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Como a academia perpetua a ignorância americana

24 de novembro de 2025, às 02h32

O ativista palestino Mahmoud Khalil, graduado pela Universidade Columbia e libertado da custódia do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos), e sua esposa, Noor Abdalla, discursam e participam de um protesto nos degraus da Catedral de São João Divino, em Manhattan, Nova York, Estados Unidos, no domingo, 22 de junho de 2025. [Selçuk Acar/ Anadolu Agency]

Em 8 de março de 2025, agentes do Departamento de Segurança Interna sequestraram Mahmoud Khalil quando ele voltava para casa após jantar com sua esposa. Khalil escreve:

“…aqueles que permitiram que eu fosse alvo permanecem confortavelmente na Universidade Columbia… Columbia me escolheu como alvo por meu ativismo, criando um novo escritório disciplinar autoritário para burlar o devido processo legal e silenciar estudantes que criticam Israel. Columbia cedeu à pressão federal ao divulgar registros de estudantes ao Congresso e ao ceder às últimas ameaças do governo Trump.”

Sua experiência aponta para um entrelaçamento mais profundo entre instituições acadêmicas e o poder estatal. Durante a era McCarthy, professores suspeitos de simpatias comunistas eram vigiados, colocados em listas negras ou demitidos, criando um efeito inibidor sobre a produção acadêmica radical. A historiadora Ellen Schrecker argumenta em seu livro, “No Ivory Tower: McCarthyism and the Universities” (Sem Torre de Marfim: O Macartismo e as Universidades), que as universidades americanas não foram meramente vítimas, mas participantes ativas na perseguição de professores de esquerda. Elas usaram o clima político para expurgar vozes dissidentes.

Ao mesmo tempo, como documenta o historiador David Engerman, agências governamentais americanas e fundações privadas, como a Ford e a Rockefeller, financiaram pesquisas acadêmicas com o objetivo explícito de combater o comunismo no país e no exterior. Programas de Estudos de Área, como Estudos Soviéticos e Estudos do Leste Asiático, foram fortemente subsidiados para gerar conhecimento útil para a política da Guerra Fria. Essa produção acadêmica rotineiramente retratava as sociedades comunistas como repressivas e atrasadas.

Grande parte da análise da Guerra Fria emergiu das pressões institucionais e políticas do que Ron Robin chama de “complexo militar-intelectual”. Isso forneceu justificativa intelectual para gastos maciços com defesa e para uma estratégia global de contenção. O resultado não foi meramente o silenciamento de certos acadêmicos. Foi a construção de um conhecimento que se encaixava perfeitamente nos objetivos da política externa dos EUA, onde estudantes americanos aprenderam a ver os Estados Unidos como defensores da liberdade e a assumir a manutenção do capitalismo como um bem universal. Essa produção de conhecimento foi acompanhada pela ausência de questionamento sobre a violência estrutural das intervenções americanas no exterior, um silêncio que minimizou e ignorou tal violência.

Essa dinâmica entre instituições produtoras de conhecimento e o Estado permanece firme no presente. Em 2025, em uma ação que lembra o macartismo, a Universidade da Califórnia, Berkeley, entregou ao governo Trump os nomes de 160 professores e alunos como parte de uma investigação sobre “supostos incidentes antissemitas”. Esse tipo de policiamento político faz parte de um padrão mais amplo que sustenta o que só pode ser descrito como ignorância americana.

Isso não significa que os americanos careçam de informação. É algo mais pernicioso do que isso. A ignorância americana refere-se a um conjunto de crenças falsas e/ou incompletas sobre os Estados Unidos, crenças moldadas pelo status da América como potência global e pela recusa coletiva dos americanos em confrontar os danos que seu país inflige a outros. Muitos americanos nutrem uma convicção (falsa/incompleta) e inabalável de que as intervenções dos EUA no exterior são guiadas por ideais nobres, como democracia e liberdade. Quando essas intervenções resultam em devastação, como acontece repetidamente, as consequências são percebidas coletivamente como erros isolados, em vez de um padrão de violação de direitos. O conhecimento, os testemunhos e as experiências vividas por pessoas do Sul Global são desconsiderados como tendenciosos ou irrelevantes. Há uma arrogância em manter a ignorância americana.

As universidades desempenham um papel central na manutenção da ignorância americana. Seu principal compromisso não é com o livre fluxo de ideias, mas com a preservação de sua legitimidade dentro da ordem política que as financia e protege. As universidades permitem o debate apenas quando ele não desafia os interesses estratégicos dos EUA. Quando adotam os argumentos do governo, como equiparar o ativismo palestino ao apoio ao Hamas, elas funcionam como extensões do poder estatal. Isso mina seu papel como espaços independentes de investigação e os transformou em veículos para legitimar a política experna dos  Estados Unidos.

Os eventos recentes na CUNY ilustram como a exceção palestina molda e distorce o cenário acadêmico de maneiras profundamente racializadas e políticas. Em fevereiro de 2025, o The New York Post noticiou que o Hunter College estava buscando contratar um(a) pesquisador(a) para a área de Estudos Palestinos. O anúncio da vaga dizia: “Buscamos um(a) pesquisador(a) com sólida formação histórica que adote uma perspectiva crítica sobre questões pertinentes à Palestina, incluindo, entre outras: colonialismo de assentamento, genocídio, direitos humanos, apartheid, migração, devastação climática e de infraestrutura, saúde, raça, gênero e sexualidade”. Pouco depois, a governadora de Nova York, Kathy Hochul, interveio para cancelar a vaga. Segundo o gabinete de Hochul, “Retórica de ódio de qualquer tipo não tem lugar na CUNY ou em qualquer lugar do estado de Nova York”, citando o uso de termos como “colonialismo de assentamento”, “genocídio” e “apartheid” como ataques antissemitas. Quando esse tipo de emprego não existe, cursos que parecem desafiar a política externa dos EUA também são efetivamente eliminados. Como resultado, os estudantes são incentivados a desvalorizar o conhecimento de comunidades marginalizadas que se manifestam em apoio à Palestina, reforçando as limitações do nosso espírito político e social.

Essa rotulação deliberada das experiências palestinas como “antissemitas” é fundamental para a forma como a ignorância americana se torna sistêmica. Quando as universidades reduzem as guerras no Oriente Médio a problemas de “islamismo político”, elas ensinam gerações de estudantes que algumas histórias podem ser descartadas como simplistas (os muçulmanos nos odeiam) e que alguns sofrimentos são controversos demais para serem nomeados. Com o tempo, essa rotulação se cristaliza em senso comum: nossos estudantes acreditam que nosso país age no exterior em defesa da liberdade e da democracia. Os danos e as contradições são filtrados antes mesmo de entrarem no corpo do conhecimento legítimo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.