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Memo conversa com Maha Mamo

Maha Mamo, ativista pelos direitos humanos e pelo fim da apatridia que lança o livro “Maha Mamo: A luta de uma apátrida pelo direito de existir”

A ativista e palestrante global Maha Mamo conversou com o Monitor do Oriente Médio sobre a apatridia, a sua história e a publicação de seu  livro “Maha Mamo: a luta de uma apátrida pelo direito de existir”, escrito em parceria com Darcio Oliveira.

Maha Mamo nasceu no Líbano e é filha de sírios,  entretanto, não pode ser registrada como libanesa porque o país concede a nacionalidade pelo sangue, e não pelo território onde se nasce. Também não pode ser registrada com a nacionalidade dos pais porque a lei da Síria não permite o casamento inter-religioso, e não reconhece a união entre seu pai, cristão, e sua mãe, muçulmana. Quando seus pais se apaixonaram, precisaram sair da Síria para se casarem no Líbano, onde geraram três crianças, nascidas em Beirute, mas que não poderiam ser nem sírias e nem libanesas.

“A gente nasceu como apátrida e o que significa nascer sem documentos e sem existir Seu primeiro desafio quando criança é o estudo. Como você vai para a escola se você não tem documentos? Então foi minha mãe que foi pedindo favores, até conseguir uma única escola que nos aceitou e começamos a estudar. Mas na vida muitos desafios fomos conquistando pouco a pouco.”, diz Maha.

Ela explica que entre os desafios diários de uma pessoa apátrida, além da matrícula na escola,  é de conseguir trabalho, ingressar na universidade e até receber atendimento médico em hospitais. Ela percebeu que essas limitações na adolescência, quando não pode viajar para a Jordânia com o seu grupo de escoteiros e  nem competir com o seu time de basquete.

As três crianças poderiam ter a documentação caso seu pai se convertesse do Catolicismo para o Islâmismo. Entretanto, Maha afirma que hoje entende a posição de seu pai .

“Quem vem do Oriente Médio entende melhor que não é só uma simples decisão de conversão. Porque no Oriente Médio, a sua religião está em todos os documentos, identifica a sua vida, e é o que você vive no seu dia e na sua comunidade. Então, quando meu pai foi expulso da comunidade dele porque ele decidiu namorar com uma muçulmana, foi o primeiro desafio e ele encarou isso para ter uma vida com ela”, conta Mamo. O seu pai chegou a ir à mesquita para fazer a conversão, mas o Sheik questionou as razões e não permitiu que ele se convertesse motivado apenas pelo seu casamento.  “Hoje eu entendo que cada pessoa é livre e pode escolher o que quer, seja cristão, muçulmano… O que for. Se a faz feliz, porque não?!”, Maha também acrescenta que depois de escrever o livro, chegar onde está e conquistar a nacionalidade brasileira, ela consegue ver que tudo que aconteceu a deu forças.

Maha Mamo migrou do Líbano para o Brasil, o único país que lhe acolheu, após receber um passaporte especial de Laissez-Passer em 2014. “Quando cheguei como apátrida, eu descobri que ainda não tinha mecanismos para resolver isso. Então não tinha como eu, pessoa apátrida, pedir a nacionalidade brasileira e ser naturalizada”, diz. Alguns meses depois, a agência da ONU para refugiados (Acnur) lançou a campanha I Belong (Eu pertenço), que tem como meta acabar com a apatridia no mundo inteiro até 2024. Ela entrou em contato com a Acnur e foi convidada a vários seminários pelo mundo; nesses eventos ela compartilhou a sua história, contou como o Brasil  deu uma oportunidade para recomeçar sua vida e pediu que as autoridades mudassem as leis. Após os esforços de Maha, junto à Acnur e o Ministério da Justiça, ela e sua irmã Souad foram as primeiras apátridas a conquistarem a nacionalidade brasileira.

“O Brasil virou um exemplo para o mundo inteiro, porque quando mudou as leis, não mudou para uma pessoa que nasceu no país ou que é filha de brasileiros; mudou para uma pessoa apátrida que está migrando para o Brasil, dando oportunidade para que ela conquiste  a nacionalidade brasileira. Não foi um privilégio, foi um processo.”

“Hoje, claro que cada história é uma história; no mundo inteiro existem milhões de apátridas e o jeito de resolver o problema de cada um é diferente. Então, a ACNUR criou um plano de ação que tem dez pontos, cada um é focado em um jeito diferente de resolver a apatridia. Então cada país tem um ponto desses que pode cumprir.” .

Durante o período de pandemia, todas as crises humanitárias se agravaram, intensificando as desigualdades. No caso dos apátridas, além da falta de acesso ao sistema de saúde, muitos perderam o emprego e não puderam conseguir auxílio do governo pela falta de documentação. “Nesses momentos da pandemia e da crise humanitária, você percebe que os apátridas são sempre os últimos que as pessoas pensam. Por isso eu acho que o meu trabalho de compartilhar mais a minha história foi importante porque levou as pessoas a pensarem mais na apatridia”.

A escrita do livro  “Maha Mamo: a luta de uma apátrida pelo direito de existir”, publicado pela Editora Globo, era um desejo antigo, mas que só se concretizou quando o jornalista Dárcio Oliveira entrou em contato com um projeto completo para a narrativa.

“Eu achei o jeito dele escrever tão leve,  você consegue viajar com ele. Eu chorei com a minha história. Ele me deixou sentir o cheiro do Líbano. Hoje eu considero o Darcio mais do um amigo, como um irmão. Ele foi ao Líbano sozinho, encontrou com a minha mãe, viu onde eu morei e onde estudei. Também foi à Belo Horizonte e entrevistou as pessoas. Ele realmente se dedicou.”. Os dois têm o desejo de que o livro seja traduzido para o inglês, já existe demanda para isso, mas querem garantir que a tradução mantenha a leveza e o espírito do livro.

LEIA: A luta de uma apátrida pelo direito de existir

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