O semita atacado neste caso sou eu

Essa história vem de 2018, quanto novos ataques de Israel à Gaza causaram indignação em todo mundo. Mas voltou à tona agora, ironicamente após outra série de ataques e mortes na Faixa palestina. Na época, o ex-deputado federal Milton Temer foi criticado pela vereadora carioca Tereza Bergher por uma nota do Psol contra as ações de Israel. E reagiu.  Acabou processado e soube agora da condenação.

O caso ainda vai se desenrolar com recursos e outras decisões. O próprio Ministério Público recomendou que fosse absolvido, mas esse não foi o entendimento da juiza Túlia, que repetiu na sentença os argumentos da acusação, de que o deputado teria praticado antissemitismo.

Em entrevista ao Monitor do Oriente Médio, Milton Temer aponta o absurdo da sentença. Primeiro por contrariar sua liberdade de expressão. Segundo por considerar a crítica a Israel como antissemita. E terceiro porque, nesse caso, o termo semita se aplicaria, mais adequadamente, a ele próprio, por suas origens de família árabe.

Qual a importância, para o sr., como brasileiro, de tratar da questão palestina?

A minha ligação com a Palestina se deu na luta de solidariedade natural. Quando você está em uma posição de esquerda revolucionária, você tem claro que a luta contra o imperialismo é fundamental. Se eu fosse um brasileiro inteiramente desligado do mundo árabe, assim mesmo eu teria o interesse nessa solidariedade, como eu tenho. Vejo a questão Palestina como algo fundamental da luta contra o imperialismo no Oriente Médio, porque ali se expressa, não só a reprodução da ação das forças reacionárias contra as forças progressistas, como principalmente pelo fortalecimento do estado de Israel como uma ponta de lança.

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O senhor é de ascendência árabe?

Eu sou filho de pai e mãe sírios, que vieram da região de Solda, uma área que era muito habitada por cristãos ortodoxos. Meu pai veio primeiro para cá porque meu avô, antes da Primeira Guerra Mundial, foi assassinado pelos turcos-otomanos por apoiar a independência da Síria. Minha avó mandou meu pai, que era o filho mais velho, para cá porque após a morte do pai, o o primogênito passava a ser alvo. Então, meu pai foi enviado pra cá ainda menino. Depois de um tempo, em 1937, ele foi buscar minha mãe na Síria para casar. E eu nasci aqui em 1938.

O senhor manteve algum laço com a origem árabe?

A minha a minha vinculação com o mundo árabe, fundamentalmente vem de quando eu ainda estava na escola naval e houve a crise do Suez. Foi nesta época que eu definitivamente me converti ao anti-imperialismo  e depois ao nacionalismo árabe. Esse foi o caminho que eu viria a tomar para me tornar um militante da esquerda na luta pelo socialismo.

O sr. acompanha a situação da Palestina desde os tempos de Arafat. Como foi sua visita naquela época?

Eu era deputado federal, em 2000. Fui à Palestina quando Yasser Arafat estava confinado na casa de governo da Autoridade Palestina, em Ramallah, cercado pelos israelenses. Integrei a delegação da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Lá constatei na prática o que era ocupação na Cisjordânia, que estava submetida a um estado de sítio. Toda população estava trancafiada e só podia sair uma hora por dia, que era a hora que o comércio abria para fazer compras. Caminhávamos em ruas vazias. Para garantir o confinamento total da população, havia tanques e carros de combate israelenses em cada cruzamento da cidade.

Era uma ocupação total. Andávamos  com uma  bandeira branca e a bandeira brasileira na rua para chamar atenção dos soldados, para eles verem que nós não éramos dali, senão eles atiravam. Fiquei um dia a mais que a delegação pois queria participar de uma manifestação que ia acontecer em Nablus e lá  presenciei a ação repressiva do exército de Israel sobre a população civil desarmada.

O que mais te abalou na Palestina?

Os postos de controle (checkpoints) dentro da Cisjordânia são uma coisa horrível. Passa uma pessoa de cada vez, seja mulher, criança, homem, velho, velha, e todos são tratados de forma hostil. Mesmo sendo da delegação brasileira, fomos tratados de forma hostil, sem nenhuma cerimônia. Então, você imagina:  você mora numa vila e trabalha na vila ao lado ou tem a família na vila ao lado. Para chegar nessa vila ao lado, você perde quase o dia inteiro nestes postos de controle. Não pode ir e voltar no mesmo dia, tal a quantidade de problemas que você tem na passagem das centenas de postos de controle, fora os muros espalhados pela Cisjordânia. Aquilo me traumatizou.

Por que o senhor está sendo processado?

Fui informado que a Teresa Bergher tinha feito um discurso na Câmara, porque tinha havido naquela ocasião ataques israelenses em Gaza. Ela chamou de nota  infame uma declaração feita sobre isso pelo Psol, que ela já caracterizava como partido antissemita. Lamentavelmente, isso acontecia com a ajuda  do Jean Wyllys e da assessoria dele, que diziam que o partido era antissemita. E ela me colocou como autor daquela nota. Quando soube disso publiquei um texto no facebook, no qual não cito nome de ninguém e isto bastou para que eu fosse processado.

Post de Milton Temer no qual gerou processo

Já conhecia a Vereadora Teresa Bergher? 

Nunca tinha falado com elaAté então, considerava que, do ponto de vista municipal, ela operava bem com a bancada do PSOL. Era uma boa vereadora. Sei que era esposa do Gerson Bergher, ela não é de origem judaica, se converteu a partir do casamento. Ou seja, o semita nesse caso sou eu e não ela.

Ary Bergher, enteado dela, tinha sido eleito para a Federação Israelita e abriu um processo contra mim. O processo caiu com a juíza Tula Correa de Mello, que recebeu a inicial e pediu meu cancelamento do Facebook,  Ela queria que eu não mais falasse sobre a questão da Palestina. A advogada que eu tinha na época, fentrou com um habeas corpus para a Câmara, que estava superior a ela, pedindo para arquivar o processo. Essa Câmara cancelou a decisão, mas não arquivou o processo.

Na sentença dada pela juíza, inclusive há uma coisa engraçada, porque ela coloca a transcrição do meu depoimento e junta o voto do promotor, sem dizer quais eram as bases do promotor. Porque o promotor, fundamentalmente, se convence da minha posição política, quando me vê e ouve meus argumentos.

Minha defesa buscou definir a diferença entre sionismo e judaísmo. A sentença da Juíza Tula praticamente reproduz aquilo que Ary Bergher tinha escrito na argumentação final dele. A impressão que eu tenho é que a sentença foi redigida por Ary Bergher .

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O senhor já recorreu?

Eu sequer recebi até agora a citação. O meu advogado está acompanhando. Porque o recurso só pode ser feito cinco dias a partir de você responder à citação  pelo oficial de justiça.

Como o senhor imagina que o processo vai acabar?

Evidentemente estou com um problema sério com isso. Porque eu não tenho sequer os recursos para bancar isso. Sou alguém que entrou na vida pública, viveu um longo tempo dentro dela, e saiu com menos do que entrou. Eu tinha  mais patrimônio quando entrei do que agora.  Então, além dos dois meses e vinte dias de prisão, tem uma multa de duzentos dias. Cada dia é avaliado em um salário-mínimo. É uma coisa muito bizarra. Estou aguardando para ver o que acontece. Eu tenho direito a recorrer até o Supremo, porque se trata de uma tese constitucional, da liberdade de expressão.

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