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No Egito, ler livros é crime

Histórico mercado de livros al-Azbakeya do Cairo, no centro do Cairo em 16 de janeiro de 2019 [Mohamed El-Shamed El Shaheid/ AFP via Getty Images]
Histórico mercado de livros al-Azbakeya do Cairo, no centro do Cairo em 16 de janeiro de 2019 [Mohamed El-Shamed El Shaheid/ AFP via Getty Images]

Por não ter um apoio popular real para a sobrevivência de qualquer ditadura, a censura é fundamental para seu modus operandi. Fiel à tradição, desde a tomada do poder pelos militares em 2013, o Egito travou uma guerra contra o popular musalsalet e bloqueou cerca de 500 sites de notícias.

No ano passado, o Egito proibiu a peça Ya Balah Zaghloul (Oh, Tâmaras de Zaghloul) de Sayed Darwish no Balloon Theatre no Cairo, porque o próprio presidente Abdel Fattah Al-Sisi recebeu o apelido de tâmara vermelha. No Egito,o termo”balah” é usado para descrever alguém que afirma ser sábio, mas na verdade não é.

No início deste ano, uma série do Ramadã, Al-Ikhtar (A escolha), produzida pela Synergy, produtora do governo, reencenou o massacre de Rabaa em agosto de 2013 e apresentou a Irmandade Muçulmana como a ameaça mais séria para o estado e seus cidadãos.

No entanto, embora o controle do Estado sobre a TV e a mídia seja o  fato  mais amplamente conhecido, durante anos as restrições se estenderam ao que a população lê. Faz sentido – a narrativa é rigidamente controlada e o regime não tem interesse em permitir que seus cidadãos escapem para outro mundo ou passem a pensar criticamente por si próprios.

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Na última etapa, o Ministério de Dotações do Egito anunciou que examinará as publicações mantidas nas bibliotecas das mesquitas e removerá qualquer ideologia extremista das obras. O órgão prometeu  “purificar” as bibliotecas das mesquitas de trabalhos relacionados à Irmandade Muçulmana, em uma tentativa de “prevenir o extremismo”

Como outra medida preventiva, os imãs terão de se comprometer a pedir permissão para qualquer título que entre em suas bibliotecas. Aqueles que “negligenciarem ordens” serão punidos.

Enquanto a revolução inaugurava o que na época se acreditava ser uma nova era de liberdades, pós-Primavera Árabe de 2011, autores como George Orwell e Milan Kundera encontraram seu caminho de volta às estantes e houve demanda por Cart Ahmar lil Rayis (Um Cartão Vermelho para o Presidente) pelo fundador do Kefaya – o Movimento Egípcio pela Mudança.

Mas, nos últimos oito anos, essas novas liberdades foram destruídas novamente e expositores das barracas da Feira Internacional do Livro do Cairo relatam que a polícia inspeciona as obras expostas. Com punições públicas tão pesadas emitidas para vozes dissidentes no país, nem sempre é claro onde fica a linha entre a censura do governo e aqueles que se auto censuram por medo.

O ataque ocorre por todos os ângulos. No ano passado, o Centro Nacional de Tradução do Egito divulgou um comunicado para dizer que qualquer tradutor que apresentasse trabalhos sobre assuntos que se opõem a normas sociais, morais, costumes ou religiões monoteístas seria rejeitado e, em 2016, as forças de segurança egípcias invadiram uma biblioteca no bairro de Dar El-Salam, fecharam três de suas filiais e confiscaram seus livros, acusando-as de serem espaços sediciosos.

A biblioteca Dar El-Salam foi fundada pelo advogado de direitos humanos Gamal Eid e era frequentada por crianças ansiosas para terminar o dever de casa. Em 2019, Eid foi espancado por forças de segurança que jogaram tinta vermelha e amarela sobre ele em uma tentativa de impedi-lo de trabalhar.

A Dar Merit Publishing House, no Cairo, foi invadida pelo Ministério do Interior, a livraria El Balad foi fechada e a rede de livrarias Alef fechou todas as 37 filiais após ser acusada de ter ligações com a Irmandade Muçulmana.

Um comitê estatal fundado para confiscar bens da Fraternidade assumiu o controle da Alef em agosto de 2017 e depois prendeu seu cofundador, Omar El-Sheneti, por acusações semelhantes, embora as lojas estivessem estocando literatura anti-Irmandade Muçulmana.

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Gamal Abdel Hakim foi condenado a cinco anos de prisão sob uma lei de contraterror por estar na posse do valor, preço e lucro de Karl Marx, que as forças de segurança encontraram em sua casa quando ele foi preso em 2017.

Naquele mesmo ano, a professora universitária Mona Prince foi acusada de “glorificar Satanás” e “espalhar idéias destrutivas” depois de ter usar a obra Paraíso perdido, de John Milton,  para seus alunos na Universidade de Suez e mais tarde foi suspensa. As autoridades disseram que ela está desafiando a ordem pública disfarçando-a de análise textual da literatura.

Dada a história de censura do Egito e como ela pune a dissidência, as palavras do crítico literário Henry Louis Gates Jr parecem adequadas: “A censura está para a arte assim como o linchamento está para a justiça”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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