Portuguese / English

Middle East Near You

A gestão da selvageria: como o estado nacional de segurança da América alimentou a ascensão da Al Qaeda, do Daesh e de Donald Trump

Autor do livro(s) :Max Blumenthal
Data de publicação :abril de 2019
Editora :Verso Books
Hardcover :400 páginas
ISBN-13 :978-1788732291

Há alguns anos, conheci um proprietário de terras iraquiano. Depois de solicitamente contar-me sobre suas origens nacionais, ele passou a explicar sua teoria de que o ISIS (Daesh) foi criado pela CIA, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos.

Ao discutir a Al Qaeda e o chamado Estado Islâmico com pessoas comuns em países árabes, é comum ouvir ambos os grupos extremistas violentos serem descritos como criaturas do Ocidente, elaborados para desestabilizar governos regionais que se opõem à CIA e a outras agências de inteligência.

A teoria deste senhor era um pouco implausível, já que não há evidências de que a CIA se sentou um dia e fundou o “Estado Islâmico no Iraque e na Síria”, também conhecido pelo seu acrônimo em árabe Daesh. No entanto, não há absolutamente nenhuma dúvida de que o pretenso Império Americano por décadas encorajou e auxiliou grupos insurgentes sectários e violentos na região que afirmam operar sob a bandeira do Islã, incluindo a Al Qaeda.

Em seu novo livro, The Management of Savagery: How America’s National Security State Fuelled the Rise of Al Qaeda, ISIS, and Donald Trump (A Gestão da Selvageria: Como o Estado de nacional de segurança da América alimentou a ascensão da Al Qaeda, do Daesh e de Donald Trump, em tradução livre), o jornalista americano Max Blumenthal traça a história das operações dos Estados Unidos sobre tais propósitos durante os anos recentes.

Como Blumenthal explica em sua introdução, o polêmico título do livro foi retirado de um ensaio de 2004, com o mesmo nome, por um ideólogo da Al Qaeda no Iraque. Nela, explica Blumenthal, o autor sob pseudônimo “delineou uma estratégia para construir um Estado islâmico, explorando o caos gerado pelas guerras de mudança de regime dos EUA”. O documento “se encaixou perfeitamente nos planos de mudança de regime concebidos [para o Iraque] pela segurança nacional linha-dura em Washington [à frente da invasão de 2003], e sugere a relação simbiótica que esses dois elementos extremistas têm desfrutado.”

Em outras palavras, ambos os lados se alimentaram e encorajaram um ao outro.

O que o jornal Al Qaeda denominou como suas próprias “administrações de selvageria” no Iraque tinha a intenção de desencadear uma resposta exagerada dos EUA, que acabaria matando civis e, por sua vez, encorajaria o recrutamento para os órgãos extremistas. Os Estados Unidos já haviam caído na mesma armadilha ao invadir o Afeganistão, que era provavelmente o tipo de resposta que os ataques de 11 de setembro pretendiam provocar.

Curiosamente, o complexo de cavernas de Tora Bora, no qual Osama Bin Laden e seus partidários se refugiaram após a invasão americana do Afeganistão em 2001, “foi construído com a ajuda da CIA durante a jihad antissoviética, na qual Bin Laden lutou durante os anos 80”. Não é o único elo entre os dois lados da “Guerra ao Terror”.

Estado Islâmico (Daesh), um Cavalo de Tróia construído pelos EUA – cartum
[Carlos Latuff/Middle East Monitor]

O livro de Blumenthal traça essa dinâmica extremista recíproca desde a guerra dos Estados Unidos contra o governo secular do Afeganistão, apoiado pelos soviéticos, a partir do final dos anos 70. Os EUA, a Arábia Saudita e o Paquistão começaram a treinar, armar e financiar os grupos extremistas violentos que mais tarde criariam a Al-Qaeda e o Taleban.

Os EUA fizeram isso simplesmente como uma forma de sangrar a URSS, primeiro incitando Moscou à invasão do Afeganistão e, mais tarde, mantendo a insurgência em andamento até o colapso do governo apoiado pelos soviéticos, que levou a décadas de brutal guerra civil no país. A fracassada invasão do Afeganistão é frequentemente citada como uma das principais razões para a queda da própria União Soviética.

O autor então traça essa “gestão da selvageria” através dos efeitos colaterais do 11 de setembro e da era de “Guerra ao Terror”, a invasão do Iraque e as guerras de mudança de regime contra a Líbia e a Síria.

O tempo todo, aquilo que Blumenthal denomina com precisão como o “estado nacional de segurança” não reservava absolutamente escrúpulo algum em se aliar a alguns dos grupos extremistas sectários mais cruéis e violentos do mundo, quando tal aliança se adequava aos propósitos americanos. Um ponto que torna evidente esse caso é o fato de que foram os mesmos grupos que coordenaram ataques contra civis em terras árabes e ocidentais (por exemplo, os ataques de 11 de setembro, e mais recentemente o atentado na Arena de Manchester).

Os ataques da Al Qaeda contra instalações militares dos EUA no Iêmen em 1992 apresentavam características muito específicas, segundo um especialista do Departamento de Estado dos EUA citado por Blumenthal: “A CIA havia treinado quem quer que os tenha conduzido… vários elementos específicos desses ataques combinavam com técnicas que aprendi quando participei do curso de treinamento da CIA sobre dispositivos explosivos improvisados.”

Naturalmente, há muito aqui que já é conhecido, mas a força do livro está em conectar os pontos e a narrativa magistral que reúne. A maioria dos leitores encontrará informações que lhes são novidade. Certamente eu as encontrei.

Outra coisa que encontrará neste livro, e em alguns outros, é uma atitude altamente crítica e esclarecedora em relação a Israel. O estado sionista é uma parte fundamental da “gestão da selvageria” do Ocidente em terras árabes, e o livro traça muitos exemplos de seus métodos de participação. Há uma grande seção sobre a “israelificação” do sistema de segurança americano e como, por exemplo, a infame tortura sexualizada de prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib por tropas dos EUA foi influenciada pelo antropólogo cultural israelo-americano Raphael Patai e seu livro sobre as supostas disfunções sexuais dos homens árabes, The Arab Mind (A Mente Árabe).

Max Blumenthal é um amigo meu e colaborador ocasional do website The Electronic Intifada, onde sou editora associada. No entanto, se eu não amasse genuinamente este livro, não teria como acumular elogios tão extravagantes. Então deixe-me tornar claro: eu não tenho absolutamente nenhuma hesitação em declarar este livro como um dos meus favoritos de todos os tempos.

No que me diz respeito, A Gestão da Selvageria… está no alto nível de Dangerous Liaison (Relações Perigosas), de Andrew e Leslie Cockburn, The Sampson Option (A Alternativa Sansão), de Seymour Hersh e até mesmo Dark Alliance (Aliança Obscura), de Gary Webb. É uma conquista jornalística cuja importância não pode ser enfatizada o suficiente.

Categorias
Arábia SauditaEstados UnidosIraqueOriente MédioResenhas - LivrosSíria
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments