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Plantar árvores no Negev não é sobre ‘meio ambiente’, mas sim limpeza étnica

Polícia israelense prende manifestante na aldeia de Sawe al-Atrash, no deserto do Negev, durante ato contra um projeto de florestamento desenvolvido pelo Fundo Nacional Judaico (FNJ), em 12 de janeiro de 2022 [AHMAD GHARABLI/AFP via Getty Images]

Após protestos de massa convocados por residentes palestinos e alertas de parlamentares árabes, o governo da ocupação israelense decidiu nesta quarta-feira (12) suspender um projeto de larga escala do Fundo Nacional Judaico (FNJ) para plantar novas árvores na região do Negev. O FNJ é um órgão semi-governamental que supervisiona 13% das terras nacionais, para que sejam utilizadas exclusivamente por cidadãos judeus. Seu projeto teve início no domingo (9), estimado em 150 milhões de shekels (US$48 milhões), com intuito de arborizar grande parte do Negev, sob supervisão da Autoridade de Terras de Israel.

O governo israelense alega tratar-se de terras públicas, embora compreenda diversas aldeias árabes, jamais reconhecidas pelo estado sionista e, portanto, desconectadas de serviços essenciais, como água e esgoto, eletricidade e telecomunicações. Contudo, parte da esquerda israelense constatou que as propriedades em questão se tornaram foco de uma disputa histórica entre o governo em Tel Aviv e os residentes nativos. Os palestinos locais sabem que se trata de suas próprias terras, nas quais vivem há séculos e séculos.

Plantar árvores e tornar verde e produtivo um vasto deserto deveria ser algo celebrado por todos, certo? Então por que tamanha oposição dos residentes palestinos? Desde a Nakba, na década de 1940, quando milícias sionistas ocuparam a Palestina e expulsaram a população local, imigrantes judeus assumiram a posse das terras e residências árabes. Alguns palestinos resistiram à brutal limpeza étnica; outros se mudaram para áreas vizinhas; alguns não tiveram alternativa senão o exílio. Desde então, o estado ocupante trata seus imigrantes judeus como cidadãos genuínos, enquanto os habitantes originais que conseguiram permanecer em suas casas são considerados residentes “não reconhecidos” ou, na melhor das hipóteses, cidadãos de segunda classe. Atualmente, são meramente designados “árabes israelenses”.

Ao longo da Nakba, o FNJ executou projetos de florestamento sobre grande parte das terras ocupadas, incluindo ruínas das aldeias palestinas, a fim de alterar os fatos em campo e transformar a Palestina histórica no que seria Israel. Meu vizinho Mustafa Abul Qumsan, de 86 anos, foi expulso de sua aldeia em 1948, quando tinha apenas 12 anos de idade: “Anos após a ocupação, fui visitar minha aldeia, mas não encontrei nossas casas; encontrei um bosque”.

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Os residentes palestinos de Israel sabem por experiência que os projetos ambientais do estado sionista são utilizados para encobrir as evidências da limpeza étnica perpetuada contra a população nativa. Para além de qualquer pretexto ecológico ou econômico para arborizar o Negev, a principal razão é reforçar o controle israelense sobre o território ocupado e impedir a potencial expansão demográfica dos palestinos locais.

Israel tenta expulsar a comunidade nativa desde 1948, sobretudo no Negev. Muitos palestinos foram expulsos à força ou tiveram de demolir suas próprias casas. A aldeia “não reconhecida” de Al Araqeeb, por exemplo, foi desmantelada pelas forças israelenses mais de 150 vezes desde 2011, mas seus habitantes insistem em reconstruí-la sempre. Para persuadir os árabes a deixarem suas casas — e conferir certo verniz ao processo de limpeza étnica —, Israel propôs “urbanizar” as áreas ao instalar novos edifícios supostamente destinados a serviços públicos. Todas as propostas, no entanto, foram rejeitadas porque os palestinos compreendem que se trata de um truque antigo para expropriá-los de suas terras. Autoridades israelenses, naturalmente, contestam essa hipótese.

