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Depois de Argélia e Sudão, o que vem pela frente no Oriente Médio?

Milhares de estudantes, médicos e funcionários públicos fazem um protesto para exigir que o presidente Abdelaziz Bouteflika saia do poder, em frente ao Correio Central na capital Argel, Argélia, 19 de março de 2019 [Farouk Batiche/Agência Anadolu]

Em menos de dez dias, a Argélia e o Sudão testemunharam o afastamento de seus chefes de Estado, Abdelaziz Bouteflika e Omar Al-Bashir. Tais eventos significativos levantam a questão de saber se uma segunda Primavera Árabe está em andamento.

Por um lado, os sudaneses insistem que querem que o seu país seja um estado civil. Eles acreditam que, caso o conselho militar permaneça no comando, não se resolverá o conflito. Isso porque Al-Bashir, que chegou ao poder através de um golpe, era membro do exército. Após a sua partida, mantendo-se o conselho militar, aumentará o medo entre os sudaneses de um remake do regime de Al-Bashir.

Os contínuos protestos pacíficos forçaram o líder do golpe, Awad Ibn Auf, a renunciar horas depois de ter derrubado o Al-Bashir. A maneira como a situação ocorre agora, demonstra que, da mesma forma que o povo conseguiu liderar o conselho militar para orquestrar um golpe contra Al-Bashir, provavelmente também teriam forças para trocar o conselho por um governo civil.

Por outro lado, na Argélia, a situação não é tão diferente. Os argelinos também querem expurgar os símbolos do regime. Depois de expulsar Bouteflika, pretendem fazer o mesmo com Abdelkader Bensalah, atualmente no comando. Apesar do fato de que Bensalah prometeu realizar eleições em 4 de julho, protestos generalizados estão em andamento, o que é um sinal de que os argelinos não querem manter nenhum membro do antigo sistema.

“Eventos recentes na Argélia e no Sudão sugerem que as principais queixas políticas que lançaram a Primavera Árabe de 2011 continuam a inspirar protestos em toda a região. São demandas humanas básicas que têm apelo universal: dignidade, justiça social e governo responsável”, contou-me Nader Hashemi, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Denver.

A Primavera Árabe – cartum [Arabi21]

Hashemi acrescentou que é evidentemente perceptível na recente onda de manifestações a ênfase em uma estratégia de resistência não-violenta e a demanda central pela mudança abrangente de regime. “Os manifestantes são incrivelmente conscientes e sofisticados politicamente. A remoção de um ditador de longa data não é suficiente. O que os manifestantes estão exigindo é uma ampla transferência de poder das velhas elites dominantes para novos atores políticos não contaminados pela corrupção e que não estejam ligados ao regime autoritário.”

O fato de que as pessoas em ambos os países ainda insistem em alcançar inteiramente seus objetivos sugere que elas não querem repetir os erros de outros países árabes que se revoltaram em 2011. Aprender com os erros do passado proporcionou uma outra visão da Primavera Árabe que testemunhamos hoje.

Nova onda de raiva

O compromisso que os jovens do mundo árabe têm em alcançar seu objetivo e acabar com a opressão e a tirania que estão vivendo enfatiza que os regimes não compreendem a mentalidade de juventude. Há décadas, eles se acostumaram a ver as pessoas lhes obedecerem. Mesmo se estivessem fartas da situação, elas não tinham a coragem de se levantar, porque havia medo.

É hora de outros regimes entenderem que essa nova onda de revolta entre os jovens exigindo mudança em seu país não vai parar na Argélia e no Sudão. Mas, ao contrário, se espalhará para outros países do Oriente Médio. Isso significa que os regimes que mantêm seu regime opressivo devem perceber que o ocorrido em ambos os casos também é um sinal para eles. Se não mudarem de comportamento em relação ao seu povo, não há razão para que não sejam atingidos por esses acontecimentos. Em outras palavras, precisam acordar, porque é quase inevitável que a onda derrube outros regimes e que governos autoritários em países como Egito e Arábia Saudita, que violam direitos humanos ao aprisionar ativistas pacíficos e silenciar suas vozes, não durem para sempre.

Manifestantes sudaneses se reúnem em frente ao quartel-general central exigindo um governo de transição civil, em Cartum, no Sudão, 2 de maio de 2019 [Stringer/Agência Anadolu]

Hashemi destacou que, ao assistir a eventos no Sudão e na Argélia, ficou claro para ele que as elites dominantes em ambos os países ficaram chocadas e confusas com os protestos. Divisões surgiram dentro delas e dos militares sobre como responder. “Isso beneficiou os manifestantes que até agora demonstram uma unidade de propósito e um claro compromisso de permanecer na rua até que suas exigências sejam atendidas. O cenário egípcio aparece na memória”, disse ele. “Estou me referindo à política dos militares egípcios, em resposta aos protestos maciços de rua para remover o ditador, permitindo que os civis chegassem ao poder por um período temporário para, em seguida, aguardar sua oportunidade para encenar um golpe militar.”

A juventude do mundo árabe conseguiu, mais uma vez, fazer ouvir a sua voz ao realizar o que as gerações anteriores não conseguiram fazer, uma mudança que, espera-se, garanta aos cidadãos orgulho e dignidade.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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