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Visita de Príncipe Charles à Palestina nos ajuda a manter foco na solução do conflito

24 de janeiro de 2020, às 09h40

Príncipe Charles, do Reino Unido, em visita ao museu memorial do Holocausto, em Jerusalém, 23 de janeiro de 2020 [Abir Sultan/AFP/Getty Images]

É com grande orgulho e muito entusiasmo que a Palestina receberá amanhã Sua Alteza Real, Charles, Príncipe de Gales.

Príncipe Charles será o mais alto membro da família real britânica a visitar os territórios palestinos ocupados, ao chegar a Belém, na Cisjordânia, onde deverá encontrar o Presidente Mahmoud Abbas.

Trata-se do segundo membro da família real a fazê-lo em apenas dois anos. Seu filho, Príncipe William, visitou a Palestina em 2018. Sua visita deixou uma impressão contundente, quando o William declarou aos palestinos: “Vocês não foram esquecidos.”

A visita do Príncipe Charles salienta esta mensagem e ocorre em um momento histórico nas relações do Reino Unido com a Palestina e o resto do mundo.

Em 2016, o povo do Reino Unido tomou a decisão de deixar a União Europeia, decisão reafirmada nas últimas eleições gerais britânicas. Entre as muitas consequências desta decisão está a questão de qual papel o Reino Unido irá impor a si mesmo dentro da arena internacional após o Brexit.

Manifestantes pró-Brexit reúnem-se em manifestação na Praça do Parlamento, enquanto os parlamentares debatem sobre o acordo para a saída britânica da União Europeia, antes de votá-lo pela terceira vez, em Londres, Reino Unido, 29 de março de 2019 [Tayfun Salci/Agência Anadolu]

Com um papel global histórico que vem de séculos, países em todo o mundo passaram a esperar de Londres uma postura ponderada sobre os assuntos do mundo e um senso inato de justiça.

Tais atributos nunca foram tão importantes.

O Reino Unido exerceu um papel fundamental na construção da ordem internacional baseada no pós-Segunda Guerra Mundial, estabelecida não somente para garantir que jamais vemos novamente os mesmos horrores, mas também para espalhar a paz e a prosperidade em todo o mundo, com base na igualdade perante a lei.

Tais princípios da lei internacional sustentar o nosso próprio sentido de civilização.

Entretanto, estão sob ameaça; não apenas de estados párias e agentes não-estatais, mas também de governos que, a despeito das violações, buscam reafirmar a defesa destes princípios.

Nenhum lugar está sob ameaça mais óbvia do que os territórios ocupados de Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Gaza. Aqui, uma ocupação militar ilegal dura por mais de meio século. Hoje, ainda se expande – não diminui –, apesar das diversas resoluções da ONU e de quase trinta anos de processos de paz.

Transgressões claras da lei internacional estão se intensificando. Estas incluem a construção de assentamentos coloniais nos territórios ocupados, o cerco a Gaza e a negação dos direitos mais básicos da população nativa palestina.

Temos um primeiro-ministro israelense que promete publicamente anexar porções do território ocupado, em contradição direta à lei internacional.

De fato, com a mudança de posição oficial de Washington em relação às questões majoritárias dos assentamentos, o princípio fundamental internacional de rejeitar a aquisição de território à força tornou-se cada vez mais negligenciado para acomodar a atual conjuntura.

Assentamentos judaicos perto de Nablus, na Cisjordânia ocupada, em 10 de fevereiro de 2015 [Nedal Eshtayah/Apaimages]

Deixe-nos ser claros: o governo de Israel não procura qualquer tipo de solução razoável baseada em direitos iguais. Ao contrário, busca impor uma situação na qual Israel toma a terra, mas trata seus nativos palestinos como forasteiros. Isso não é – e não pode ser – aceitável a qualquer país no mundo moderno. Muito menos o Reino Unido, com seu papel único na Palestina; seu sistema legal consagrado pelo tempo e sua posição como criador e fiador de uma visão global capaz de compreender todos os povos como iguais, tanto em direitos quanto na lei.

Há sempre modos de firmar o barco e colocá-lo em curso a uma solução pacífica. De fato, o caminho é bem compreendido; as instituições para que seja implementado existem e o quadro legal está estabelecido há muito tempo.

A paz entre palestinos e israelenses é peça-chave para a paz no Oriente Médio. E a paz na região, como entende o Reino Unido melhor do que ninguém, é crucial para a paz mundial.

O Reino Unido encontra-se diante de uma escolha complexa após o Brexit. Pode ser compelido por outras forças a abandonar a ordem global, à qual tanto dedicou-se a estabelecer; ou pode retomar sua posição histórica como defensor do sistema de direitos internacionais, em um momento no qual este apresenta-se sob sério risco de colapso.

A visita do Príncipe Charles à Palestina não trata-se, evidentemente, de política. Representa a visita do mais alto membro da realeza britânica desde a Declaração de Balfour, em 1917. Tal declaração fatídica levou diretamente à expropriação ainda em curso das terras, da pátria e dos direitos palestinos.

Londrinos marcam os cem anos desde a Declaração de Balfour em protesto para reconhecer a opressão sofrida ainda atualmente pelos palestinos e exigem um pedido de desculpas formal do governo britânico, em Londres, Reino Unido, 4 de novembro de 2017 [Jehan Alfarra/Monitor do Oriente Médio]

A visita, portanto, oferece uma oportunidade para restabelecermos nosso foco na solução de uma das maiores fontes de descontentamento e angústia no mundo hoje. A Palestina e o Reino Unido reconheceram Israel. É hora do Reino Unido reconhecer o voto do Parlamento de 2014 e reconhecer também o Estado da Palestina.

Reconhecimento, no entanto, não substitui o processo de paz. Não obstante, deverá agir para preservar a visão de dois estados que é – e continua a ser, sob o Primeiro-Ministro Boris Johnson – a política oficial britânica.

A paz é possível. Seus parâmetros são bem conhecidos. Tudo que precisamos é de respeito às lei e compromisso com uma visão de paz que renove as esperanças de milhões de pessoas por todos os lados.

As opiniões expressadas neste artigo pertencem ao autor e não necessariamente refletem a política editorial do Monitor do Oriente Médio.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.