Desconstruindo os mitos sobre os refugiados na Europa

As enormes enchentes que recentemente assolaram partes da Alemanha, Bélgica e Holanda representam muito mais do que um alerta sobre as ameaças do aquecimento global. Revelam também uma série de verdades sobre as tendências políticas e sociais na Europa.

Na Alemanha, imagens de voluntários sírios caminhando pela lama e limpando escombros servem tanto de lembrança da humanidade básica dos refugiados quanto como conquista da política de portas abertas da chanceler Angela Merkel.

Em meados de 2015, Merkel removeu uma barreira legal da União Europeia, outorgada em Dublin, que demandava aos refugiados sírios e outros solicitar asilo em seu primeiro país de chegada. As regras eram evidentemente falhas, pois — caso aplicadas ao pé da letra — estados como Turquia, Grécia e Hungria receberiam um volume desproporcional de refugiados.

Sob enorme crítica doméstica e no exterior, Merkel notoriamente assegurou ao povo alemão: “Podemos fazê-lo!”. Até o fim daquele ano, 476.649 pessoas solicitaram asilo no país — a vasta maioria, refugiados sírios em fuga da guerra. Hoje, mais de 700 mil sírios vivem plenamente integrados na população alemã, equivalente a 82 milhões de pessoas.

Sob a liderança de Merkel, a Alemanha acatou os alertas do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) de que, caso prevalecessem políticas de zero-migração, as nações mais desenvolvidas — salvo Irlanda e Nova Zelândia — enfrentariam escassez de mão de obra até 2025. No contexto, uma forma de evitar o colapso ou a estagnação demográfica seria abrir as portas à migração regular.

Conforme dados de 2020, mais de três quartos (78.7%) de requerentes de asilo de primeira viagem na União Europeia tinham menos de 35 anos de idade. Do número total, aproximadamente um terço (31%) do número total de requerentes de primeira viagem eram menores de dezoito anos de idade.

Protesto contra a repressão grega e políticas restritivas europeias contra refugiados em Bruxelas, Bélgica, 4 de março de 2020; no cartaz, ‘Bem-vindos refugiados, Fortaleza Europa: Não em nosso nome!’ [Dursun Aydemir/Agência Anadolu]

Embora os recordes no fluxo de refugiados à Europa de 2015 e 2016 tenham diminuído no fim de 2017 e ao longo de 2018, apenas 14% dos refugiados em todo o globo são asilados em países desenvolvidos. Além da Alemanha, países que abrigam enormes populações de refugiados são Turquia, Colômbia, Paquistão e Uganda.

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Contudo, alegar que a Alemanha é um mar de rosa aos refugiados seria ingênuo — não é o caso. Nos últimos anos, houve forte resposta de supremacistas brancos e islamofóbicos de extrema-direita. Ainda assim, é notável que Merkel manteve sua visão de longo prazo e sua humanidade para perceber que os refugiados que chegaram ao país em 2015 não eram meramente imigrantes econômicos, em busca de “saquear” o estado alemão. De fato, muitos dos requerentes de asilo são profissionais altamente instruídos e qualificados, enquanto outros foram forçados a abandonar seu ensino superior para retomar a vida em segurança.

Evidentemente, alguns refugiados lamentaram o “paternalismo” de autoridades alemãs, ao ponto de lhes conceder alimento e mesmo cozinhar suas refeições.

Refugiados sírios e a União Europeia [Arabi21]

Moutasem Alkhnaifes, cidadão sírio que concluiu seu mestrado em planejamento urbano em Berlim, não obstante, descreveu a abordagem geral das autoridades alemãs sobre os refugiados como “monólogo”. Segundo ele, muitos refugiados sentem certas restrições latentes sobre sua iniciativa e sobre o desenvolvimento de suas capacidades. “Você apenas vive e não faz nada, porque todo mundo faz tudo por você”. Moutasem observou que, ao longo da história, os europeus trataram os imigrantes sob dois extremos: “perversos e criminosos ou absolutamente indefesos”.

Em suma, não obstante, os sírios — como os outros refugiados — permanecem gratos pela segurança, apoio financeiro, educação e emprego assegurado pelo estado alemão. Embora divirjam de alguns métodos, reconhecem os esforços feitos pelas autoridades para integrá-los à sociedade.

É claro, nem todos os refugiados tornam-se engenheiros, médicos e profissionais técnicos. Alguns, como Bashir Abdi, que chegou à Bélgica aos treze anos de idade, tomaram outros caminhos. Bashir conquistou uma medalha de bronze por seu país adotivo nas Olimpíadas de Tóquio 2020. Abdi Nageeye, de origem somali, chegou à Holanda ainda adolescente, e ganhou sua medalha de prata na mesma maratona.

Não importa o que dizem, refugiados são seres humanos normais. Têm as mesmas esperanças e medos de qualquer europeu; querem também viver em paz e segurança, desenvolver suas capacidades e seu máximo potencial. Se não fossem as guerras hediondas que devastam seus países, permaneceriam em suas terras.

Para os governos europeus que ergueram cercas de arame farpado e treinaram cães para expulsar os refugiados da fronteira, as imagens das recentes inundações na Alemanha, Bélgica e Holanda, assim como os incêndios na Grécia e Turquia, servem de alerta — é hora de enterrar preconceitos históricos sobre os refugiados. Decerto, nenhum homem é uma ilha. Nesta era de desastres ambientais e além, ninguém está imune. Estamos no mesmo barco.

As perdas na Síria e na Somália, na equação geral, foram uma vitória à Europa. As milhares de pessoas que se realocaram empregaram suas vastas habilidades e senso de dever cívico em seu novo lar. Com uma população envelhecida e queda nas taxas de natalidade, os refugiados na Europa já provam-se capazes de retribuir a seus anfitriões, ao se tornarem naturalmente cidadãos dedicados e bastante produtivos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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