Polícia montada de Israel escolta escavadeiras durante protesto beduíno na aldeia de Sawe al-Atrash, no deserto do Negev, contra um projeto de florestamento desenvolvido pelo Fundo Nacional Judaico (FNJ), em 12 de janeiro de 2022 [AHMAD GHARABLI/AFP via Getty Images]

“Não há expulsão alguma”, insistiu Alon Tal, membro do Knesset, ao jornal Times of Israel. “Tratam-se de terras nacionais; temos o direito de protegê-las para todos os cidadãos e uma das formas de fazê-lo é plantar árvores”. O parlamentar é incumbido de monitorar projetos de florestamento do FNJ há mais de uma década. “A Autoridade de Terras de Israel quer assegurar a posse das propriedades, o que é seu trabalho. Os beduínos [isto é, os palestinos do Negev] são invasores e uma maneira de impedir suas ações é arborizar o local”. Suas palavras expõem, no entanto, a verdadeira intenção por trás da política ambiental do governo israelense.

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Os palestinos no Negev vivem pacificamente em suas próprias terras há séculos, muito antes da ocupação sionista. Sua simples presença implica em propriedade histórica; não é preciso documentação reconhecida pela ocupação para comprovar esse fato. Não obstante, Israel demanda escrituras e outros registros burocráticos. Além disso, Tel Aviv instituiu diversas leis opressivas para revogar os direitos palestinos e sabe muito bem que a maioria das famílias do Negev não possui tais documentos, pois sua presença precede tais regulações.

Desde os anos 1970, dezenas de palestinos recorreram à justiça para provar sua posse sobre as áreas em questão. Seus processos foram indeferidos ou postergados indefinidamente pelos tribunais da ocupação. Enquanto isso, autoridades israelenses aceleraram a expropriação das terras, ao destruir aldeias nativas, deteriorar as condições de vida, obstruir a construção de novas residências e executar supostos projetos de arborização e urbanização.

“Hoje, há cerca de 125 mil acres de terras contestadas”, detalhou Hanna Noach, co-diretora do Fórum de Coexistência do Negev. “Os beduínos são convocados às cortes e solicitados a comprovar sua propriedade; todavia, além da tradição oral, têm pouco a mostrar”. O aspecto ideológico da expropriação de terras, ao contrapor o novo do velho, é bastante óbvio. Iniciativas de florestamento são uma ferramenta da limpeza étnica ainda em curso na Palestina histórica e não um objetivo em si mesmas.

Itamar Ben Gvir, parlamentar israelense de extrema-direita e notório militante antipalestino, afirmou ao Jerusalem Post: “A ordem do dia é chegar ao Negev e torná-lo parte do importante mitzvah [mandamento] de lutar pela Terra de Israel”. Ben Gvir alegou ainda conversar com o proeminente clérigo sionista Dov Lior, ex-chefe do rabinato de Hebron e Kiryat Arba, que “determinou ser permissível plantar árvores em nome da luta por Israel e conclamou todos os membros do Knesset a viajar ao Negev e fazer florescer o deserto”.

De acordo com uma postagem recente do Ministro da Comunicação de Israel, Yoaz Hendel, em sua página do Facebook: “Há muitas áreas no país onde, caso você não cultive a terra, poderá perdê-la … Às vésperas do Tu Bishvat [feriado judaico celebrado como dia de conscientização ecológica], a agricultura e o plantio devem ser reconhecidos como uma solução para todos, o que será feito ao longo deste ano”. As intenções da ocupação não podem ser mais claras. Israel deseja obter controle sobre a maior quantidade possível de terras palestinas e reduzir a população nativa a um mínimo absoluto. Essa é a verdadeira razão por trás de sua campanha de florestamento. Ecologia e meio ambiente não têm nada a ver com a proposta e os palestinos sabem muito bem disso. Entretanto, ninguém faz nada para impedir tamanha política de expropriação e limpeza étnica, deixando aos habitantes locais a missão de enfrentar sozinhos a ocupação, enquanto a comunidade internacional simplesmente lava suas mãos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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