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O reconhecimento americano da anexação das Colinas de Golã não favorece em nada Israel

Presidente Donald Trump exibe proclamação executiva de reconhecimento das Colinas de Golã como território israelense, na Casa Branca, Washington DC, 25 de março de 2019 [Getty Images]

Agora que os Estados Unidos concederam o carimbo imperial de consentimento à anexação ilegal das Colinas de Golã sírias por Israel, o que aguarda o futuro? O movimento anunciado pelo Presidente Donald Trump essa semana é mal estruturado.

Al-Marsad, o centro árabe de direitos humanos nas Colinas de Golã, condenou a ação de Donald Trump. “A decisão,” explicou, “estabelece um padrão perigoso que glorifica abusos sistemáticos de direitos humanos, legitima a ocupação e agressões ilegais e coloca em perigo a paz no Oriente Médio.”

A maior parte de Golã, na realidade uma fração do território do sudoeste da Síria, foi ocupada e anexada há décadas de forma absolutamente ilegal. Em 1967, quando Israel atacou o Egito, a Jordânia, o povo palestino (novamente) e a Síria, as forças invasoras jamais recuaram dos territórios ocupados por meios militares. Ao contrário, plenamente consistente com a história do movimento sionista, Israel estabeleceu a prática de desalojar e deslocar a população nativa e colonizar as terras. Com frequência, isso resultou em um processo transparente de limpeza étnica das população árabe pelo “crime” de não ser judeu em territórios controlados pelo autoproclamado “Estado exclusivamente judaico”.

Nas Colinas de Golã, Israel expulsou 95 por cento da população árabe-síria nativa, um total de 130 mil pessoas. Precisamente como feito por milícias sionistas na Palestina entre 1947 e 1949, as forças israelenses executaram então um plano sistemático de demolição de centenas de aldeias árabes. Esta forma particular de crime de guerra é evidentemente definida como limpeza étnica; um movimento calculado para criar “fatos em solo” e assim dificultar aos refugiados o retorno para suas casas, mesmo após as hostilidades.

Trump declara as Colinas de Golã da Síria como território de Israel –
cartum [Carlos Latuff/Mint Press News]

Em 1981, o governo israelense de direita do Likud oficialmente anexou as Colinas de Golã, aplicando as leis civis de Israel ao território e, em teoria, encerrando o período de lei marcial. Aos relativamente poucos sírios restantes em Golã foi oferecida a cidadania israelense, oferta que a maioria ainda recusa.

Até a ação de Trump na semana passada, a política oficial dos Estados Unidos – alinhada com a maior parte dos outros países – era rejeitar as reivindicações israelenses de soberania sobre essa extensa faixa de território sírio. O reconhecimento de Trump vira a política do avesso.

No entanto, independente do que imperialistas de extrema-direita, como Trump e o Primeiro-Ministro israelense Benjamin Netanyahu possam pensar, os sírios das Colinas de Golã irão sempre se considerar sírios, e as Colinas de Golã serão sempre parte da Síria. “Os sírios sempre rejeitaram o controle israelense sobre suas terras e irão permanecer resolutos na resistência contra a opressão sistemática de Israel,” confirmou Al-Marsad. “A decisão dos Estados Unidos não terá qualquer impacto sobre essa realidade.”

É espantoso que forças de extrema-direita na Casa Branca não pareçam reconhecer que a anexação israelense dos territórios árabes ocupados é um movimento que só pode culminar no declínio do autoproclamado “Estado Judeu”, na forma de uma entidade ideológica e racista. Em outras palavras, o movimento aumenta a pressão política por um único estado democrático não-segregacionista, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.

Tal estado na Palestina histórica irá conceder direitos plenos e igualitários a muçulmanos, judeus e cristãos; de fato, povos de todas as fés e não-religiosos, independente de sua identidade étnica. Uma Palestina verdadeiramente democrática, do rio ao mar, com proteção legal para seus direitos culturais e linguísticos, iria naturalmente devolver os territórios ocupados das Colinas de Golã à soberania síria, diante da primeira oportunidade prática.

Laços diplomáticos íntimos com a Síria, assim como junto a todos os estados vizinhos, seriam provavelmente cultivados, promovidos e ampliados. Com o tempo, isso iria provavelmente levar a alianças econômicas cada vez mais próximas, à prosperidade e às fronteiras abertas. Essa era a realidade do povo local antes da ascensão do sionismo e de outras formas de colonialismo no Levante. Um dia, foi possível dirigir de Beirute a Haifa e Jerusalém, e então até o Egito, Síria ou mesmo às distantes areias da Arábia, algo deveras impossível agora devido aos projetos imperialistas e israelenses na região.

Este, de fato, era o estado natural das relações domésticas na região até a imposição das divisões compulsórias e do sectarismo pelas ações do imperialismo ocidental. Este projeto resulta em mais de um século de violência aparentemente endêmica, caos, deslocamento sistemático e racismo institucional na Palestina e outros territórios árabes afetados pela ocupação israelense.

O próximo passo para Netanyahu e os fascistas de Israel, agora que possuem o carimbo imperial americano em consentimento à anexação das Colinas de Golã, será aplicar o mesmo processo ilegal na Cisjordânia ocupada. Nas Colinas de Golã, Israel expulsou aqueles 95 por cento da população por uso de violência sectária extrema, de modo que hoje a proporção de sírios no local é aproximadamente a mesma de colonos ilegais israelenses. Não é o caso da Cisjordânia, onde colonos ilegais são excedidos por 3 milhões de palestinos nativos.

Para anexar a Cisjordânia seria preciso, portanto, perpetuar um regime abertamente racista o qual perpetua a objeção de direitos humanos básicos e direitos políticos a milhões de palestino. Esta já é a realidade em solo, mas a anexação iria intensificar e evidenciar ainda mais a realidade em questão a pessoas em todo o mundo.

Por fim, o objetivo sionista é excluir a população nativa não-judaica de sua organização política: máxima quantidade de terras, mínimo número de árabes. O dilema sionista é simples: apartheid formal ou expulsão a força; o que será? Qualquer alternativa leva ao caminho definitivo de uma hemorragia em termos de apoio político a Israel no Ocidente.

Enquanto tal apoio tem sido uma questão bipartidária na Grã-Bretanha por anos, Israel agora – pela primeira vez – torna-se uma questão bipartidária na política central dos Estados Unidos. O apartheid israelense está acelerando seu próprio declínio e o reconhecimento de Donald Trump à anexação das Colinas de Golã (por direito, território da Síria) não parece favorecer Israel em absolutamente nada a longo-prazo.

Estados Unidos reconhece soberania israelense sobre Golã – cartum [Sabaaneh/Middle East Monitor]

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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