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A questão palestina não se resume a Gaza: além das manchetes, uma crise sistêmica

26 de novembro de 2025, às 04h21

Forças israelenses tomam medidas de segurança enquanto israelenses, sob a proteção da polícia israelense, realizam uma incursão na cidade de Hebron, Cisjordânia, em 22 de novembro de 2025. [Wisam Hashlamoun/ Anadolu Agency]

Quando confrontos eclodem em Gaza, a atenção global se intensifica. Imagens de destruição dominam os noticiários, declarações políticas se multiplicam e iniciativas diplomáticas proliferam. No entanto, assim que a violência diminui, o engajamento internacional se dissipa com a mesma rapidez. Esse padrão recorrente não decorre da resolução de conflitos, mas de um mal-entendido fundamental: o mundo reage às escaladas visíveis enquanto ignora o sistema mais profundo que as produz. Gaza ocupa as manchetes, mas representa apenas um fragmento de uma crise muito mais ampla e arraigada. O foco restrito na Faixa distorce o panorama político geral e obstrui soluções sustentáveis.

Por que o mundo cai na armadilha do “Gazacentrismo”?

Gaza domina a cobertura internacional não por representar toda a questão palestina, mas por ser o componente mais facilmente enquadrado dessa questão. A densidade populacional, a destruição cíclica e o isolamento geográfico da Faixa permitem que a mídia global a apresente como uma emergência autossuficiente. Para os formuladores de políticas, ela oferece uma narrativa simplificada: um território definido, atores claros e uma crise humanitária visível. Essa simplicidade torna Gaza “legível” de maneiras que a experiência palestina mais ampla não é.

Em contraste, a realidade na Cisjordânia é burocrática, fragmentada e visualmente difícil de perceber. As complexidades legais de Jerusalém Oriental — onde o deslocamento ocorre por meio de medidas administrativas — raramente atraem a atenção global. Os palestinos com cidadania israelense desafiam as categorias binárias e complicam as narrativas convencionais de conflito. Enquanto isso, refugiados no Líbano, na Síria e na Jordânia sofrem uma crise normalizada por décadas de inação. Essa fragmentação permite que Gaza se torne um atalho enganoso que ofusca as dimensões interconectadas da realidade palestina.

As cinco realidades palestinas

Compreender a natureza sistêmica do conflito exige reconhecer que os palestinos vivem em cinco estruturas sociopolíticas distintas, cada uma produzindo formas diferentes, porém inter-relacionadas, de marginalização.

Refugiados na diáspora:

Milhões de deslocados desde 1948 vivem em condições de temporalidade suspensa. Seu status legal permanece precário, com perspectivas socioeconômicas severamente limitadas. A erosão gradual do compromisso internacional transformou seu sofrimento em uma crise persistente, porém negligenciada.

Palestinos dentro de Israel (Árabes de 1948):

Embora formalmente cidadãos, eles sofrem discriminação institucional. Restrições na alocação de terras, moradia e participação política reforçam uma hierarquia incorporada na estrutura institucional do Estado, criando uma tensão fundamental entre cidadania e identidade nacional.

Palestinos na Cisjordânia:

Aqui, o controle é exercido por meio de um extenso aparato administrativo. O regime de permissões, a expansão dos assentamentos, as restrições de movimento e as demolições de casas moldam o cotidiano. Essas medidas funcionam não como ações de segurança temporárias, mas como mecanismos permanentes que definem as realidades espaciais, econômicas e demográficas.

Palestinos em Gaza:

A Faixa de Gaza vive sob um bloqueio que restringe a circulação, o comércio e o desenvolvimento. O desemprego crônico, a infraestrutura precária e as repetidas operações militares criam uma emergência humanitária permanente — contudo, o discurso internacional frequentemente reduz Gaza a uma mera questão de segurança.

Palestinos em Jerusalém:

Eles habitam um espaço de ambiguidade jurídica. Os direitos de residência estão sujeitos a revogação, as moradias permanecem vulneráveis ​​à expropriação e o planejamento urbano diminui sistematicamente a presença palestina por meio de medidas burocráticas calculadas.

Coletivamente, essas realidades revelam que a questão palestina não é uma simples disputa territorial, mas um sistema multifacetado de gestão populacional.

A face oculta da ocupação: a burocracia como controle

Enquanto os debates internacionais se concentram em foguetes e cessar-fogos, a base do sistema reside em seus mecanismos burocráticos. O regime de permissões funciona não apenas como segurança, mas como uma estrutura que fabrica dependência e reforça assimetrias de poder. Demolições de casas operam dentro de estruturas de planejamento que restringem o desenvolvimento palestino.

Ao mesmo tempo que permite a expansão dos assentamentos, o controle sobre a água, a terra e a circulação transforma recursos essenciais em instrumentos de pressão.

Essa dimensão burocrática permanece em grande parte invisível para observadores externos, mas molda decisivamente o cotidiano palestino. Sua eficácia reside na regulação da existência por meio de procedimentos administrativos, em vez de força ostensiva. O efeito cumulativo é um padrão previsível de fragmentação e instabilidade, mesmo sem conflitos abertos.

Conclusão: A necessidade de uma perspectiva sistêmica

A questão palestina transcende Gaza. A Faixa representa a manifestação mais visível de uma estrutura mais ampla que abrange a Cisjordânia, Jerusalém, os cidadãos palestinos de Israel e os refugiados em toda a região. Iniciativas políticas que isolam Gaza de seu contexto ou priorizam cessar-fogos em detrimento de reformas estruturais inevitavelmente fracassarão. Uma abordagem viável deve reconhecer a natureza interconectada dessas realidades e abordar os mecanismos que as sustentam.

Para os atores internacionais — incluindo a Rússia, que busca um papel regional estabilizador — o desafio reside na transição da gestão de crises para o enfrentamento das causas profundas. A abordagem atual de tratar os sintomas sem curar a condição subjacente garante apenas novos ciclos de violência e instabilidade. A paz sustentável exige o desmantelamento do próprio sistema, e não apenas a gestão de suas explosões periódicas.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.