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O que é NOPEC, lei americana para pressionar o cartel de petróleo OPEP+?

Prédio da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) [Zamoto Media/Facebook]

Uma nova lei dos Estados Unidos capaz de levar membros da associação de petróleo conhecida como OPEP+ – composta pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e aliados – a processos antitruste emergiu como eventual ferramenta para conter a carestia dos insumos energéticos, após o cartel anunciar um novo corte na produção apesar de contundente lobby do governo de Joe Biden.

O projeto de lei denominado No Oil Producing and Exporting Cartels (NOPEC) foi aprovado pelo comitê preliminar do Senado por 17 votos favoráveis e quatro contrários, em 5 de maio, com o objetivo de proteger consumidores e negócios de picos deliberados nos preços de petróleo. No entanto, alguns analistas alertam que implementá-lo pode levar a danos colaterais.

O grupo OPEP+ – que inclui a Rússia – consentiu na quarta-feira (5) a avançar em seus cortes na produção e reduzir o abastecimento em um mercado já bastante degradado.

Após a decisão, a Casa Branca prometeu consultar o Congresso para implementar “ferramentas e autoridades adicionais” para reduzir o controle da organização sobre os preços de energia, em aparente referência ao NOPEC. A mesma Casa Branca, não obstante, expressou receios sobre a proposta após sua votação no Senado.

A seguir, alguns detalhes sobre o projeto legislativo.

 O que é NOPEC?

O projeto bipartidário NOPEC recorre à legislação antitruste dos Estados Unidos para rescindir a imunidade soberana que protege membros da OPEP+ e suas companhias nacionais de petróleo de eventuais processos. Caso consagrado na forma de lei, a Procuradoria Geral obterá jurisdição para processar, caso considere adequado, o cartel de petróleo e seus membros – dentre os quais, Arábia Saudita – nas cortes federais.

Não está claro ainda como um tribunal federal poderia aplicar vereditos antitruste contra uma nação estrangeira. Os Estados Unidos também podem enfrentar críticas por tentar manipular o mercado, por exemplo, ao liberar 165 milhões barris de petróleo de suas reservas emergenciais entre maio e novembro.

As diversas tentativas de aprovar o NOPEC no decorrer de duas décadas sempre preocuparam a Arábia Saudita – líder de facto da OPEP –, levando a monarquia a escalar seu lobby sempre que uma nova versão do projeto emergisse nas câmaras americanas.

Contudo, com a aprovação da proposta pelo Comitê Judiciário do Senado, em maio, basta agora deferi-la por maioria no plenário das câmaras alta e baixa dos Estados Unidos e então sancioná-la pelo presidente. O grupo apartidário ClearView Energy Partners apontou que o NOPEC, caso efetivamente chegue à votação senatorial, deve angariar facilmente os 60 votos necessários dos cem integrantes da casa para avançar em sua tramitação.

O que mudou?

Versões anteriores do NOPEC fracassaram em meio a forte resistência da indústria do petróleo, sobretudo o próprio lobby nacional, na forma do Instituto Americano de Petróleo (API). Porém, há renovada indignação no Capitólio devido ao custo altíssimo da gasolina, que culminou em recordes de inflação no país.

A Arábia Saudita negou intervir contra o projeto de lei durante visitas de emissários do governo de Joe Biden ao país. A Casa Branca emitiu uma série de oficiais à monarquia – entre os quais, o incumbente executivo – para rogar a seu aliado que não cortasse sua produção de combustíveis.

LEIA: Crise e “desdolarização” da economia mundial, superando a hegemonia dos petrodólares

Ao contrário, no entanto, a OPEP+ decidiu cortar a produção em níveis quase sem precedentes desde o advento da pandemia de covid-19, em meados de 2020.

 Oposição local

O lobby estadunidense de petróleo – encabeçado pelo API – opõe-se ao NOPEC, ao alegar que a medida pode prejudicar produtores locais. Mike Sommers, presidente e chefe executivo do API, afirmou que o projeto legislativo “criaria maior instabilidade no mercado e agravaria problemas existentes no comércio internacional”. Segundo Sommers: “Esta legislação seria displicente em qualquer contexto passado, presente ou futuro”.

A indústria receia que o NOPEC possa levar à superprodução da Arábia Saudita e seus parceiros na OPEP, de modo a reduzir os preços a uma escala danosa às empresas americanas. De fato, os estados da OPEP possuem algumas das reservas mais fáceis e econômicas do mundo.

Uma entrada súbita de petróleo da OPEP – mesmo em uma conjuntura de apreensão devido ao abastecimento oriundo da Rússia – poderia desencorajar as atividades exploratórias nos Estados Unidos, em meio a um receio já deflagrado em ampliar a produção apesar dos cortes.

 Danos colaterais?

Alguns analistas afirmam que o NOPEC pode incorrer em efeitos indesejados, dentre os quais, a possibilidade de outros países assumirem atos similares contra os Estados Unidos por controlar a produção de insumos agrários em favor do mercado doméstico, por exemplo.

“É sempre má ideia fazer política no calor do momento”, argumentou Mark Finley, pesquisador associado em energia e petróleo no Instituto Baker da Universidade de Rice, também ex-gestor da Agência Central de Inteligência (CIA), ao comentar a aprovação da lei.

Países da OPEP podem responder de outras maneiras.

Em 2019, por exemplo, a Arábia Saudita ameaçou deixar de vender seu petróleo em dólar, caso Washington deferisse uma versão do texto legislativo. Fazê-lo prejudicaria a posição da moeda como referência cambial no mercado global, ao amortizar assim a influência de Washington no comércio internacional e enfraquecer sua capacidade de aplicar sanções a entes externos.

Além disso, a monarquia pode retaliar ao comprar armamentos de outros países, impactando o lucrativo mercado de empreiteiras militares dos Estados Unidos. Os países produtores também poderiam restringir os investimentos americanos em seu território ou simplesmente acrescer o preço de seus insumos de petróleo para vendê-los aos Estados Unidos – em franco detrimento do objetivo fundamental da proposta.

Estados Unidos e aliados já enfrentam enorme desafio em assegurar importações confiáveis de bens energéticos após o advento das sanções à Rússia, um dos maiores produtores de petróleo e gás natural do planeta, devido a sua invasão militar da vizinha Ucrânia.

ASSISTA: Presidente dos EUA ‘desapontado’ com decisão da Opep+ de cortar produção de petróleo, dizem autoridades

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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