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Assédio e misoginia nas “brincadeiras” dos bolsonaristas Victor Sorrentino e Rogério Caboclo

Mulher ergue cartaz com a frase “Não danço em pistas com bolsonaristas” no ato do Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 2020, em São Paulo [Bruno Carrilho / Mídia Ninja]

Neste domingo (6), o médico e influenciador digital, Victor Sorrentino, voltou ao Brasil depois de uma semana preso no Egito por abuso sexual verbal contra uma vendedora muçulmana. No sábado foi divulgado um novo vídeo em que ele pede desculpas novamente a ela com o auxílio de um intérprete de árabe.

No seu primeiro pedido de “desculpas”, quando a vítima ainda não tinha visto o vídeo com legenda em árabe e não tinha entendido o duplo sentido, ele não admite o erro e fala a ela que era uma “brincadeira brasileira” porque ele é um “cara muito brincalhão”.  No segundo, após sua prisão e repercussão internacional, ele aparece ao lado dela com um intérprete e se desculpa por “ter errado em gravar um vídeo sem a autorização” dela e “por ter falado palavras feias”. Ele também alegou que respeita as mulheres egípcias e nunca quis ofendê-las.  A vendedora disse ter aceitado as desculpas do médico, mas isso não diminui a gravidade do crime cometido.

Neste mesmo dia, Rogério Caboclo foi afastado da presidência da CBF após uma funcionária o acusar de assédio moral e sexual. Segundo o Globo Esporte, a vítima afirma que sofreu abusos desde abril do ano passado. Entre diversos abusos, ele tentou forçá-la a comer biscoito de cachorro, chamando-a de “cadelinha” e em outra ocasião perguntou se ela se “masturba”.  O Fantástico divulgou um dos áudios gravados pela funcionária com o diálogo abusivo.  Em nota de sua defesa, “Rogério Caboclo nega veementemente ter cometido qualquer assédio. Embora reconheça que houve brincadeiras inadequadas”.

Além da misoginia, Caboclo e Sorrentino têm muito em comum; são homens ricos, brancos e bolsonaristas. Como previu o escritor Milton Hatoum ao jornal francês Libération em 2018,  “a vitória de Bolsonaro liberou o racismo, o machismo e a homofobia”.

A atitude do médico bolsonarista não foi isolada e um “erro” como dizem seus defensores com a hashtag #teperdoosorrentino. A forma como Victor compartilhou seu crime nas redes sociais – inclusive produzindo provas contra si mesmo – demonstra uma cultura misógina e perversa encorajada e reforçada pelo próprio presidente do país.

Victor Sorrentino se diverte com insinuações sexuais há pelo menos oito anos; outro vídeo, de 2014, está sendo compartilhado na internet onde o médico expõe uma australiana pedindo que ela repetisse em português que iria “transar com ele e depois ele iria despacha-la”.

Outras publicações evidenciam ainda mais a misoginia do “cidadão de bem” bolsonarista. O “influenciador” digital agia humilhando, ridicularizando, assediando e expondo mulheres para os seus quase um milhão de seguidores.

O médico ficou conhecido na pandemia por defender o uso da hidroxicloroquina contra a covid e apoiar a necropolítica de Jair Bolsonaro. O próprio presidente brasileiro dá o exemplo colecionando falas ofensivas e preconceituosas contra todas as minorias. Em março deste ano, Bolsonaro foi condenado a pagar indenização à jornalista Patrícia Campos Mello por comentários de cunho sexual durante uma coletiva de imprensa. “Ela [Patrícia] queria um furo. Ela queria dar o furo [pausa para risos] a qualquer preço contra mim”, disse ele. Também já precisou pagar danos morais por ter dito, em 2014, à deputada Maria do Rosário que ela era “feia” e, por isso, “não merecia ser estuprada”. O conjunto de suas falas misóginas foram levadas à justiça em agosto do ano passado pelo Ministério Público Federal de São Paulo, em um processo por danos morais movido pela Procuradoria contra a União.

O influenciador já foi até elogiado por Jair Bolsonaro em um vídeo antigo. “Victor Sorrentino, mais que um amigo virtual. Um irmão de farda e de fé. Juntos, nós mudaremos o Brasil”, disse quando ainda era deputado. Com base nas atitudes de ambos, querem uma mudança reacionária em que mulheres e outras minorias aceitam em silêncio ofensas e abusos sob a justificativa de um humor fajuto enquanto os homens brancos e héteros mantém seus privilégios.

O Bolsonarismo, e o próprio Bolsonaro, apenas escancaram o que sempre esteve presente na sociedade brasileira; o presidente representa, encarna e fortalece uma grande parcela do Brasil que não irá acabar junto com o seu mandato. Como disse Eliane Brum em sua coluna para o El País, “Bolsonaro canaliza várias forças, entre elas esse homem que teme perder seu lugar e que bota toda a precarização da sua vida na conta de um mundo cujos signos já não reconhece. Um homem que acha que tudo pode se resolver se os meninos voltarem a vestir azul e as meninas, rosa. Um homem que acha uma ótima piada falar do furo da jornalista porque enxergar a vagina como um buraco aplaca o seu medo de fracassar”.

Esses casos são exemplos repercutidos da imprensa de situações que as mulheres brasileiras vivenciam diariamente e pouquíssimas tiveram justiça.  Em ambos os casos a punição aconteceu por haver provas físicas – o vídeo de Sorrentino e o áudio de Caboclo -, entretanto são poucas as situações com esse tipo de prova. Em crimes sexuais a palavra da vítima tem relevante valor probatório, mas o que vemos é um sistema que revitimiza a mulher e duvida de sua palavra – como pode ser visto no absurdo julgamento do caso Mariana Ferrer.

Mesmo diante da gravidade dos dois crimes, ambos os homens deram a mesma justificativa: era apenas uma “brincadeira”. Nós, mulheres, estamos cansadas desse “humor” em que os homens se divertem nos subjugando; de “piadas” em que apenas o opressor vê graça, naturalizando e banalizando a violência. No vídeo de Victor Sorrentino, seu amigo, Fernando Conrado, dá risada do assédio fantasiado de “piada”, validando e reforçando o abuso.

A página feminista Interseccionalizando explica o problema de maneira didática: “O problema é que ‘piadas’ machistas, especificamente sobre algum tipo de violência contra a mulher, tornam menos duras e menos inaceitáveis essas violências, pois suavizam tais condutas através do riso. Parece uma coisa nem tão ruim assim, afinal de contas, até se ri dela. A longo prazo, o efeito é a naturalização da violência, a banalização desta, já foi constatado em pesquisa (vide documentário O Riso dos Outros). E isso colabora para deixar as pessoas mais insensíveis, menos propensas a denunciarem ou a levarem a sério denúncias, menos propensas a interromperem atos violentos”.

LEIA: A hipocrisia de um médico assediador e islamofóbico no Egito

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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