Morte de Yasser Arafat

Yasser Arafat, então presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em discurso a representantes da Organização da Unidade Africana (OUA), em Kampala, capital da Uganda, julho de 1975 [AFP via Getty Images]

Muito se sabe sobre a vida de Yasser Arafat. No entanto, ainda hoje, muitas perguntas permanecem sem respostas quanto à causa mortis do presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Membros da sociedade civil (palestina e estrangeira) e integrantes do alto escalão da Autoridade Palestina afirmam que Arafat foi envenenado por Israel.

O que aconteceu 

Em 2015 o New York Times obteve uma cópia do relatório médico de Arafat, em que dizia que após o jantar de 12 de outubro, Arafat começou a apresentar episódios de diarreia, dores abdominais e vômito, chegando até a perder a consciência, sintomas que o acometeriam pelas duas semanas seguintes. O líder palestino é encaminhado para um hospital na Jordânia e de lá transferido para França, onde foi diagnosticado com uma disfunção sanguínea. No dia 8 de novembro Arafat foi  transferido para UTI e faleceu 3 dias depois, em 11 de novembro.

O que aconteceu antes?

Ao longo da vida, o líder palestino Yasser Arafat lutou pela libertação da Palestina nas condições de líder estudantil, refugiado, guerrilheiro, diplomata (detentor do Nobel da Paz), presidente, até que, por fim, prisioneiro na Mukata’a, a sede do Governo Palestino, em Ramallah, sede administrativa da Palestina até Jerusalém vir a sediar em definitivo a capital do Estado da Palestina.

Em 1993, assinou com o israelense Yitzhak Rabin os acordos de Oslo, pelos quais receberam juntos com Shimon Peres o prêmio Nobel da Paz. Mas  Yitzhak Rabin é assassinado em uma praça pública de Tel Aviv por um extremista judeu.

Após o assassinato de Rabin, o acordo de Paz entre a Palestina e Israel começou a se deteriorar. Os primeiros-ministros que assumiram em Israel voltaram a tratar Arafat e o povo palestino como inimigos e uma nova onda de violência voltou à Terra Santa. O governo israelense voltou à rotina de culpar Yasser Arafat pela violência. Israel decide cercar a Mukata’a (sede da Autoridade Nacional Palestina), em Ramallah, proibindo Arafat de viajar, tanto na Palestina como para o exterior.

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O que aconteceu depois 

Em 2012 é iniciada, pelo Instituto de Física Radioativa da Universidade de Lausanne, na Suíça, uma grande investigação para averiguar as acusações de morte por envenenamento dirigidas contra o regime israelense. O grupo de cientistas que exumou o corpo constatou níveis elevados de contaminação por Polônio-210. Segundo as amostras examinadas, os níveis do material radioativo encontrados na terra, nos pertences e no corpo do líder palestino eram 20 vezes acima do que um humano pode suportar.

Entretanto, o relatório final não concluiu definitivamente a morte pelo envenenamento, uma vez que a quantidade de material disponibilizado era inferior à considerada ideal para uma averiguação mais aprofundada. Curioso que as amostras coletadas durante a internação de Arafat foram destruídas. O Governo de Israel nega envolvimento, mesmo que tenha tentado assassiná-lo por quase 40 anos.

Em julho de 2021, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou “inadmissível” a queixa da viúva e da filha de Yasser Arafat. A justiça francesa não se pronunciou quanto à causa da morte do dirigente palestino.

A vida de Arafat

Para Israel e seus aliados, Arafat foi detratado como um terrorista, enquanto para os demais se tornou um lutador irredutível, o grande porta-voz do povo palestino. Mas quem é Yasser Arafat?

1929 — Nasce em Jerusalem, Mohammed Abdel Rahman Abdel Raouf Arafat al-Qudwa al-Hussein, conhecido posteriormente como Yasser Arafat. Mesmo ao local de seu nascimento, o estado sionista tenta deturpar a legitimidade da nacionalidade de Arafat, criando a narrativa de que o líder palestino tenha nascido no Cairo.

Arafat se forma engenheiro civil na Universidade do Cairo, onde começou a participar dos movimentos políticos estudantis.

1956 — Arafat serve ao exército egípcio durante a Invasão de Israel, em aliança com Inglaterra e França, à região do canal de Suez.

Criação do Al-Fatah: o início da luta armada

1956 — Arafat parte para o Kuwait, onde se encontra com os palestinos Abu Iyad e Abu Jihad, ambos membros da Irmandade Muçulmana Egípcia. Os jovens fundam juntos o Al-Fatah, um movimento político e guerrilheiro dedicado à libertação da Palestina por meio da luta armada.

              A guerra dos seis dias 

1967 — Egito, Síria, Jordânia e Iraque entram em guerra contra Israel em reação a este por atacar (hoje admite que o fez “preventivamente”, dando, portanto, causa à guerra) o Egito. É também uma reação ao plano israelense de limpeza étnica contra os palestinos. Nesta guerra Israel seguiu seus planos expansionistas e anexou a península do Sinai (Egito), Cisjordânia e Gaza (terminando por tomar toda a Palestina, incluída a parte oriental de Jerusalém) e as colinas de Golã (Síria).

