Seis anos após massacre, sobreviventes yazidis veem “apenas promessas vazias”

Yazidis iraquianas participam de uma vigília à luz de velas na área de Sharya, em 3 de agosto de 2020, marcando o sexto aniversário do ataque de Daesh à comunidade yazidi [SAFIN HAMED/AFP via Getty Images]

Nesreen Rasho havia se candidatado à universidade no norte do Iraque quando foi sequestrada e vendida como escrava pelos combatentes do Daesh, durante um ataque a sua terra natal yazidi em 2014.

Rasho foi resgatada após sete meses em cativeiro. Entretanto, ela ainda não reconstruiu sua vida como uma das 200.000 yazidis que, seis anos depois, ainda têm medo de retornar às suas cidades arruinadas pelo ataque da Daesh, descrito pelas Nações Unidas como genocídio.

“Por seis anos, estamos pedindo ajuda, mas ninguém vem nos ajudar. Infelizmente, existem apenas promessas vazias e falsas esperanças”, disse Rasho, 25 anos, que vive no campo de Mam Rashan, no norte do Iraque.

“Como sobreviventes yazidis, sentimos que estamos sozinhas, todos nos esqueceram. Temos o direito de viver como todos os outros”. Ela contou à Thomson Reuters Foundation através de um intérprete.

A comunidade iraquiana estimada em 400.000 yazidis é uma minoria curda cuja fé combina elementos do cristianismo, do zoroastrismo e do islão.

Daesh, que os considera adoradores do diabo, matou e raptou milhares de yazidis em seu ataque ao coração do Monte Sinjar. A organização dominou enormes áreas do Iraque e da Síria até 2017, quando foi expulsa pelas forças da coalizão liderada pelos EUA.

No sexto aniversário do massacre do Sinjar, os defensores dos direitos humanos conclamaram a comunidade internacional a ajudar os sobreviventes, resgatar os desaparecidos yazidis e trazer-lhes justiça.

Cerca de metade da comunidade yazidi continua deslocada em acampamentos, enquanto cerca de 120.000 pessoas voltaram para casa em Sinjar, muitas vivendo sem água, saúde ou eletricidade, disse a ganhadora do Prêmio Nobel Nadia Murad em um evento que marcou o aniversário.

Quase 3.000 mulheres e crianças yazidis ainda estão desaparecidas, acrescentou Murad, ela própria uma sobrevivente da escravidão sexual por Daesh.

“Os yazidis merecem paz e segurança, merecem justiça e responsabilidade”, disse ela. “Os sobreviventes não podem esperar mais seis anos para que o mundo aja”.

Medo

O trauma é generalizado entre os sobreviventes como Rasho que vivem em campos no norte do Iraque, que permanece instável.

Semanas após ser transferida de cidade em cidade dentro do Iraque, Rasho foi levada para a Síria onde foi forçada a renunciar à sua fé e adotar o islã.

Ela foi vendida como escrava sexual duas vezes a homens de Daesh que abusaram dela e foi punida quando tentou fugir. Chegou a pensar o suicídio.

Outra mulher Yazidi deslocada, que se recusou a publicar seu nome, descreveu como ela testemunhou um parente ser executado por combatentes do Daesh em Sinjar, em 2014.

“Alguns dos membros da minha família ainda estão desaparecidos. Hoje, ainda vivemos com medo e preocupação. Precisamos de segurança e proteção”. disse a mulher de 31 anos, que vive em um acampamento perto da fronteira do Iraque com a Turquia.

Ronia, uma adolescente sobrevivente que vive em um campo no norte do Iraque, bloqueou a lembrança de muitos dos detalhes dos cinco anos que passou na escravidão, depois de ter sido capturada quando criança com sua mãe e seus irmãos.

A jovem, que se recusa a publicar seu nome completo, estima ter sido vendida mais de dez vezes.

Ela se lembra de sua mãe ter sido espancada em sua frente e conta que

o dia em que se separaram para serem vendidas individualmente foi o “momento mais doloroso” de sua vida.

“Não tinha ideia de onde minha mãe estava, se ela estava morta”, disse Ronia, de 16 anos, que foi solta no ano passado quando seu último proprietário permitiu que ela saísse durante um cessar-fogo.

Mais tarde ela descobriu que seus pais haviam procurado asilo no Canadá e planeja se juntar a eles.

Indenização

O presidente do Iraque, Barham Salih, disse no domingo esperar que o Parlamento aprove em breve um projeto de lei prometendo indenização financeira, educação, moradia e apoio ao emprego para as sobreviventes da escravidão sexual de yazidis.

“Não deveríamos continuar pedindo ação”, disse Saib Khidir, o representante de yazidis no parlamento.

“Há negligência da comunidade internacional e em nível local também em relação às sobreviventes que estão vivendo em condições terríveis”.

A advogada Amal Clooney, que representa as yazidis, disse em um evento das Nações Unidas em comemoração ao massacre que ela havia pedido ao Conselho de Segurança no ano passado para levar Daesh à justiça, mas nenhuma ação havia sido tomada.

Entre as opções sugeridas por ela, que é pela esposa do ator George Clooney, Amal Clooney, está autorizar o Tribunal Penal Internacional a julgar os combatentes do Daesh ou criar um tribunal por meio de um acordo entre a ONU e o Iraque.

“Eu disse que se não agirmos agora, pode ser tarde demais, porque criamos o risco de que os combatentes do Daesh em prisões improvisadas na Síria fujam”, disse ela.

“Esse tipo de fuga que temíamos, provavelmente ocorreu com centenas de prisioneiros que supostamente deixaram os campos do Daesh em outubro passado.”

O Iraque tem conduzido julgamentos de milhares de supostos membros da Daesh, enquanto algumas nações europeias, incluindo Alemanha e França, iniciaram julgamentos de combatentes do Daesh que voltaram para casa.

Rasho ainda não se sente segura no Iraque e solicitou reassentamento na Austrália.

“Na minha juventude, eu tinha grandes sonhos e esperava por um futuro brilhante”, disse ela. “Mas agora meu futuro está perdido e não sei o que vai acontecer”.

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