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Com esperança de liberdade, palestinas se comprometem com noivos que cumprem pena de prisão perpétua

Manar Khalawi apresenta o primeiro livro de Osama Al-Ashqar, em outubro de 2020. [Manar Khalawi/MEMO]
Manar Khalawi apresenta o primeiro livro de Osama Al-Ashqar, em outubro de 2020. [Manar Khalawi/MEMO]

Manar Khalawi não tem dúvidas de que encontrará seu noivo em breve. No entanto, o noivado deles não é normal, porque Osama Al-Ashqar está cumprindo prisão perpétua na prisão de Ramon, em Israel. Ele foi preso em 2002 e condenado a oito penas de prisão perpétua por liderar a ala militar – Brigadas de Mártires Al-Aqsa – do Movimento de Libertação Nacional Palestino, Fatah, durante a Segunda Intifada.

Cheia de energia, determinação e esperança, Manar é uma jovem palestina de Belém que mora na aldeia de Wadi Rahal, no sul da Cisjordânia ocupada. Ela tem um diploma de bacharelado em mídia pela Universidade de Hebron e agora está estudando para um mestrado em estudos israelenses na Universidade Al-Quds em Jerusalém.

“Eu cresci, como outras meninas palestinas, em uma terra ocupada onde testemunhamos os efeitos da ocupação todos os dias”, ela disse. Isso inclui não poder conhecer o noivo, como seria a norma em outros lugares.

Ela e Al-Ashqar ficaram noivos em 2019, depois que ela o conheceu em 2016 por meio de um parente dela que dividia uma cela com Osama na prisão. “Meu primo, Bahaa El-Din Odeh, foi ferido na prisão Ramon, e Osama cuidou dele”, explicou ela. “A partir daquele dia, seu nome começou a brilhar em nossa família.”

Sua própria pesquisa revelou o quanto ele havia feito pela causa palestina. “Os presos não são apenas números. Temos que saber pelo menos a história deles. Osama, por exemplo, foi preso quando tinha apenas 20 anos.”

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Ficar noiva não foi uma decisão fácil, mas ela convenceu a família de que era a coisa certa a fazer. “O que me encorajou a dar esse passo é minha crença de que a prisão não durará para sempre e que sua sentença acabará algum dia.”

O lançamento do livro de Osama Al-Ashqar na Comissão de Assuntos de Detidos, em outubro de 2020. [Manar Khalawi/MEMO]

O lançamento do livro de Osama Al-Ashqar na Comissão de Assuntos de Detidos, em outubro de 2020. [Manar Khalawi/MEMO]

Mais de 4.600 palestinos, incluindo 128 mulheres, 543 crianças e 700 que precisam de cuidados médicos, estão detidos pelas autoridades de ocupação israelenses, de acordo com Addameer. Detenção arbitrária, confinamento solitário, negligência médica, negação de visitas familiares e tortura são denunciados regularmente pelas famílias de prisioneiros palestinos.

“Nunca visitei ou vi Osama porque não sou parente de primeiro grau”, disse Manar. “As visitas são apenas para os pais, filhos ou esposas dos prisioneiros, e mesmo eles às vezes são impedidos de visitar. Eu conheço Ghufran Zamel, que está noivo de um prisioneiro há mais de 10 anos e nunca o viu nem uma vez.”

Ghufran Zamel e Hasan Salama, noivos há dez anos. [Ghufran Zamel/MEMO]

Ghufran Zamel e Hasan Salama, noivos há dez anos. [Ghufran Zamel/MEMO]

Ghufran foi uma das primeiras meninas palestinas a ficar noiva de um prisioneiro mantido por israelenses. Seu noivo é Hasan Salama, um dos oficiais mais proeminentes das Brigadas Izz Al-Din Al-Qassam, a ala militar do Hamas. Ele é da Faixa de Gaza e foi preso em 1996 antes de receber 48 sentenças de prisão perpétua. De seus 25 anos de prisão, treze ele cumpriu em confinamento solitário.

“Enfrentamos uma situação que visa nossa existência e nossa vida em todos os sentidos”, disse-me Ghufran. “Quando eles sentenciam os prisioneiros palestinos, eles querem ter certeza de que sua vida fora dos muros da prisão chegue ao fim.”

A decisão de Ghufran e Hasan de se engajarem foi um esforço para recuperar o controle de suas vidas das mãos dos ocupantes. “Os aspectos sociais e psicológicos da vida são uma parte muito importante do enfrentamento aos ocupantes israelenses”, ressaltou.

Pode ser difícil para nós entendermos por que moças como Ghufran e Manar ficam noivas sob tais circunstâncias. Ou talvez não, se soubermos que a própria Ghufran é uma ex-prisioneira. Ela foi detida e encarcerada por mais de um ano por expor os crimes da ocupação israelense e o sofrimento do povo palestino em seus artigos para um jornal palestino. “Fui detida nas celas de interrogatório por mais de dois meses, sozinha e completamente isolada do mundo exterior. Não sabia nada além de se era dia ou noite.”

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Além disso, Ghufran cresceu em uma casa em que a família sofreu muito com a ocupação sionista. Seus três irmãos são prisioneiros, mártires e deportados. “Nossa casa estava cheia de amor palestino. Minha família foi etnicamente limpa em 1948 sob a mira de uma arma em meio a assassinatos e massacres. Acabamos morando em um campo de refugiados na Cisjordânia.”

O noivado de Ghufran pode ser visto, talvez, como uma mensagem aos israelenses: “Vocês nos roubaram nossas terras e nossas casas, mas não permitiremos que tirem nosso direito de viver, mesmo atrás das grades da prisão”.

Apesar de estar noiva de Salama há dez anos, o Serviço Prisional de Israel se recusa a conceder-lhe uma autorização de visita porque ela é uma ex-prisioneira. “Tentei várias vezes entrar com ações judiciais para obter meu direito de visitar Hasan, mas eles recusaram todas as vezes.” No início, ela escreveu para o noivo por meio da Cruz Vermelha. Ela ouviu sua voz pela primeira vez em 2012, quando uma mensagem gravada foi contrabandeada para fora da prisão.

Essas circunstâncias incomuns não impedem os noivos de planejarem o futuro. O noivo de Manar publicou seu primeiro livro, Prisão tem outro sabor, no ano passado, em que ele fala sobre a vida dentro de uma prisão israelense. Essa não será a última exposição pública de Osama Al-Ashqar e Manar Khalawi. Assim que ele for solto – e eles têm grandes esperanças de que isso aconteça -, eles planejam se envolver em seu próprio projeto comunitário.

Já Ghufran Zamel e Hasan Salama construírão sua própria casa em Gaza, onde viverão depois que ele também for libertado. “Vivemos com a esperança de nos encontrarmos e esperamos pela liberdade com paciência e certeza de que Allah nos unirá”, disse ela.

Esses compromissos de mulheres e prisioneiros cumprindo penas de prisão perpétua se tornaram uma causa nacional de solidariedade para com os prisioneiros. Existe algum ato maior de solidariedade para com uma jovem do que ficar noiva de um prisioneiro mantido por Israel sem saber se e quando eles estarão unidos? Ghufran respondeu à minha pergunta sem hesitação: “Quanto mais difícil a luta, mais gloriosa a vitória”.

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