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Jordânia: presidente da OLP

1967 — Após o que se convencionou chamar “guerra dos 6 dias”, Arafat e o Al-Fatah concentram suas atividades nos campos de refugiados palestinos na Jordânia. De lá passam a resistir e atacar as forças de ocupação. No ano seguinte, Israel ataca a localidade jordaniana de Karameh, onde refugiados e guerrilha palestina estão concentrados, na tentativa de aniquilar Arafat e o Al-Fatah. Morrem 128 guerrilheiros palestinos e 30 soldados israelenses. Mais do que isso: Israel perdeu um avião de guerra e teve que abandonar no campo de batalha quatro tanques. Mesmo com uso massivo da aviação, lançando 180 toneladas de bombas e uma centena de mísseis. A artilharia e os tanques do exército jordaniano reagiram em defesa do lado palestino e esta combinação derrotou os israelenses. Israel se retira do campo de batalha sem cumprir nenhum de seus objetivos. E se confirmou o que dissera Arafat aos seus combatentes pouco antes do ataque, quando observou a movimentação militar israelense, tão esperado pelo líder palestino: “Nós combateremos na honra. A nação árabe nos olha. Terminaremos com o mito do ‘exército invencível’”. Foi o primeiro enfrentamento direto entre Israel e forças palestinas e estas saíram vitoriosas.

1969 — Depois da consagração de Karameh, Arafat é escolhido o novo presidente da OLP. Mas nem tudo são flores. Na Jordânia há desentendimentos entre o rei Hussein e as forças guerrilheiras palestina. A 16 de setembro ele forma um governo militar que adianta que agirá com “punho de ferro”. Arafat pressente o perigo e avisa os governos árabes do iminente banho de sangue, mas sem deixar claro o quanto sabia que não seriam socorridos. “Presumo que os seus governos não poderão ou não desejarão fazer nada por nós. Mas informo: vocês não podem dizer que não sabiam”, diz Arafat em seu comunicado. A 16 de setembro o massacre tem início. Após uma semana, o saldo é terrível: 3.500 combatentes palestinos mortos e 20 mil prisioneiros. Sem falar das destruições materiais, e dos feridos e mutilados. Durante meses segue a caça à resistência palestina, até que em julho de 1971 vê-se a total eliminação dos fedayns da Jordânia. Arafat e a OLP que partem então para o Líbano.

1974 — O chefe da OLP compareceu pela primeira vez diante da Assembleia Geral das Nações Unidas para pedir à comunidade internacional o reconhecimento da luta do povo palestino pela independência.

Líbano: o massacre de Sabra e Chatila 

1982 — Israel ocupa a maior parte do sul libanês. Após semanas de combate, a OLP se retira para a Tunísia. Com a retirada da maioria dos combatentes palestinos do Líbano, Israel instrumentaliza uma milícia cristã libanesa, os fascistas denominados falangistas, para atacar brutalmente dois campos de refugiados palestinos. Estima-se que o Massacre de Sabra e Chatila tirou a vida de cerca de 3.500 palestinos, na sua maioria mulheres, idosos e crianças. Arafat fica desolado porque o massacre acontece após a OLP assinar um cessar-fogo e de garantias internacionais de que os refugiados, já sem a proteção bélica da OLP, nada sofreriam.

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Tunísia: novos horizontes

1988 -— Acontece a maior reviravolta da história: a OLP proclama o “Estado da Palestina” e Arafat decide aceitar a Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, reconhecendo o direito de existência do estado de Israel, aceita a primazia da saída política, com a criação de um estado palestino nas fronteiras de 1967.

Oslo: Acordo de que nasce com validade vencida

1993 — Mediado pelos EUA, Arafat e Yitzhak Rabin (primeiro-ministro, israelense) assinam os acordos de Paz de Oslo (Noruega).

1994 — Yasser Arafat, Yitzhak Rabin e Shimon Peres (Ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel) recebem juntos o prêmio Nobel da Paz.

1995 — Yitzhak Rabin é assassinado em uma praça pública de Tel Aviv por um extremista judeu israelense contrário ao acordo de paz assinado com os palestinos.

1996 — Arafat foi eleito presidente da Autoridade Palestina (AP), com 87% dos votos.

Yasser Arafat, sem dúvida, é uma das figuras mais importantes – e polêmica, para alguns – do século XX e, bem provavelmente, será relembrado pelos séculos que virão.  Independente se vilão para uns e herói para outros, Arafat é o elo da corrente entre a Palestina e o Mundo. Por uma vida inteira Yasser Arafat perseguiu o sonho de libertação nacional, talvez até tenha morrido por este sonho que hoje é compartilhado por mais de 14 milhões de palestinos, 6 milhões deles refugiados por todo mundo, em incansável e irredutível confronto de um plano colonial que já dura mais de 73 anos.

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