As manifestações no Marrocos de domingo e segunda-feira foram o maior referendo popular contra o acordo de normalização assinado pelas autoridades marroquinas com Israel no final do ano passado. O acordo foi assinado em troca do reconhecimento pelos EUA da disputada soberania de Marrocos sobre o Saara Ocidental.
As autoridades em Rabat permitiram que dezenas de manifestações ocorressem em mais de quarenta cidades, vilas e aldeias em solidariedade com a Palestina para denunciar a brutal agressão israelense contra civis palestinos. Milhares de pessoas participaram de todo o espectro político, com o slogan: “Normalização é traição”. Eles pediram a abolição do acordo de normalização com Israel e a expulsão do representante israelense em Rabat, que na verdade alegou ter deixado o Marrocos na semana passada para ir a Israel para verificar a saúde de seu pai acamado.
A posição oficial marroquina ficou clara pelo silêncio durante os primeiros dias da agressão israelense a Jerusalém e depois a Gaza. Isso evoluiu para preocupações expressas sobre o que está acontecendo e apelos ao diálogo, antes de Rabat anunciar a provisão de ajuda humanitária para os palestinos em Gaza, apesar do fato de que as autoridades sabem que será difícil entregar essa ajuda por causa do solo, ar e bloqueio marítimo imposto ao território pelo novo aliado Israel.
Embora o Marrocos, cujo monarca preside o Comitê Quds, não tenha emitido (no momento da escrita) uma condenação oficial dos crimes hediondos cometidos diariamente por Israel contra os palestinos, as declarações do primeiro-ministro Saadeddine Othmani descreveram o que está acontecendo na Palestina como um “crime de guerra”. No parlamento marroquino, mais de uma voz se levantou pedindo ao governo que cancelasse o acordo de normalização. Tais apelos foram feitos até mesmo por parlamentares do Partido da Justiça e Desenvolvimento, o partido islâmico cujo secretário-geral chefia o governo e que não só assinou o acordo, mas também o defendeu sob o pretexto de que daria a Marrocos a capacidade de expressar seu compromisso de defender a causa palestina.
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Se todas essas vozes – nas ruas, no governo, do primeiro-ministro e no parlamento – concordam com o cancelamento da normalização, então qual é o sentido de manter o acordo com o Estado racista, usurpador e criminoso? O governo marroquino caiu em um truque de confiança quando concordou em trocar sua posição histórica sobre a causa palestina pelo reconhecimento de um fraco presidente americano da soberania do Reino sobre o território do Saara. Meses após a posse de um novo presidente dos EUA, e seis meses após a assinatura do acordo de normalização, nada foi visto em termos dos aspectos práticos desse reconhecimento pelos EUA. O governo Biden não confirma nem nega a soberania marroquina. Além disso, uma das condições para o trade-off foi a abertura de um Consulado Americano no território disputado, mas ainda não há de fato nenhum vestígio disso.
Marroquinos marcham durante manifestação contra o plano de paz dos Estados Unidos para o Oriente Médio na capital Rabat, em 9 de fevereiro de 2020. [FADEL SENNA / AFP via Getty Images]
O acordo de normalização foi adiante, embora não tenha sido discutido no parlamento. O povo não foi consultado antes de sua assinatura, e seu cancelamento hoje seria simplesmente a correção de um erro cometido no ano passado. Pode até restaurar o crédito simbólico histórico do Marrocos aos olhos do povo, para o governo e rei em defesa do que é certo e em apoio aos oprimidos.
A nível popular, os marroquinos, em dívida com a resistência heróica palestina, se libertaram do medo e levaram as autoridades em Rabat a permitir que manifestações livres fossem realizadas em solidariedade ao povo da Palestina ocupada. As autoridades marroquinas devem aproveitar o momento para expressar uma posição honrosa que restaure ao povo marroquino seu orgulho e devolva a honra ao regime. Este é o mínimo que o povo, governo e rei de Marrocos podem fazer para mostrar seu apoio aos palestinos e sua justa causa. O acordo de normalização entre Marrocos e Israel falhou pública e oficialmente, bem como moralmente, e chegou a hora de abandoná-lo permanentemente. Além disso, deve ser promulgada uma lei que criminalize todas as formas de normalização no futuro, conforme exigido por muitas vozes políticas e da sociedade civil em Marrocos.
Publicado originalmente em Alaraby
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![As pessoas se reúnem para fazer uma manifestação em apoio aos palestinos e para protestar contra os ataques israelenses na Faixa de Gaza, em 15 de maio de 2021 em Rabat, Marrocos. [Jalal Morchidi/ Agência Anadolu]](https://www.monitordooriente.com/wp-content/uploads/2021/05/20210515_2_48302440_65198827.jpg)