Poucos conflitos nos tempos modernos demonstram melhor a tirania da geografia do que a guerra na Ucrânia. No seu centro está a Crimeia, uma península cuja posse tem sido disputada há séculos – um triste lembrete de que, geopoliticamente, a localização determina em grande parte o destino. Outrora a pátria histórica dos tártaros da Crimeia, foi anexada pela Rússia em 1783, disputada na Guerra da Crimeia do século XIX e transferida para a Ucrânia em 1954, durante a era soviética. Na época, a transferência foi administrativa, quase trivial. Ninguém imaginava que a União Soviética entraria em colapso e deixaria a Crimeia sob o controle de Kiev, preparando o terreno para um conflito que ceifaria centenas de milhares de vidas.
Quando se dissolveu em 1991, a URSS legou a Crimeia à Ucrânia, juntamente com um arsenal nuclear que mais tarde abandonou em troca de garantias de segurança. Uma Rússia enfraquecida e empobrecida sob Boris Yeltsin não fez nada para questionar esse acordo. Contudo, as sementes de um futuro conflito já estavam sendo plantadas. A expansão da OTAN para leste trouxe a aliança para a porta da Rússia.
Para o Kremlin, a aproximação da Ucrânia com a OTAN não era apenas indesejável; era uma questão de vida ou morte. A geografia impunha essa situação. Os líderes ucranianos sabiam disso. Sabiam que a Rússia jamais aceitaria a OTAN em sua fronteira sem lutar. Mesmo assim, seguiram em frente, “cutucando a onça com vara curta”, como argumentam os críticos. O resultado foi catastrófico: uma guerra de desgaste, a destruição de cidades, centenas de milhares de mortos, o deslocamento de milhões, a perda de território e uma ruptura permanente com Moscou. A retórica de Putin sobre “nazistas” na Ucrânia pode ser propaganda, mas ressoa com as memórias russas da colaboração em tempos de guerra durante a Segunda Guerra Mundial. História, geografia e uma profunda desconfiança se combinaram para fazer das ambições da Ucrânia de ingressar na OTAN uma aposta fatal.
Agora que Washington está impondo uma controversa estrutura de paz, a amarga lição é clara. Um plano de 28 pontos, impulsionado pelo governo Trump — em grande parte fruto de negociações secretas entre o enviado americano Steve Witkoff e seu homólogo russo Kirill Dmitriev — forçaria a Ucrânia a ceder territórios ocupados, renunciar à adesão à OTAN e restringir drasticamente suas capacidades militares. O acordo proposto exigiria que Kiev reconhecesse a Crimeia e o Donbas como territórios russos, reduzisse suas forças armadas em mais da metade e concordasse com o estabelecimento de uma zona tampão desmilitarizada nos territórios que atualmente controla. Em troca, o plano prevê garantias de segurança, embora a natureza precisa dessas garantias permaneça obscura.
A proposta colocou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em uma posição impossível. Em um discurso solene à nação na semana passada, ele descreveu o momento como “verdadeiramente um dos mais difíceis” da história da Ucrânia, alertando que seu país enfrenta uma escolha angustiante. “A Ucrânia pode agora enfrentar uma escolha difícil: a perda da dignidade ou o risco de perder um parceiro fundamental”, disse ele, sem mencionar os Estados Unidos diretamente. A pressão de Washington é intensa. Trump exigiu uma resposta de Zelensky até o Dia de Ação de Graças, com a ameaça implícita de que a resistência contínua poderia significar o fim do apoio americano. “Se as coisas estão indo bem, tendemos a estender os prazos”, comentou Trump em uma entrevista de rádio, “mas quinta-feira é o prazo final”.
Mas Zelensky ainda não desistiu. Em um discurso contundente, no qual reconheceu a gravidade do momento, ele jurou que a Ucrânia defenderia sua soberania e dignidade. “Desde os primeiros dias da guerra, mantivemos uma posição clara: a Ucrânia precisa de paz em termos que respeitem nossa independência, nossa soberania e a dignidade do povo ucraniano”, afirmou. Os líderes europeus se uniram em apoio à Ucrânia, embora em declarações cuidadosamente elaboradas para evitar antagonizar o governo Trump. A chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, afirmou que a Rússia “não tem qualquer direito legal a concessões do país que invadiu”. O chanceler alemão Friedrich Merz, o presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer prometeram seu “apoio total e inabalável” à busca da Ucrânia por uma “paz justa e duradoura”. Autoridades europeias, surpreendidas pelas negociações entre EUA e Rússia, agora se apressam para apresentar suas próprias contrapropostas.
A Rússia, previsivelmente, acolheu bem a proposta, com o presidente Vladimir Putin anunciando que o plano “poderia servir de base para um acordo de paz definitivo”, ao mesmo tempo que alertava que, caso a Ucrânia não negociasse, as forças russas continuariam sua ofensiva e tomariam mais cidades. No início deste ano, Putin proclamou que russos e ucranianos são “um só povo” e que “toda a Ucrânia é nossa”, um eco arrepiante de ambições imperiais, tornando qualquer acordo de paz, na melhor das hipóteses, precário.
A tragédia da Ucrânia é consequência não apenas da agressão russa, mas também de um erro de cálculo sobre as leis implacáveis da geografia. Os líderes ucranianos apostaram que o apoio ocidental seria suficiente para deter ou derrotar a Rússia, que a adesão à OTAN estava à vista e que a determinação e o direito internacional poderiam superar a geografia. Estavam enganados. A distância entre Kiev e Moscou, as queixas históricas, os imperativos estratégicos – tudo conspirou para tornar esse confronto inevitável assim que a Ucrânia se aproximou do Ocidente.
Como observou Michael O’Hanlon, da Brookings Institution, “Abrir mão voluntariamente de qualquer território quando a Rússia já se apropriou de 19% da Ucrânia desde 2014 parece completamente ilegítimo”. A dura realidade, porém, é que a Ucrânia talvez não tenha escolha. A geografia impôs seu veredito. Fronteiras, como a Ucrânia está aprendendo a um custo terrível, são o destino. E aqueles que desafiam esse destino — por mais nobres que sejam suas aspirações — muitas vezes colhem sofrimento imensurável. A questão agora não é se a Ucrânia fez a escolha certa ao buscar a integração ocidental, mas quanto mais será forçada a sacrificar antes de reconhecer o que a geografia já ditava.
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