Portuguese / English

Middle East Near You

A política ‘Sudão em primeiro lugar’ ignora os palestinos para normalizar relações com Israel

Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu reuniu-se com Abdel Fattah al-Burhan, chefe do Conselho Soberano do Sudão [Twitter]

Detalhes do encontro entre o Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu e o General Abdel Fattah al-Burhan, chefe de estado para o período transicional do Sudão, sugerem que a normalização das relações diplomáticas entre as partes está mais próxima do que nunca. Al-Burhan descreveu sua reunião com Netanyahu à imprensa como “confortável”, realizada em torno de um almoço executivo sob convite do Presidente de Uganda Yoweri Museveni, na qual ambos os líderes nacionais trocaram cordialidades.

Os primeiros relatos sobre o encontro surgiram apenas duas horas depois da suspensão de um bloqueio de notícias estabelecido entre os países. Em diálogo bizarro, a imprensa israelense reportou que o líder sudanês, ao ser questionado se temia encontrar-se com Netanyahu, simplesmente respondeu: “Não, estou bastante confortável com isso. Apertamos as mãos e começamos a conversar.”

Indícios de que al-Burhan estivesse intimidado por Netanyahu seguiram-se de alegações de que o general sudanês prometeu normalizar as relações diplomáticas, a despeito de suas afirmações reiteradas que nenhuma promessa do tipo de fato fora feita. A reunião foi aparentemente arranjada pelos Emirados Árabes Unidos (EAU); relatos não-confirmados indicam que tratou-se de um esforço para conceder apoio tácito ao “plano de paz” do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, promovido como “acordo do século”. Al-Burhan negou discutir este plano com Netanyahu e insistiu que seu encontro com o líder israelense resumiu-se apenas a interesses do Sudão.

Torna-se evidente, no entanto, que Netanyahu viajou a Uganda com sua própria agenda, isto é, demandas de que al-Burhan permitisse o uso do espaço aéreo sudanês por aeronaves israelenses e reabertura da fronteira entre Sudão e Sudão do Sul, a fim de restabelecer o comércio local. Ambas as condições favorecem a economia de Israel, que tornou-se investidor importante no Sudão do Sul. Al-Burhan não mencionou as exigências israelenses e afirmou que a reunião tratou meramente da suspensão das sanções americanas sobre o Sudão: “Em nossa reunião no terceiro dia deste mês, destacamos o papel que Israel precisa exercer em relação à presença do Sudão na lista de estados que patrocinam o terrorismo.”

Além de descrever o encontro nos mais positivos termos, al-Burhan alegou que somente pessoas com “ideologias limitadas” demonstrariam oposição à reabertura dos canais diplomáticos relevantes aos interesses sudaneses. Tais pessoas podem incluir também o povo do Sudão, que majoritariamente ainda considera Israel um estado vilão e ameaça muito maior ao Oriente Médio do que o Irã – país acusado pelos governos do Golfo de desestabilizar a região e antigo aliado próximo do ex-presidente sudanês Omar Al-Bashir, deposto em abril de 2019. A estado de espírito em torno da normalização das relações com Israel, não obstante, parece ser de indiferença. Uma preocupação geral com o aumento do custo de vida no Sudão leva a questão israelense à margem da insignificância.

Entretanto, a visita de al-Burhan efetivamente levou a uma reação indignada dentro do Sudão. Membros civis do governo de transição reclamaram que não houve qualquer consulta do general antes da reunião. Muitos destes políticos apoiam o estabelecimento de relações com Israel, de modo que seus protestos concentram-se no fato que o Primeiro-Ministro civil deveria conduzir o Sudão a tais negociações, no lugar do chefe militar interino do estado sudanês. Argumentam que a política internacional é domínio civil, como destacado pelo acordo constitucional assinado em agosto e acusam al-Burhan de exceder sua autoridade. Fora do Sudão, os palestinos na Faixa de Gaza expressaram indignação diante do encontro: bandeiras sudanesas foram queimadas em protesto à trégua publicamente declarada com o estado sionista, embora ainda esteja tecnicamente em guerra contra o Sudão.

A despeito destas reações, jamais foi segredo que conversas indiretas com Israel já eram conduzidas ainda durante o governo de Bashir. Ao menos três grandes encontros foram realizados nos últimos dois anos da liderança de Bashir, incluindo em Istambul e Cairo. Dentre as conversas cara a cara entre os países, a mais notória envolveu o ex-chefe de inteligência, Salah Abdullah Gosh, que supostamente encontrou-se com os israelenses sem conhecimento do próprio presidente. Muitos observadores – em particular, apoiadores de Gosh – acreditam que o ex-chefe de inteligência continua a agir como facilitador entre al-Burhan, Emirados Árabes Unidos e Israel.

Contudo, segundo relatos, Najwa Abbas Mohammed Ahmed – cidadã sudanesa residente em Uganda e ex-funcionária da NASA nos Estados Unidos – foi pessoalmente responsável por arranjar o encontro em Entebbe, capital de Uganda. O comentarista e jornalista Mekki Elmograbi celebrou esta comunicação direta: “O Sudão deve conversar diretamente com Israel a fim de proteger seus próprios interesses e não permitir que outras nações acrescentem pré-requisitos. A opinião pública apoia agora colocarmos os interesses do Sudão em primeiro lugar.”

Por ora, a liderança sudanesa deseja manter a imagem de que conduz ações e propostas corretas. A questão é: normalizar as relações com o Israel será efeito ou pré-condição à retirada do Sudão da lista de estados patrocinadores de terrorismo e à consequente suspensão das sanções impostas ao país africano?

Seja qual a for a resposta, espera-se que o novo canal direto com Israel sob a suposta política de “Sudão em primeiro lugar” de fato guarde as chaves para a prosperidade futura do país. No mínimo, o líder interino sudanês tem esperanças de que o encontro com Netanyahu seja um ponto de inflexão em sua história. O general relatou a repórteres na última semana que realizou uma “istikhara” – prece por orientação – antes de avançar com as conversas. Entretanto, apesar do otimismo resultante – que levou ao planejamento de um encontro de al-Burhan com o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump –, ainda há dúvidas sobre o valor de tais medidas diante do eventual restabelecimento pleno das relações com Israel. Enquanto isso, durante o processo , o Sudão de fato vira as costas para a causa palestina.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Categorias
ÁfricaArtigoIsraelOpiniãoOriente MédioPalestinaSudão
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments