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Irã e Arábia Saudita abaixam armas para restaurar laços

Saeed Khatibzadeh, porta-voz da chancelaria iraniana, em 25 de abril de 2022 [Atta Kenare

Após um intervalo de seis semanas, os adversários regionais Irã e Arábia Saudita conduziram sua quinta rodada de negociações para mitigar tensões no fim de semana, descritas pela república xiita como “positivas” e “progressivas”, segundo informações da agência Anadolu.

O diálogo mais recente, recebido pelo governo iraquiano, contou com a participação de membros do alto escalão das forças de segurança de Teerã, assim como representantes da comunidade de inteligência saudita, de acordo com as fontes oficiais. Ao confirmar a retomada do diálogo, Saeed Khatibzadeh, porta-voz da chancelaria iraniana, proclamou “rápido progresso” caso as negociações avançassem em nível político. O Ministro de Relações Exteriores do Irã, Fuad Hussein, reportou que ambos os lados consentiram com um memorando de dez pontos. Segundo seu relato, as conversas orbitaram em questões de segurança e na persistente guerra no Iêmen.

Crianças iemenitas afetadas pela intervenção saudita [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Teerã e Riad enfrentam-se no território iemenita, onde uma guerra de sete anos entre rebeldes houthis e uma coalizão árabe culminou na pior crise humanitária do mundo. Em abril, uma trégua nacional suspendeu as operações militares, incluindo ataques transfronteiriços.

Fontes no Irã relataram à Anadolu que ambos os lados destacaram a urgência de estender a trégua de dois meses mediada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Iêmen, ao concordar em conduzir a próxima rodada de negociações em escala diplomática, com a chance de reunir os Ministros de Relações Exteriores dos dois regimes. Na última semana, a agência Nour News, próxima ao Supremo Conselho de Segurança Nacional do Irã, sugeriu que os chefes de diplomacia de ambos os países podem enfim se reunir no “futuro próximo”.

Segundo as declarações, a mais recente rodada de conversas políticas “incitou esperanças” de um “passo adiante” para restaurar relações, descontinuadas desde 2016.

A guerra no Iêmen

Em entrevista à agência Anadolu, o parlamentar veterano Abolfazl Amouei comentou as diversas questões abordadas na quinta rodada de negociações saudi-iranianas. Teerã insistiu em concentrar-se nas relações bilaterais entre os adversários históricos. “Em último caso, essas iniciativas podem abrir caminho para restaurar o relacionamento e reabrir as respectivas embaixadas de ambos os países”, declarou Amouei, ex-porta-voz das comissões de segurança e política externa do congresso iraniano. Segundo o congressista, seu país persiste em tratar questões mútuas por meio da “diplomacia” e do “diálogo”.

LEIA: Conversas entre Irã e Arábia Saudita são retomadas em Bagdá, segundo imprensa

Amouei reafirmou que as reivindicações iranianas sobre o Iêmen, desde o princípio, remetem à proposta de cessar-fogo, à suspensão do cerco militar e ao “fim dos bombardeios sauditas”. Teerã acolheu a última trégua, acrescentou o parlamentar, e vê a resolução da crise no Iêmen como fundamental para conquistar a estabilidade regional.

Impasses nas negociações

As conversas de alto escalão entre os estados vizinhos, em curso desde abril de 2021, foram suspensas por Teerã em 13 de março, sem conferir justificativa. Contudo, ocorreu após a Arábia Saudita confirmar a execução de 81 homens, condenados por “múltiplos crimes hediondos”, episódio que atraiu duras condenações de diferentes países – incluindo o Irã, que descreveu as execuções como violação de direitos humanos e da lei internacional. O incidente – a maior execução na história recente da monarquia saudita – efetivamente alimentou tensões.

Coincidentemente, a ruptura entre os países, em 2016, teve como estopim a execução de Nimr al-Nimr, proeminente clérigo xiita radicado na Arábia Saudita. Na ocasião, manifestantes indignados tomaram as ruas de Teerã e Mashhad e invadiram as missões sauditas.

A suspensão das conversas reconciliatórias no mês de abril sucedeu em um dia um comentário do premiê iraquiano Mustafa al-Kadhimi, em um fórum diplomático na Turquia, no qual confirmou que Bagdá deveria sediar a quinta rodada de negociações entre Irã e Arábia Saudita.

Tensões entre as partes, após um ataque a mísseis da Guarda Revolucionária do Irã contra uma suposta instalação israelense na cidade iraquiana de Erbil, em 13 de abril, podem ter contribuído para o breve impasse, dado a coincidência dos fatos. Nas negociações prévias, não obstante, ambos os lados conseguiram estreitar substancialmente suas divergências, com intuito de restabelecer relações.

Manobra tática

Hassan Hanizadeh, comentarista sobre assuntos do Oriente Próximo, descreveu o processo de diálogo como algo “complexo”, à medida que as diferenças têm “raízes profundas”. Porém, acrescentou que a quarta e quinta rodada vivenciaram “progresso material” para possibilitar o encontro entre os ministros de política externa da Arábia Saudita e do Irã, além de uma eventual troca de embaixadores. Hanizadeh crê que a disposição de Riad em chegar a um meio termo pode ser apenas uma “manobra tática” relacionada aos desafios cada vez maiores enfrentados na região e além.

“A Arábia Saudita parece incomodada com o distanciamento pública dos Estados Unidos em relação ao príncipe herdeiro, Mohammad bin Salman, sob administração de Joe Biden”, declarou Hanizadeh à agência Anadolu, em provável referência à recusa da monarquia aos apelos de Washington para aumentar sua produção de petróleo devido à invasão russa contra a Ucrânia. Hanizadeh observou ainda que a coroa “pode mudar sua abordagem sobre Teerã”, caso um presidente republicano substitua Biden após as eleições presidenciais de 2024.

“A bola está agora do lado saudita; a monarquia deve tomar medidas práticas para mostrar uma disposição genuína em resolver diferenças de uma vez por todas”, concluiu.

 O pragmatismo de Riad

Anters das conversas de paz serem interrompidas de maneira abrupta, em abril, havia alguma especulação de que ambos as partes reabrissem suas embaixadas e trabalhassem em mecanismos para permitir que turistas iranianos realizassem a peregrinação islâmica a Meca.

Jalil Rahimi Jahanabadi, congressista veterano da república islâmica, afirmou que janeiro que preparativos estavam em curso para reabrir as respectivas delegações diplomáticas. Pouco antes, o então Ministro de Relações Exteriores, Hossein Amir-Abdollahian, manifestou prontidão em manter conversas com a Arábia Saudita e informou o público de que uma “série de propostas práticas” seriam encaminhadas ao lado oposto.

A hipocrisia da Arábia Saudita [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Em 17 de janeiro, Teerã anunciou que três diplomatas partiram para a cidade saudita de Jeddah para assumir a função de representantes oficiais da república na Organização da Cooperação Islâmica (OCI), após manter sua filiação suspensa por seis anos consecutivos.

LEIA: Conversações com a Arábia Saudita são ‘positivas, construtivas’, afirma Irã

Segundo fontes oficiais, Arábia Saudita e Irã afinal retomaram nesta semana os contatos sobre a reabertura das missões diplomáticas e a retomada da peregrinação de cerca de 40 mil iranianos durante a iminente temporada do Hajj.

Amouei alegou que as negociações em curso não são focadas nas velhas divergências sobre políticas regionais, mas sim em avanços consistentes. “Teerã opõe-se à abordagem da monarquia sobre países como Iêmen, Líbano e Palestina e os políticos sauditas sabem muito bem disso”, observou o congressista. “Contudo, isso não é um obstáculo para um bom relacionamento entre ambos os vizinhos islâmicos”. Amouei afirmou ainda que não acredita que a aproximação saudita tem a ver com rumores de que a Casa Branca, sob gestão democrata, tenha distanciado de seu aliado exportador de petróleo. A política externa saudita tornou-se “mais pragmática”, segundo Amouei. “Diferente dos rumores de imprensa, as relações entre Riad e Washington são ainda fortes. Mas o reino é agora mais realista sobre sua posição na região e seus vizinhos próximos. A coroa está mais convencida hoje de que deve conviver com Teerã como vizinho e exercer um papel conjunto nos assuntos regionais”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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