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Arbítrio de Israel sobre quem ensina nas universidades palestinas confirma apartheid

Raramente vemos uma semana passar sem que haja novas restrições impostas por Israel sobre o povo palestino, por meio de seu sistema de apartheid, dominação e controle, ou novas revelações sobre seus aspectos absolutamente nocivos sobre o cotidiano. Nesta semana, o estado ocupante introduziu uma série de novos procedimentos para transformá-lo em árbitro de quem pode ou não pode lecionar nas universidades palestinas, além de mandados de restrição que impediram sumariamente milhares de palestinos de viajar ao exterior.

Neste novo procedimento, um dos muitos que entrarão em vigor a partir de maio, as instituições palestinas de ensino superior só poderão empregar professores e palestrantes estrangeiros caso lecionem em campos designados por Israel como essenciais. Apenas pessoas autorizadas pela Coordenação de Atividades Públicas nos Territórios [Ocupados], órgão do Ministério da Defesa, terão acesso aprovado “após demonstrarem contribuição substancial ao ensino acadêmica, à economia regional ou à promoção da paz e cooperação regional”.

Por definição, isso significa que comandantes militares de Israel decidirão quais campos de estudo são “necessários”, em nome das universidades palestinas. A política é somente uma das muitas medidas adotadas por Israel para reprimir a liberdade acadêmica do povo palestino. Outras arbitrariedades incluem invasões nos campi universitários, prisão de líderes estudantis e impedimento ao acesso externo de fontes de pesquisa e instituições relevantes.

Em entrevista ao Haaretz, o advogado israelense Ben Hillel observou que a nova política mostra “o quanto Israel recusa-se a abandonar suas ambições para controlar todo e qualquer componente da vida dos palestinos e de suas famílias”. O advogado registrou uma moção contra o novo procedimento e suas subsequentes restrições.

Além disso, documentos revelaram o impacto desses processos ao resultarem em quase 10.600 impedimentos de viagens a cidadãos palestinos no decorrer de 2021. Os números foram publicados pela Administração Civil de Israel após o grupo de direitos humanos HaMoked apelar às leis de transparência. Detalhes comprovam que Israel impediu ao menos 10.594 palestinos de viajarem ao exterior, sob pretexto de “segurança”. A estimativa, não obstante, exclui cidadãos impedidos de atravessar a fronteira no momento da viagem, ao registrar apenas aqueles interditados previamente pelas autoridades da ocupação, de modo que os índices reais devem ser bastante superiores.

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As razões para prescrever um indivíduo dessa maneira são, conforme relatos, “extremamente arbitrárias”. Em alguns casos, uma única sentença é citada: “ativista do Hamas”. Outros indivíduos são proibidos de viajar apenas por serem funcionários de proeminentes organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional. Um professor da região de Nablus, por exemplo, foi impedido de viajar para participar de uma masterclass com autores de contos na Alemanha. Há também o caso dramático do cidadão palestino que queria visitar seu irmão com câncer, mas teve sua passagem negada na Ponte Rei Hussein (Allenby).

“Há mais de dez mil pessoas cujo nome está restrito sob a lista do Shin Bet [serviço de vigilância doméstica de Israel], o que os impede de deixar a Cisjordânia ao exterior”, alerta Jessica Montel, vice-diretora executiva do HaMoked. “Suas proibições ocorrem sem qualquer aviso prévio, explicação ou audiência pública. Na maioria dos casos, as razões são somente reveladas quando tentam atravessar a Ponte de Allenby, com uma maleta e uma passagem de avião nas mãos, para visitar familiares, estudar, trabalhar ou buscar tratamento médico no exterior”.

Trata-se apenas de dois dos mais recentes exemplos de como cada aspecto da vida palestina está submetido ao sistema israelense de dominação e controle. Nenhum palestino é verdadeiramente livre — sejam os dois milhões radicados em Gaza sitiada; os três milhões nas terras ocupadas da Cisjordânia e Jerusalém; os dois milhões que vivem como cidadãos de segunda classe no território considerado Israel; ou os cinco milhões de refugiados que têm seu direito de retorno negado há décadas. De uma maneira ou de outra, todos os palestinos são submetidos ao sistema de dominação e controle do Estado de Israel, cujo propósito, conforme denúncia da ong B’Tselem, é assegurar um sistema de supremacia judaica.

Tais políticas são também exemplos da “supressão ao desenvolvimento humano imposta contra o povo palestino”, como descrito detalhadamente pelo relatório da Anistia Internacional que designou Israel como estado de apartheid. Décadas de tratamento desigual, nas áreas sob controle da ocupação israelense, marginalizaram a população nativa e culminaram em desvantagens sistêmicas e generalizadas em todos os componentes da vida cotidiana, incluindo a educação. O tratamento discriminatório, reafirma a Anistia, e a alocação de recursos israelenses em benefício exclusivo de cidadãos judeus, sobretudo colonos ilegais, agravam exponencialmente as desigualdades nos territórios palestinos ocupados.

Ao controlar quem pode ou não pode ensinar nas universidades palestinas, Israel aperta ainda mais seu cerco sobre a população nativa, cujos padrões de vida se deterioram dia após dia, incluindo seu acesso a saúde, emprego, educação e habitação.

Defensores de Israel costumam responder à designação de apartheid, ao dizer que os palestinos são livres para administrar seus próprios assuntos — entre outras falácias. Em teoria, sob o defunto Acordo de Oslo, a Autoridade Palestina (AP) coordena serviços públicos e supervisiona as forças policiais no perímetro sob sua jurisdição. A realidade, contudo, é bastante distinta. Israel é a única forças com controle absoluto sobre a Palestina histórica, das terras do Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo. Dos 12 milhões de habitantes na região, seis milhões de não-judeus são subjugados sob um sistema supremacista. Enquanto judeus israelenses podem desfrutar de liberdades e direitos consagrados, os nativos palestinos — neste mesmo território — apenas sonham com essa realidade. Suas vidas são fragmentadas em todos os sentidos.

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Este sistema, denunciado por grupos proeminentes como regime de apartheid, foi construído há décadas por sucessivos governos israelenses nos territórios sob seu domínio, não importa filiação política ou ideológica, na ocasião. Neste entremeio, Israel submeteu diversas comunidades palestinas às mais diversas leis, políticas e práticas discriminatórias. Este processo ocorre desde os ganhos territoriais e a limpeza étnica perpetrada durante a Nakba, em 1948, passando pela anexação ilegal de Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Gaza, em 1967. Ao longo das décadas, as considerações geopolíticas e demográficas de Israel formularam as políticas impostas sobre o povo palestino, em cada um dos aspectos de suas vidas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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