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Campanha de difamação sobre antissemitismo atravessa os oceanos

Apoiadores de Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, participam de um comício em 5 de junho de 2017 [Ren/Flickr]

Cá estamos, com mais uma rodada de eleições gerais e mais outro ciclo aparentemente coordenado de alegações cujo intuito é difamar Jeremy Corbyn e o Partido Trabalhista. O partido britânico de oposição descobriu ser quase impossível, no atual modelo de campanha eleitoral, efetivamente falar de suas propostas políticas. Todas as vezes em que lança uma nova proposta, os jornalistas da mídia convencional decidem retomar o espectro do antissemitismo.

Tal insistência ocorre a despeito da falta de qualquer evidência de que o antissemitismo é um problema maior no Partido Trabalhista do que é em qualquer outro setor da sociedade britânica. De fato, todas as informações, estatísticas e pesquisas demonstram precisamente o contrário.

As alegações de que há um “problema” particular de antissemitismo, ou uma “crise”, no partido são uma fabricação completa e absoluta. No decorrer dos últimos quatro anos e meio, tais alegações foram motivadas pelas mesmas forças políticas: o setor de direita em franco declínio do próprio Partido Trabalhista, o establishment britânico em geral e o lobby antipalestino sionista.

No momento, infelizmente, mesmo partes da esquerda assumiram este discurso e cederam às campanhas de difamação. Mesmo Jon Lansman, apoiador histórico de Corbyn, declarou preocupação com o suposto “problema” que, segundo ele, precisa ser “expurgado”. Em seguida, condenou a “crise” e desculpou-se por ela. Embora negue o título de “sionista de esquerda”, Lansman explicitamente defende o estado e as organizações sionistas, como o Movimento Trabalhista Judaico. Curiosamente, ao conversar comigo, Lansman não negou ser um sionista, mas somente um “sionista de esquerda”.

Entretanto, o problema é ainda pior. Mesmo Corbyn concedeu atenção a tais difamações, constantemente se desculpando e condenando o antissemitismo, embora não seja ele o responsável pela suposta crise. Esta é sua abordagem por todo o tempo, em particular desde a primavera de 2016, quando a campanha difamatória contra ele tomou corpo efetivamente. Na ocasião, Corbyn condenou Ken Livingstone – atacado ferozmente pela imprensa e pelo próprio Partido Trabalhista – e permitiu que a burocracia partidária suspendesse o ex-prefeito de Londres, um ícone histórico da esquerda genuinamente antirracista dentro do Partido Trabalhista.

Nada que Livingstone tenha dito era antissemita, mas desde este primeiro erro, tornou-se padrão a capitulação em torno de Corbyn e de seu partido. Até então, não houve qualquer recuo sobre essa abordagem, e talvez seja tarde demais. A campanha de difamação pode muito bem custar as eleições ao Partido Trabalhista.

Hoje, a campanha atravessa os oceanos. Os Estados Unidos e o Canadá também estão sujeitos a um suposto espectro de “antissemitismo de esquerda”. Embora ainda não tenha alcançado as mesmas proporções nacionais nos Estados Unidos, é de se esperar que, caso Corbyn seja derrotado, o chamado “antissemitismo trabalhista” atravesse o Atlântico e converta-se ao “antissemitismo democrata”, uma mudança retórica bem a tempo da campanha presidencial americana de 2020.

Manifestantes do grupo Voz Judaica pelo Partido Trabalhista protestam contra as falsas alegações de antissemitismo, em Londres, Reino Unido, 26 de março de 2018 [Twitter]

De fato, como vimos, este processo já teve início, com ataques absolutamente falaciosos e racistas contra parlamentares da esquerda democrata, como Ilhan Omar e Rashida Tlaib. Tais ataques tornaram-se proeminentes em escala nacional no Reino Unido e, em menor grau, nos Estados Unidos justamente pela sua capacidade de unificar o lobby sionista a aliados da ala liberal do establishment político – a direita trabalhista ou a máquina do Partido Democrata – com um establishment ainda mais amplo, na forma das corporações e agentes neoliberais, como a grande mídia.

As campanhas difamatórias cotidianas do lobby sionista contra palestinos e seus apoiadores atingiram então um número de pessoas ainda maior do que o usual. Trata-se de uma campanha transatlântica – de fato, global – contra o movimento por justiça na Palestina.

O último exemplo foi visto no Canadá, ainda em novembro. O campus da Universidade de York, em Toronto, foi cenário de uma campanha ativa de recrutamento público para o Exército de Israel, o que de fato viola a própria legislação canadense. Naturalmente, estudantes palestinos e apoiadores protestaram avidamente contra a campanha em questão. Tratava-se flagrantemente de uma provocação organizada pelo grupo sionista de extrema-direita Herut, apoiada pelo braço canadense da Liga de Defesa Judaica (LDJ).

A LDJ é uma organização sionista tão extrema que, certa vez, entrou na lista de grupos terroristas do FBI. Fundada pelo rabino Meir Kahane na década de 1960, nas décadas seguintes planejou e assumiu uma série de atentados a bomba nas cidades de Nova Iorque e Washington DC contra alvos civis árabes, palestinos e soviéticos. Entretanto, a LDJ recebeu salvo-conduto para participar do recrutamento ilegal na Universidade de York e realizar impunemente seus ataques e agressões contra palestinos e apoiadores. Os militantes da LDJ foram pegos nas redes sociais se vangloriando de nocautear estudantes na ocasião.

Para piorar a situação, as vítimas foram culpabilizadas e caluniadas pelas campanhas cotidianas de difamação sistemática. Propagandistas sionistas, incluindo os organizadores radicais do evento em questão, espalharam mentiras sobre os manifestantes, alegando falsamente que eles gritavam palavras de ordem antissemitas particularmente obscenas. Acusações absolutamente falsas. Apesar de não serem capazes de expor sequer um vídeo ou qualquer evidência sobre o caso, a imprensa acolheu as mentiras diante de seu valor de notícia. De modo terminantemente desprezível, tais mentiras foram recebidas com absurda confiança por todo o establishment político, desde Justin Trudeau – primeiro-ministro canadense conhecido por suas recorrentes blackfaces – até os setores mais baixos.

Trata-se da mesma dinâmica que ocorre no Reino Unido. Mentiras sobre o Partido Trabalhista são contadas de modo recorrente. A acusação é então tratada como se fosse prova. Caso a conteste, você também é “antissemita”.

Tente de novo, falhe de novo, repita.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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