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É hora de Argélia e Marrocos se reconciliarem

Bandeiras da Argélia e Marrocos na capital argelina Argel, em 24 de janeiro de 2012 [Farouk Batiche/AFP/Getty Images]
Bandeiras da Argélia e Marrocos na capital argelina Argel, em 24 de janeiro de 2012 [Farouk Batiche/AFP/Getty Images]

Os marroquinos permanecem estarrecidos com o grau chocante de normalização de seu país com Israel. Organizaram protestos e mesmo uma petição para interromper o acordo, enquanto ponderam sobre as árduas disputas com a vizinha Argélia em torno da região do Saara. Contudo, a desatenção sobre as questões críticas de uma nova realidade ainda domina a política argelina.

Uma faceta fundamental desta nova realidade é o fato de que a normalização do Marrocos é sequência imediata da intervenção em Guerguerat. A Frente Polisário, apoiada pela Argélia, fugiu do corredor comercial, enquanto a abordagem marroquina ao conflito no Saara reunia apoio crescente de organizações e capitais africanas, árabes e internacionais.

O Marrocos também aproxima-se dos Estados Unidos e o presidente eleito Joe Biden dificilmente revogará o recente acordo trilateral. Ao contrário, Washington deve transferir seu Comando da África (Africom) ao sul do Marrocos, escalando disputas no Norte da África.

A conjuntura agrava-se ainda com os problemas domésticos em Argel. Economicamente, a queda nos preços de petróleo deteriora ainda mais um modelo fiscal insustentável, diante de clientes majoritários que reconsideram pagar tarifas e suprimentos de gás natural exportados pela Argélia. Politicamente, os protestos de rua de Hirak – que derrubaram o governo de Abdelaziz Bouteflika – podem reemergir após os sucessivos lockdowns por coronavírus, enquanto a longa ausência do presidente, internado no exterior, estende o vazio e a fragilidade da elite no governo, sobretudo militar.

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Além disso, com a diminuição nas atividades de grupos violentos no interior meridional, a Argélia é vista cada vez menos como exportadora de combatentes terroristas, embora suas habilidades de promover-se como frente de resistência ao terrorismo internacional também diminuam. Rabat, por outro lado, favoreceu-se do contexto na Líbia, desde 2011, quando foi deposto Muammar Gaddafi, ardente apoiador da causa argelina e da Frente Polisário.

Desta forma, o impasse sobre os campos saarauis de Tindouf permanece crucial à política regional da Argélia. Para proteger sua integridade territorial, o campo de relações exteriores do Marrocos decidiu conduzir uma mudança em suas amizades e animosidades. Por exemplo, em 2014, o Marrocos parabenizou o Presidente do Egito Abdel Fattah el-Sisi por vencer a eleição. Um ano depois, preferiu descrevê-lo como líder golpista, devido a comentários negativos no Saara, em troca de esforços argelinos para manter o Egito pós-golpe na União Africana.

É possível que a liderança argelina seja levada a assumir passos distintos. Entre eles, apoiar ainda mais a Frente Polisário, embora a narrativa de autodeterminação do povo saaraui esteja prejudicada, conforme eventos recentes demonstram que a Argélia monopoliza a situação por interesses próprios. Invenções surrealistas da imprensa, sobre ataques da Frente Polisário contra o Marrocos, deslegitimam ainda mais as alegações de neutralidade argelinas.

Tropas da Frente Polisário no Saara Ocidental, em 2 de maio de 2018 [Defensionem/Facebook]

Tropas da Frente Polisário no Saara Ocidental, em 2 de maio de 2018 [Defensionem/Facebook]

Outra medida significativa é comprar mais armas, especialmente da Rússia. Os líderes argelinos orgulham-se de sua superioridade militar, embora uma guerra seja a última coisa que precisam doméstica e regionalmente. Diversas potências interviriam sem pestanejar para impedí-la.

Um terceiro aspecto é como lidar com a gestão Biden, isto é, ao obter mais recursos com base no lobby e na exposição da Argélia às chantagens sionistas. Conforme o Marrocos segue a cartilha, gastos excessivos em armas e lobby simplesmente privarão os cidadãos comuns marroquinos e argelinos de oportunidades de desenvolvimento. Recalcular a dimensão dos acontecimentos contemporâneos pode poupar bastante esforço, dinheiro e tempo estratégico ao progresso na região.

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As três falhas sísmicas deverão polarizar ainda mais a situação, e não solucioná-la. Sobretudo, refletem uma falta de compreensão das mudanças históricas em curso. Rabat passou por pressões semelhantes de diversos governos americanos antes de aceitar o acordo de normalização, assim como aumentou tarifas às importações de fosfato, comprou armas sem pleno consentimento para utilizá-las e manteve a incerteza sobre qualquer extensão do mandato da Missão para o Referendo do Saara Ocidental (Minurso), para abordar as denúncias de violações de direitos ou deixar de renová-lo, conforme a regra, a cada dois anos.

Em contraposição, embarcar em medidas de aproximação entre Marrocos e Argélia poderia ser frutífero a longo prazo, senão imediatamente, ao construir diversos sinais positivos. Diplomaticamente, por exemplo, Rabat manteve um silêncio deliberado durante os protestos de Hirak, na Argélia, e mesmo condenou oficialmente os comentários do ex-chefe da Confederação Geral de Empreendimentos. Em seguida, o rei marroquino parabenizou a seleção de futebol da Argélia por vencer a Copa das Nações da África, em 2019. O atual premiê do Marrocos, Saad-Eddine El Othmani, declarou disposição de seu país para abrir a fronteira entre as nações.

Economicamente, uma carga de commodities relacionadas ao covid-19 partiu de Casablanca a Argel, logo nos primeiros meses de pandemia. A imprensa marroquina encorajou o movimento, na esperança de novos passos favoráveis ao mercado, por parte de ambos, a fim de reverter a animosidade mútua.

Apesar dos infortúnios da normalização, o Marrocos distancia-se hoje do pleno espectro dos chamados Acordos de Abraão, assinados por Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Israel, no último ano. Na verdade, tenta reduzir a normalização ao mínimo, com evidentes dificuldades práticas. Desta forma, o Rei Mohammed VI reiterou seu apoio à Autoridade Palestina. Ameaças à integridade territorial certamente prejudicam tais medidas, ao contrário da reconciliação no Norte da África.

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Para evitar desculpas à normalização, os líderes de Marrocos e Argélia precisam abandonar os obstáculos impostos a uma solução às disputas regionais. O separatismo fragmentário deve ser uma linha vermelha não apenas ao Marrocos, mas à região como um todo, pois facilita a intervenção estrangeira e a chantagem sionista.

Ao invés de agravar a situação, um resultado mutuamente benéfico requer priorizar fatores notáveis de cooperação. Manter o atual cabo de guerra leva ambos os países a políticas extremas. O Marrocos aceitou a normalização com Israel para tentar mitigar o separatismo. Devido a vulnerabilidades culturais, políticas e econômicas, a Argélia pode ser a próxima a fazê-lo: outra grande derrota ao Norte da África.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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