O que um ex-espião israelense faz na cúpúla do Partido Trabalhista britânico?

Assaf Kaplan [Facebook]

Na última semana, quando publiquei a história de Assaf Kaplan, recentemente contratado pelo Partido Trabalhista britânico, a principal resposta que recebi nas redes – uma frequente objeção – seguia mais ou menos essa ideia: não existe ex-espião.

Embora sem muito êxito como agente de campanhas eleitorais pelo Partido Trabalhista israelense, Kaplan foi logo contratado por Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista britânico.

Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista britânico, deixa a sede da BBC em Londres, Reino Unido, 10 de janeiro de 2021 [Tayfun Salci/Agência Anadolu]

Mas a parte mais chocante desta história não é apenas o fato de que Starmer contratou alguém de fora do Reino Unido para auxiliar sua campanha, ou sequer o fato de que esse alguém é israelense – dado que o trabalhismo israelense foi abertamente hostil a Jeremy Corbyn, último líder de sua contraparte britânica.

A principal revelação é que Kaplan exerceu o papel de oficial da inteligência israelense, não muito tempo atrás. Por quase cinco anos, Kaplan trabalhou para a chamada Unidade 8200, agência de ciberguerrilha do Exército de Israel.

A unidade representa um recurso vasto e disperso no arsenal das agressivas agências de espionagem de Israel. A maioria de seus milhares de recrutas são jovens, frequentemente radicalizados, contratados logo ao sair das universidades. São gastos milhões para produzir em massa agentes de inteligência especializados em alta tecnologia, a fim de suprir o crescimento das firmas privadas de mercenários e espiões israelenses.

Uma rede informal global de empresas de “inteligência”, com nomes como Black Cube e NSO Group, lucrou efetivamente de subsídios concedidos pelo governo de Israel, às custas do contribuinte, na forma de treinamento gratuito concedido a recrutas. Veteranos da Unidade 8200 lotam iniciativas de alta tecnologia no estado sionista e no exterior.

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A própria Unidade 8200 é conhecida como uma agência de espionagem particularmente agressiva e insidiosa.

Em 2014, um grupo de delatores anônimos revelou detalhes do quão onipresente era o aparato de espionagem de Israel sobre a vida dos palestinos que residem na Cisjordânia ocupada.

“Quando me recrutei na unidade de inteligência, pensei que lidaria com prevenção ao terrorismo e que faria todo o necessário para proteger nossa segurança nacional”, escreveu um dos delatores. Ao contrário: “Descobri que muitas iniciativas israelenses sobre a questão palestina são destinadas a coisas não relacionadas à inteligência. Trabalhei muito em reunir informações sobre questões políticas … Tive problemas para aceitar algumas das coisas que fizemos”.

Outro delator reportou a coleta sistemática de informações “aparentemente irrelevantes do ponto de vista de segurança”. Prosseguiu: “Não tenho a consciência limpa por participar dessas atividades. Ao contrário do que eu esperava, nosso banco de dados incluíam não apenas informações de segurança, mas informações políticas e também pessoais”.

Assaf Kaplan [Facebook]

Um terceiro acrescentou: “O fato de que eram inocentes significava absolutamente nada para nós, no que se refere à forma como tratamos os alvos”.

Todo o tipo de detalhes pessoais, o mais particular possível, foram deliberadamente coletados para fins de chantagem, assédio, controle e mesmo assassinato. Sexualidade, doença, relações íntimas, adultério – tudo reunido em nome do avanço do regime sionista em seu projeto de supremacia judaica na Cisjordânia ocupada.

Israel criou o hábito de utilizar tais informações para coagir palestinos a colaborar com a ocupação.

Estas são as credenciais do recente contratado pelo partido supostamente socialista do Reino Unido, sobretudo proveniente de uma potência estrangeira hostil como Israel.

Aqui, retorno à principal crítica que recebi online por minha história (ao menos, por sua manchete): não existe ex-espião.

É uma crítica justa. Uma vez introduzido ao mundo opaco e altamente secreto da espionagem, é bastante improvável deixá-lo verdadeiramente. Sua experiência será carregada consigo pelo resto da vida. Jamais perderão os antigos contatos e sempre haverá chances de atraí-los novamente ao jogo, grampeados por oficiais de maior escalão.

Sobretudo, não há ex-espião quando este se encontra em uma posição de influência política – como dentro do escritório do líder do principal partido de oposição de uma importante potência estrangeira como o Reino Unido.

A acusação de antissemitismo contra o BDS [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

É claro, nada é definitivo. As pessoas podem mudar, como demonstram os delatores da Unidade 8200. Mas não há razão para crer em algum remoto arrependimento por parte de Kaplan. Muito ao contrário – nos últimos anos, Kaplan vangloriou-se de sua experiência como “veterano da Unidade 8200”, conforme registrado nas redes sociais.

A ironia do Partido Trabalhista vai além. Parte da nova descrição do trabalho de Kaplan é ajudar o partido a vencer eleições. Ainda assim, como vice-chefe de campanha do Partido Trabalhista israelense nas eleições gerais de abril de 2019, a organização histórica – que quase monopolizou a política israelense há décadas atrás – colapsou a patéticos seis assentos. Nas eleições de março próximo, pesquisas indicam uma derrota absoluta.

Deste modo, a devoção de Starmer ao que ele descreve como “sionismo sem qualificação” pode custá-lo a próxima eleição no Reino Unido.

São os membros do Partido Trabalhista quem mais são capazes de exigir respostas até então negadas por Kaplan e porta-vozes da cúpula partidária. O que quer um suposto partido socialista ao contratar um ex-espião israelense, para início de conversa? Este ex-oficial de inteligência é mesmo “ex”? Dito isso: Kaplan ainda tem contatos com a Unidade 8200 ou qualquer outro aparato do estado secreto de Israel?

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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