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Com morte sempre à espreita, palestinos existem porque resistem

Policiais tomam medidas de segurança na rua Dizengoff após um tiroteio em Tel Aviv, Israel, em 7 de abril de 2022. [Stringer/ Agência Anadolu]

Somente em 2022 Israel já havia matado, até o último dia 7 de junho, 62 palestinos, quatro deles em apenas 24 horas ao início deste mês. Esse número trágico inclui 14 crianças, sendo seis somente no mês de maio, quando as forças de ocupação assassinaram ainda duas jornalistas: Shireen Abu Akleh, correspondente da Al Jazeera, e Ghufran Warasneh, que acabara de arrumar um novo trabalho, na agência de notícias Dream. A limpeza étnica segue a todo o vapor na contínua Nakba – catástrofe cuja pedra basilar é a formação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 sobre os corpos, aldeias e cidades palestinas.

Os nomes que se somam a essa trágica lista não param de crescer. Dia após dia, mais e mais jovens, crianças, mulheres, homens e idosos vêm perdendo a vida pelo simples fato de serem quem são: palestinos e palestinas. Resistir, para estes, é existir, num cenário de colonização em que a morte sempre pode estar na próxima esquina.

Para além das balas disparadas por snipers, os palestinos, inclusive bebês e mulheres, têm perdido a vida ao inalarem nuvens de gases disparados pelas forças de ocupação inclusive dentro de suas casas, como ocorreu em janeiro último com Fahmy Hamad, em campo de refugiados de Qalandia, na Cisjordânia. Em fevereiro último, relatório da organização israelense de direitos humanos BT´Selem revela que na cidade de Beita, na região da Nablus, que conta 9 mil habitantes, mais de 4.200 enfrentaram intoxicação por gases lançados após ofensiva das forças de ocupação israelenses.

Palestinos e palestinas também morrem sob tortura nos cárceres israelenses. Segundo a Associação de Direitos Humanos e Apoio aos Presos Palestinos (Addameer), entre 1967 e 2020, cerca de 220 presos políticos faleceram sob essa condição. Também há informes sobre mortes nos cárceres sionistas por maus tratos ou falta de cuidados de saúde. De acordo com a mesma organização, desde 1967, 72 palestinos perderam a vida por negligência médica, no que denominam “morte lenta”.

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Sob cerco criminoso há 14 anos, em Gaza a morte é uma sombra constante, e não só em função dos frequentes bombardeios. A bebê Fatima al-Masri, de somente 19 meses de vida, é um triste exemplo: ela faleceu em março último por um problema cardíaco após a família esperar por cinco meses para uma autorização israelense para tratamento, a qual nunca veio. Destroçado, seu pai Jalal al-Masri declarou, como informa notícia no portal Monitor do Oriente: “Estamos sob bloqueio militar, mas não entendo como Israel insistia tanto em dizer que seu caso estava sob ‘avaliação’. Caso quisessem que Fatima fosse tratada, ela seria tratada.”

Sob ocupação, bebês também perdem suas vidas porque suas mães gestantes são impedidas do simples direito de ter seus filhos em hospitais. Na Cisjordânia, segundo dado de 2007 da Organização das Nações Unidas (ONU), 70 mulheres deram à luz em checkpoints e 35 crianças morreram após o parto em seu primeiro contato com a Nakba. Para os palestinos, a resistência se dá desde o nascimento até a morte.

Crimes contra a humanidade

O sangue derramado em meio à colonização brutal lamentavelmente não é novidade. Somente em maio de 2021, bombardeio por 11 dias à faixa de Gaza resultou em 248 mortos, entre os quais 66 crianças. Além destes, outras dezenas de palestinos perderam a vida na Cisjordânia no período. Durante a Grande Marcha do Retorno, que durou um ano, a partir de 30 de março de 2018 – Dia da Terra –, Israel assassinou 300 palestinos, entre os quais a paramédica voluntária de apenas 20 anos de idade, Razan al-Najjar, enquanto tentava socorrer os feridos pela repressão sionista brutal ao protesto, e o fotojornalista Yasser Murtaja, aos 30 anos. Em 51 dias de massacre também em Gaza no ano de 2014, foram mais 2.200 mortos, entre os quais 530 crianças. Dois anos antes, em apenas 12 dias, mais 150 palestinos perderam suas vidas. E entre 2008 e 2009, por 34 dias de ofensiva infernal, as bombas que caíam sobre as cabeças dos habitantes de Gaza vitimaram fatalmente 1.400 palestinos.

No ano de 1948, 13 mil palestinos foram mortos pelas gangues paramilitares sionistas no genocídio instrumentalizado para a limpeza étnica que consolidou a Nakba em 78% do território histórico da Palestina. Em 1967, durante a Naksa (revés, como é denominada a ocupação militar israelense de 5 a 10 de junho da Cisjordânia e Gaza, ou seja, dos 22% restantes), foram outros 22 mil habitantes nativos martirizados. Durante as Intifadas de 1987-1993 e 2000-2005, estimativas dão conta que cerca de 4.500 palestinos foram assassinados, sendo 1.500 na primeira e 3 mil na segunda.

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À exceção de casos pontuais, como a execução de Shireen e bombardeios massivos a Gaza, que os meios de comunicação de massa no Brasil e mundo afora não tiveram como omitir, todos os outros assassinatos estão ausentes das notícias. Assim se conforma a triste percepção dos palestinos e palestinos sob apartheid , em campos de refugiados ou na diáspora de que sua tragédia tem sido amplamente ignorada ou naturalizada. Por essa razão, o pedido que fazem àqueles que os visitam se repete: “Contem ao mundo o que viram, porque a comunidade internacional nos abandonou.”

Os crimes contra a humanidade vão muito além dos números apresentados aqui e seguem a ser cometidos enquanto essas linhas são escritas. Até quando? É preciso dar um basta. Solidariedade internacional é urgente, questão de vida ou morte – e precisa ser permanente, assim como o é a resistência heroica e histórica palestina, que não se dobra. Reveste-se na única possibilidade para quem não tem nada a perder a não ser seus grilhões.

A batalha é árdua, dolorosa, mas ao final, como ensina um velho pai, a justiça, a verdade e a liberdade hão de prevalecer. Sob essa consciência, a resistência heroica segue a demonstrar o que é expresso na poesia do palestino revolucionário Tawfiq Zyiad: “Não seremos avarentos com nosso sangue. Aqui temos um passado. E um presente. Aqui está nosso futuro.”

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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