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Quando Bolsonaro e Netanyahu são ‘irmãos’: Porque o Brasil deveria evitar o modelo israelense

Presidente do Brasil Jair Bolsonaro cumprimenta o Primeiro Ministro de Israel Benjamin Netanyahu em Brasília, 1° de janeiro de 2019 [Nelson Almeida/AFP/Getty Images]

O presidente brasileiro recém-empossado, Jair Bolsonaro, promete ser o arqui-inimigo do meio-ambiente e das comunidades indígenas e desprivilegiadas em seu país. Também promete ser amigo de líderes de extrema-direita que pensam como ele ao redor de todo o mundo.

Portanto, não é surpreendente ver florescer um tipo especial de amizade entre Bolsonaro e o Primeiro Ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

“Precisamos de bons irmãos como Netanyahu,” disse Bolsonaro em 1° de janeiro, dia de sua posse em Brasília.

Bolsonaro é um “grande aliado (e) irmão,” respondeu Netanyahu.

Porém, enquanto Bolsonaro vê Netanyahu como um modelo a seguir – por razões que deveriam preocupar a maioria dos brasileiros – o país certamente não precisa de “irmãos” como o líder israelense.

A militância e opressão de Netanyahu contra o povo nativo palestino, sua perseguição racialmente motivada contra os imigrantes negros africanos e suas persistentes violações da lei internacional não são de forma alguma o que um país como o Brasil precisa para se livrar da corrupção, trazer harmonia comunitária e conduzir-se numa era de integração regional e prosperidade econômica.

Netanyahu, é claro, entusiasmou-se com o convite de participar da posse de Bolsonaro, que provavelmente será marcada na história brasileira como um dia infame, no qual a democracia e os direitos humanos foram colocados sob sérias ameaças desde a transição democrática brasileira, ocorrida na primeira metade da década de 1980.

Nos anos recentes, o Brasil emergiu como uma potência regional sensível que defendia os direitos humanos dos palestinos e a integração do “Estado da Palestina” à comunidade internacional em larga escala.

Frustrado pelo histórico brasileiro em relação à Palestina e Israel, Netanyahu, um político sagaz, viu uma oportunidade no discurso populista arremedado por Bolsonaro durante sua campanha.

O novo Presidente do Brasil deseja reverter a política externa brasileira em relação à Palestina e Israel, da mesma forma que deseja reverter todas as políticas de seus antecessores no que concerne aos direitos indígenas, a proteção da floresta tropical, entre outros tópicos cruciais.

O que realmente preocupa em Bolsonaro, comparado com Donald Trump – ao menos devido aos seus votos de “tornar o Brasil grande de novo” – é provavelmente a efetivação de suas promessas. De fato, poucas horas após sua posse, ele emitiu uma ordem executiva contra direitos de terras dos povos indígenas no Brasil, para deleite de lobbies agrários, ansiosos pela chance de cortar enormes parcelas das florestas do país.

Presidente dos Estados Unidos Donald Trump [Matt Johnson/Flickr]

Confiscar territórios dos povos nativos, como pretende Bolsonaro, é algo que Netanyahu, seu governo e seus antecessores realizaram durante anos sem qualquer remorso. Sim, é evidente que as alegações de “fraternidade” possuem fundamentos bastante sólidos.

Contudo, há outra dimensão para o envolvimento amoroso entre ambos os líderes. Muito trabalho foi investido para converter o Brasil de um governo possivelmente pró-Palestina para uma política externa similar à gestão de Donald Trump.

Em sua campanha, Bolsonaro alcançou grupos políticos conservadores, os militares (jamais verdadeiramente domados) e as igrejas evangélicas, todas as facções com poderosa representação de lobbies políticos, agendas sinistras e influências inconfundíveis. Tais grupos disponibilizaram, não somente na América do Sul, mas também nos Estados Unidos e em outros países, seu apoio político a qualquer candidato sob a condição de apoio inequívoco e cego a Israel.

Foi assim que os Estados Unidos se tornaram o principal benfeitor a Israel, e é precisamente dessa forma que Tel Aviv pretende conquistar novos terrenos políticos.

O mundo ocidental, em particular, volta-se para demagogos de extrema-direita para obter respostas simples a problemas complexos e intrincados. O Brasil, graças a Bolsonaro e seus apoiadores, agora se une a essa tendência perturbadora.

Israel está descaradamente explorando a ascensão absoluta do neofascismo e populismo global. Pior ainda, tendências antes consideradas antissemitas agora são plenamente abraçadas pelo “Estado Judeu”, com a intenção de expandir sua influência política, mas também seu mercado de armas.

Politicamente, os partidos de extrema-direita compreender que, a fim de obter ajuda israelense para encobrir seu passado e seus pecados contemporâneos, é necessário que se submetam completamente à agenda de Israel no Oriente Médio. E é precisamente o que acontece hoje desde Washington a Roma, Budapeste, Viena… e recentemente Brasília.

Todavia, talvez a razão mais atraente seja o dinheiro. Israel tem muito a oferecer por meio de sua guerra destrutiva e tecnologias de “segurança”, uma linha de produção massivo utilizada com efeitos mortais contra os palestinos.

A indústria de controle de fronteiras está prosperando nos Estados Unidos e Europa. Em ambos os casos, Israel serve à tarefa de modelo bem-sucedido e fornecedor de tecnologia. A tecnologia de “segurança” israelense, graças às recentes simpatias pelos supostos problemas de segurança de Israel, está agora invadindo também as fronteiras europeias.

De acordo com a rede de notícias israelense Ynetnews, Israel é o sétimo maior exportador de armas para o mundo e está emergindo como líder na exportação global de drones aéreos.

O entusiasmo europeu pela tecnologia de drones israelense está relacionado ao medo essencialmente infundado dos imigrantes e refugiados. No caso do Brasil, a tecnologia de drones promete ser direcionada contra o crime organizado e assuntos internos.

Vale registrar que drones israelenses fabricados pelo Elbit Systems já haviam sido comprados e utilizados pelo governo brasileiro anterior às vésperas da Copa do Mundo FIFA de 2014.

O que torna acordos futuros entre os dois países ainda mais alarmante é a súbita afinidade entre políticos de extrema-direita de ambos os lados. Como esperado, Bolsonaro e Netanyahu discutiram longamente sobre os drones durante a visita do líder israelense ao Brasil.

Israel tem utilizado violência extrema como resposta às demandas palestinas por direitos humanos, incluindo força letal contra protestos pacíficos em andamento diante da cerca que separa Gaza sitiada de Israel. Se Bolsonaro pensa que irá ser bem-sucedido em sua suposta luta contra o crime organizado através da violência descompensada – ao invés de lidar com problemas de desigualdade econômica e social e distribuição injusta de riqueza no país – então poderá esperar somente a exacerbação da já impiedosa taxa de mortes.

As obsessões de segurança de Israel não devem ser copiadas, nem no Brasil ou qualquer outro lugar. Os brasileiros, muitos dos quais justamente apreensivos sobre o estado da democracia em seu país, não devem sucumbir à mentalidade beligerante israelense, a qual não forjou um ínfimo de paz, somente mais violência.

Israel exporta guerras aos seus vizinhos e tecnologias bélicas ao resto do mundo. À medida que muitos países sofrem devido a conflitos particulares, muitas vezes resultantes de enormes desigualdades de renda, Israel não deve ser visto como o modelo a seguir, mas sim como o exemplo a evitar.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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