vencedor nas eleições israelenses – corre agora para formar seu novo governo. Neste entremeio, alertas internacionais sem precedentes – mesmo dos Estados Unidos – começam a surgir para que parlamentares da ultradireita não se tornem ministros. Dentre os políticos mais agressivos, estão Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, do partido Sionismo Religioso, cuja presença no executivo pode ferir como nunca os valores em comum entre Washington e Tel Aviv.

Estados Unidos, países ocidentais e certos regimes árabes temem que a participação de radicais no governo leve Israel a maior hostilidade à democracia e à normalização. O estágio posterior ao pleito deve culminar na formação de uma intrincada aliança conservadora-militar, cuja prevalência depende de juras de moderação por parte de políticos que prometem abertamente destruir todo o sistema por meio de medidas arbitrárias.

Caso o novo governo acate a seus aliados, Israel deve se afastar cada vez mais de seus laços com os regimes ocidentais e se converter em um país hostil. Tamanha mudança seria um massivo bloco de concreto no caminho dos interesses ocidentais no Oriente Médio. Israel deve contestar formalmente o consenso global criado com cautela e afinco por Washington, graças ao qual desfrutou de segurança e privilégios econômicos ao longo de décadas.

Os Estados Unidos, em particular, e o Ocidente, em geral, não estão acostumados a intervir em público nas eleições israelenses, muito menos mencionar nominalmente certos candidatos aos cargos ministeriais. No entanto, a Casa Branca e a Europa perceberam uma oscilação da política externa israelense referente à guerra na Ucrânia. As partes relevantes temem o advento de um golpe sem precedentes caso a extrema-direita sionista se entrincheire nas repartições públicas, dada a amizade de longa data entre Netanyahu e Vladimir Putin. O futuro premiê é também um tanto frio em relação ao presidente americano Joe Biden e se recusa a conciliar-se com a direita tradicional europeia.

Muitos israelenses temem que a presença de extremistas no governo – que recorrem à retórica fundamentalista judaica para fazer política – podem obrigar Washington a abandonar pouco a pouco seu aliado e sua cooperação de segurança. O estado sionista pode ficar a mercê de uma tirania repressora pronta a conspirar junto de ditaduras globais contra os interesses dos Estados Unidos, em busca de um novo regime externo sob o qual seus objetivos serão única prioridade.

A preocupação em torno do racismo cada vez maior na sociedade israelense não é exclusiva aos palestinos nativos. Cidadãos judeus compartilham dos receios, muito embora sob outro ponto de vista. Para eles, o racismo pode levar o país a um desastre civilizacional, à medida que judeus extremistas contraponham valores seculares. Os receios domésticos também se avolumam e os cidadãos israelenses parecem aterrorizados em pensar – mesmo por um instante – que figuras extremistas serão protagonistas de seu governo.

ASSISTA: Retorno de Netanyahu alimenta receios por aliado extremista 

Entre os candidatos, estão personagens religiosos que comandam invasões coloniais à Mesquita de Al-Aqsa e ao bairro árabe de Sheikh Jarrah, em Jerusalém ocupada. Há também aqueles que organizam a chamada Marcha da Bandeira, infame por seus gritos de extermínio nas ruas e nos bairros palestinos de Jerusalém. Tais figuras já não representam somente a si próprios, mas sim um vasto grupo de conservadores que embarcam em sua demagogia. Trata-se de um indicador preocupante para todo o estado, ao passo que uma onda de assassinatos políticos pode emergir deste grupo a qualquer momento – como foi o caso de Yigal Amir, que matou o premiê sionista Yitzhak Rabin, em 1995.

Os israelenses temem ainda a formação de um governo integralmente direitista, com destaque a Smotrich e Ben-Gvir, de modo a instituir políticas abertamente racistas contra os palestinos – incluindo os palestinos de 1948, considerados até então cidadãos de Israel (embora de segunda classe). Para os israelenses comuns – e seus valores ocidentalizados –, ver esses personagens no coração do governo será um pesadelo. Israel deve vivenciar agora não apenas uma polarização interna sem precedentes como uma luta pela própria identidade do estado – mais e mais perto do rosto hediondo do fascismo.

O medo de que essas pessoas participem do governo não procede de seu tamanho – o terceiro bloco mais votado no Knesset –, mas porque obterão vantagens em meio à obsessão do premiê Netanyahu para conservar seu poder, levando à formalização interna de uma retórica aberta de apartheid. Netanyahu cometeu diversas atrocidades no passado; desta vez, porém, a ameaça é maior, ao trazer à tona as vozes racistas de adeptos históricos da limpeza étnica, como Rehavam Ze’evi, Avi Eitam, Raphael Eitan, Geola Cohen e Meir Kahane.

Netanyahu e seu Likud jamais expressaram oposição aos projetos racistas de Ben-Gvir contra os palestinos de 1948; tampouco o apoiavam até então. Tamanha leniência significa – na prática – que a possibilidade de uma nova catástrofe deve levar de fato a uma nova catástrofe. O silêncio dá razão a receios internacionais sobre a eventual ascensão ao poder do movimento extremista kahanista, com seu ganho de influência na vida pública e na mentalidade do governo. De fato, o advento destes grupos ao âmago da arena política pode enfraquecer a posição externa de Israel. Nos últimos 75 anos, o projeto sionista conservou a anuência da comunidade internacional para materializar seu estado em terras palestinas. Contudo, uma face extremista no centro do poder, sob comando de Netanyahu, terá impacto na reputação do regime em todo o mundo.

Os israelenses sabem que a ascensão da ultradireita alienará aliados históricos e poderá ajudar seus inimigos. A comunidade internacional sabe bem que Netanyahu pretende reaver seu plano de 2020, sob o qual queria anexar ilegalmente 30% da Cisjordânia ocupada. Netanyahu não fala mais da “solução de dois estados” e contrapõe abertamente o acordo nuclear iraniano.

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O retorno do mais longevo premiê do governo sionista significa um passo além em sua parceria com políticos extremistas resolutos em obstruir qualquer flexibilidade estratégica. Seu objetivo é anexar toda a Cisjordânia a Israel, expulsar os palestinos de 1948 do território e negar acesso a serviços e direitos. Os extremistas querem destruir ainda o próprio sistema político de Israel, para promover uma teocracia aberta, ao expropriar Al-Aqsa dos árabes e muçulmanos e instruir soldados da ocupação a abrir fogo contra os palestinos.

É inevitável que a ascensão do grupo kahanista demonstre fissuras na relação com Washington e ponha em dúvida o destino dos acordos de normalização com Egito e Jordânia. Os fascistas de Israel, no entanto, devem encorajar apoio externo ao movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) e minguar o apoio oficial do estado nos fóruns internacionais. Em último caso, os pacotes de assistência militar dos Estados Unidos também estão sob risco. O panorama é claro: escalada e incitação.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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