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Relembrando a chacina de Vigário

Uma das maiores chacinas registradas no Brasil segue com seus criminosos impunes e os familiares das vítimas injustiçados sem indenização
Ato simbólico em memória dos 20 anos da Chacina de Vigário Geral na praia do Leme. Cada cruz enterrada na areia representa uma das 21 pessoas assassinadas em 1993 [Fernando Frazão/ABr]

O quê: Chacina de Vigário Geral

Onde: Vigário Geral, zona norte do Rio de Janeiro

Quando: 29 de agosto de 1993

Na noite de 29 de agosto de 1993, cerca de 40 homens encapuzados  fortemente armados entraram na comunidade, jogando bombas e atirando em quem aparecesse na frente, arrombaram residências e chegaram a assassinar famílias inteiras, todos que foram executados naquela noite, não tinham nenhuma relação com o tráfico. Até hoje, familiares das vítimas da chacina estão aguardando indenização do Estado que por meio de seus agentes ceifou a vida de 21 pessoas, destruindo assim também a vida de seus familiares.

Na noite de 29 de agosto de 1993, cerca de 40 homens encapuzados e fortemente armados entraram na comunidade de Vigário Geral, jogando bombas e atirando em quem aparecesse pela frente. Arrombaram residências e chegaram a assassinar famílias inteiras. Momentos antes da chacina, Jadir Inácio havia consertado o transformador da comunidade e foi até o bar encontrar os amigos que estavam comemorando a vitória do Brasil contra a Bolívia nas eliminatórias da Copa. Ele levou 5 tiros e conseguiu sobreviver ao fingir-se de morto, e testemunharia depois aquela hora de terror. A história dessa chacina começa antes, com uma série de vinganças e mortes entre as facções que dominavam a comunidade, atos que são um retrato das favelas brasileiras, onde o Estado é ausente ou tem agentes atuando na criminalidade. Ninguém, entre as 21 pessoas executadas naquela noite, tinha qualquer relação com o tráfico. Até hoje, familiares das vítimas da chacina aguardam indenização.

Foto de Marília Rocha do material de divulgação da Associação dos Familiares de Vigário Geral.

O que aconteceu?

Para compreender o que aconteceu é necessário entender a situação de Vigário Geral antes da chacina. De um lado, a comunidade era controlada pela facção criminosa Comando Vermelho, que dominava o tráfico daquela região e, do outro, havia a facção militar denominada “Cavalos Corredores”,  grupo formado por policiais civis e militares, e que ganhou esse nome devido ao modo truculento com que eles chegavam na comunidade, sempre correndo e atirando bombas. Esses policias cobravam propina e chantageavam os traficantes para que estes pudessem comercializar as drogas sem receio de serem presos ou de perderem suas mercadorias. Quando a facção não conseguia o valor solicitado, realizava sequestros dos integrantes ou familiares do Comando Vermelho.

Essa gangue de policiais, liderada pelo sargento militar Ailton Ferreira dos Santos, havia sequestrado  o irmão do chefe do tráfico, Flavio Negão, pedindo resgate de trezentos mil reais. Não conseguindo este valor, o sargento matou o irmão do traficante. Dias após o assassinato do irmão, Flávio Negão armou uma emboscada contra o sargento Ailton e o matou em uma praça central de Vigário Geral. Junto com ele estavam mais três policiais da milícia Cavalos Corredores.

Em vingança ao assassinato do sargento e seus companheiros, um grupo formado por policiais militares, civis e ex-militares, entraram na comunidade e realizaram uma das maiores chacinas registradas no Brasil, matando brutalmente 21 pessoas inocentes, sem relação alguma com o tráfico de drogas. Eram pessoas trabalhadoras, que tinham nomes, famílias e sonhos.  Foram assassinados naquela madrugada:  Adalberto de Souza (40 anos), Amarindo Baense (31 anos), Cleber Alves (24 anos), Clodoaldo da Silva (23 anos), Edmilson da Costa (23 anos), Fabio Lau (17 anos), Gilberto dos Santos (61 anos), Guaracy Rodrigues (33 anos), Helio Santos (38 anos), Lucia dos Santos (34 anos), Luciano dos Santos (24 anos), Lucileia dos Santos (27 anos), Lucilene dos Santos (15 anos), Lucinete dos Santos (27 anos), Luis Feliciano (28 anos), Jane dos Santos (34 anos), Joacir Medeiros (60 anos), José dos Santos (47 anos), Paulo Cesar Soares (35 anos), Paulo Ferreira (25 anos) e Rubia dos Santos (18 anos).

O massacre aconteceu por volta das 23h. A ação durou cerca de uma hora de puro terror. Um dos sobreviventes da chacina, Jadir Inácio, que levou cinco tiros e conseguiu sobreviver, em entrevista ao G1, disse que. naquela noite, momentos antes da chacina, ele havia consertado o transformador da comunidade e foi até o bar encontrar os amigos que estavam comemorando a vitória do Brasil contra a Bolivia nas eliminatórias da Copa. Jair relatou que homens entraram no bar, alguns encapuzados e outros não e foram matando quem eles viessem na rua. O eletricista ainda disse que os homens jogaram bombas dentro do bar, deixando os clientes tontos e, então, começaram a atirar em todos.

Jair inácio conseguiu sobreviver porque se fingiu de morto, após  ser baleado e cair no chão. Seu amigo, que também foi baleado, caiu em cima dele, que permanceu imóvel e salvou-se. Seu amigo não teve a mesma sorte.

O que aconteceu depois?

De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 52 pessoas foram denunciadas pelo crime em dois processos diferentes. Sete chegaram a ser condenadas:

Arlindo Maginário Filho foi condenado no primeiro júri a 441 anos e quatro meses de prisão, mas a pena foi reduzida a 58 anos. Ele foi absolvido no segundo júri, em 15 de novembro de 2003.

Paulo Roberto Alvarenga foi condenado a 449 anos e oito meses de prisão. No segundo júri, a pena foi reduzida para 59 anos e seis meses. Em 2013, ele recebeu liberdade condicional.

Alexandre Bicego Farinha foi morto em 2007, quando aguardava em liberdade o julgamento de um recurso. Antes, Farinha havia sido condenado a 72 anos no primeiro júri, e a 59 anos e seis meses no segundo júri.

José Fernandes Neto foi condenado a 45 anos de reclusão no primeiro júri, pena mantida no segundo julgamento. Ele recebeu o direito a liberdade condicional em 2006.

Roberto César do Amaral foi condenado no primeiro júri a seis anos de reclusão e foi absolvido em segundo julgamento, em 2006.

Adilson Saraiva da Hora foi condenado no primeiro júri a 72 anos e no segundo a 59 anos e seis meses. Em 2007, foi absolvido em um terceiro julgamento.

Sirlei Alves Teixeira foi condenado a 59 anos de prisão no primeiro júri e a pena foi mantida no segundo julgamento, realizado em 2003. Em dezembro de 2017, ele foi para o regime semi-aberto. Em março deste ano (2021), foi executado na porta de sua casa, estava em prisão domiciliar.

Outros três réus morreram antes de serem submetidos ao júri. Em 1994, Leandro Marques da Costa fugiu e não foi mais encontrado.

O processo teve várias reviravoltas e contradições, atualmente não existe nenhum culpado na prisão, para a justiça brasileira é como se nada tivesse acontecido, já para os familiares das vítimas, nada voltou ao normal, além de carregarem o trauma e a dor pela perda de seus entes queridos, ainda precisam lidar com a injustiça de não haver punição pelos crimes ocorridos e o desprezo do governo, que embora tenha sido condenado inicialmente a pagar indenização, foi absolvido e hoje ninguém mais recebe pensão que teriam direito até os 65 anos de idade.

LEIA: Relembrando a chacina da Candelária

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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