Nas últimas semanas, o cenário político iraquiano tem se assemelhado a uma tela de televisão antiga que perdeu o equilíbrio da imagem. As declarações feitas pelos líderes da Estrutura de Coordenação, que inclui partidos e milícias iranianas, revelam a feroz luta pelo cargo de primeiro-ministro sem hesitação. Essa tem sido uma política característica da Zona Verde desde 2003. Só o Iraque enfrenta conflitos financeiros, conflitos sectários e conflitos alimentados por ressentimento e ódio, e essa lista continua a crescer.
Aqueles que confiam nas promessas americanas esquecem que foram eles próprios que levaram ao fracasso contínuo. Quanto às declarações de Mark Savaya sobre um novo Iraque livre de milícias, são meras ameaças vazias enquanto a política de apoio mútuo entre EUA e Irã no Iraque permanecer em vigor. No entanto, vamos esperar para ver se a nova política de Trump no Iraque é a solução que os iraquianos buscam para recuperar seu país sequestrado.
É assim que as cores se sobrepõem. As linhas se confundem. Figuras políticas emergem sem traços definidos. Tudo se move lentamente, como se o tempo em Bagdá estivesse testando sua capacidade de se estender. Mesmo assim, ouve-se o clamor das ruas: Para onde o país está caminhando? Até quando a política continuará a exaurir o povo?
A cena não exige muita imaginação. Basta observar as declarações diárias de Mohammed Shia al-Sudani, Nouri al-Maliki e até mesmo Mohammed al-Halbousi. Eles falam com falsa confiança, como se estivéssemos assistindo a uma peça cujo final o público já conhece há muito tempo. Os partidos falam com entusiasmo sobre “reformas”, mas depois retornam aos assentos que ocupam há mais de duas décadas, sem disposição para ceder em nada. O governo promete “planos estratégicos”. Mas esses planos nascem sem pernas. Mal conseguem andar. Depois, evaporam.
Há um paradoxo constante no Iraque: o político que mais fala é o menos capaz de agir. A rua mais silenciosa é a que mais pode mudar. É um paradoxo desconcertante. Mas revela que o sistema político só ouve a si mesmo. Não ouve ninguém mais. É como se o país estivesse girando dentro de uma caixa fechada e todos procurassem uma janela inexistente.
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Nesse contexto, a relação entre Bagdá e seus vizinhos parece ser meramente uma equação que muda com as lealdades voláteis, segundo uma lógica óbvia de oportunismo à qual todos os iraquianos estão sintonizados. Às vezes, prevalece a linguagem da conciliação. Outras vezes, o tom de tensão aumenta. A conformidade é muitas vezes a norma, como na relação com o Irã. Tudo está sujeito a mudanças. Um fato, porém, permanece constante: o Iraque continua sendo um campo aberto para muitos conflitos. Conflitos que consomem seus recursos e devoram suas instituições. Isso deixa o povo com uma pergunta amarga: apesar de toda a conversa sobre “soberania”, por que o país não tem o direito de determinar seu próprio destino?
A influência iraniana é um exemplo claro disso. É uma influência que permanece constante quando o Estado deveria estar avançando. Ela se expande em momentos de vácuo, preenchendo as instituições a ponto de qualquer projeto que vise à verdadeira independência se tornar confuso. Mesmo assim, há quem insista em repetir a mesma retórica: “O Iraque é independente”. Uma afirmação confiante, mas, após uma análise mais atenta, resta apenas um vasto vazio.
O Ocidente observa. Escreve seus relatórios. Publica suas análises. Mas, no fundo, percebe que a situação no Iraque não permite decisões firmes. O New York Times fala de uma “democracia suspensa” e de um país governado por “ladrões de Estado”. O Financial Times descreve um Iraque com reservas de ouro, mas com uma política que transforma esse ouro em pó. O Guardian questiona, perplexo, como um país com tal história pode viver em tal estado de impotência. Essas perguntas partem de capitais distantes, mas atingem o cerne da questão.
E porque a política é um espelho, hoje vemos refletido nele apenas a imagem cansada de uma classe política viciada na sobrevivência a qualquer custo. Uma classe que age como se o tempo lhe pertencesse. Como se o povo não importasse. Como se o Iraque fosse meramente um lugar a ser administrado com uma frieza que não faz justiça à sua história.
Mas, apesar do silêncio, algo está mudando. A consciência está mudando. Nas discussões diárias. Nas novas gerações, que já tiveram o suficiente da retórica do passado, não acreditam mais em velhos slogans. Buscam algo mais simples: a normalidade. Um Estado que não seja governado por exceções, nem pelo medo, nem pelas armas das milícias que avançam quando as palavras falham.
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Nos últimos anos, o Iraque se assemelha a um homem que emergiu de uma longa guerra, mas não consegue encontrar o caminho de volta à vida normal. Ele está parado no meio da estrada. Olha para trás com tristeza. Olha para frente com hesitação. Mesmo assim, está determinado a seguir em frente. É uma determinação que reflete a obstinação do povo iraquiano, que se recusa a desistir apesar de tudo o que passou.
Hoje, a política repete o mesmo jogo de sempre, mas as ruas não são mais as mesmas. As pessoas não estão mais dispostas a acreditar em promessas, nem a se submeter. Algo profundo está mudando. É o início de um novo discurso, ainda que incompleto. O Iraque está prestes a explodir como uma panela de pressão sob pressão silenciosa?
Surge então a inevitável pergunta: Bagdá precisa de um terremoto político para colocar a casa em ordem? Ou bastaria que a classe política reconhecesse que este país é maior do que seus cálculos? É uma pergunta simples, mas que parece difícil para aqueles que construíram sua existência na obstrução em vez da construção.
Aqui, emerge o paradoxo mais óbvio: quanto mais se fala em “consenso”, maior a divisão. Quanto mais se fala em “reforma”, maior a destruição. É como se houvesse uma maldição linguística que transforma belas palavras em atos horríveis quando colocadas em prática.
O Iraque não precisa de teorias hoje. Precisa de realismo corajoso. Precisa de decisões tomadas em prol do futuro, não do passado. Precisa de um Estado que reconstrua suas instituições antes de reconstruir sua retórica. Precisa de uma política que reconheça que as pessoas não são figurantes em uma longa e tediosa cena.
Em última análise, o Iraque é maior do que sua desgraça. É um país que se recusa a ruir, apesar de tudo estar se despedaçando dentro dele. É um país que não se permite tornar-se uma versão sombria daquilo que outros querem que ele seja. O Iraque luta para respirar, mas ainda está vivo. Talvez isso seja um começo.
Porque um país que se lembra de si mesmo, mesmo que tardiamente, pode se recuperar. Pode resgatar o que resta de sua identidade antes que se perca completamente no ruído dos slogans. Os políticos só precisam perceber que o tempo está se esgotando. As pessoas não aceitam mais que o labirinto seja uma constante.
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