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Che Guevara e a Palestina: Quando a revolução latino-americana encontrou o espírito da resistência palestina

27 de outubro de 2025, às 03h15

Che Guevara. [por Alberto/wikipedia]

Há mais de meio século, em 9 de outubro de 1967, o fuzil do revolucionário argentino Ernesto “Che” Guevara silenciou nas montanhas bolivianas. No entanto, o eco de suas palavras permanece vivo em todo o Sul Global, dos Andes aos campos de refugiados de Gaza.

Hoje, 58 anos após sua morte, a pergunta retorna: o que conectou o médico argentino que lutou nas selvas cubanas com o povo palestino, que resistiu à ocupação por décadas? A conexão foi meramente simbólica ou Che deixou uma marca tangível no pensamento revolucionário palestino?

De Buenos Aires à Sierra Maestra e à Gaza

Ernesto Guevara de la Serna — mais tarde conhecido simplesmente como Che — nasceu na Argentina em 1928. Ele abandonou seus estudos de medicina em busca do que chamou de “curar o mundo da injustiça”. Sua jornada pela América Latina o transformou em uma das figuras-chave da Revolução Cubana de 1959, que derrubou o regime de Batista, apoiado pelos EUA.

Mas Guevara não estava satisfeito com a vitória de Cuba. Ele acreditava que a verdadeira revolução não conhece fronteiras, declarando que “toda verdadeira revolução é uma guerra de libertação contra o colonialismo”.

Essa visão internacionalista acabaria por preparar o cenário para um encontro simbólico entre ele e a Palestina. Em junho de 1959, apenas alguns meses após o triunfo da Revolução Cubana, Che Guevara chegou à Faixa de Gaza, então sob administração egípcia. Embora sua visita tenha durado apenas dois dias, ela teve um significado profundo. Ele visitou os campos de refugiados de Al-Bureij e Al-Nuseirat, encontrou-se com as primeiras figuras da resistência palestina e visitou vários campos de treinamento na Faixa de Gaza.

Fotografias dele entre as tendas de refugiados circularam rapidamente em jornais internacionais, colocando a Palestina no mapa dos “movimentos globais de libertação”. A visita de Che uniu a luta contra o imperialismo na América Latina com a luta contra o colonialismo sionista no Oriente Médio. Ele foi o primeiro líder mundial a tratar os palestinos como um movimento de libertação nacional, não apenas uma questão humanitária.

O historiador e pesquisador palestino Salman Abu Sitta descreveu posteriormente a visita como “um evento histórico que marcou o início da internacionalização da causa palestina”.

De Guevara aos fedayin: Raízes profundas no pensamento e na prática

Durante as décadas de 1960 e 1970, facções palestinas — especialmente a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), começaram a adotar a retórica internacionalista inspirada nas ideias de Che. Seu retrato foi erguido em campos de refugiados, ao lado de cânticos de seu lema imortal: “Hasta la victoria siempre — Até a vitória, sempre”.

Muitos quadros palestinos foram treinados de acordo com a teoria do foco (foco significa um pequeno núcleo revolucionário) — a estratégia que Che desenvolveu em Cuba e na Bolívia: pequenos grupos de vanguarda capazes de desencadear uma revolta em massa. Alguns campos de treinamento palestinos no Líbano chegaram a ser chamados de “Campo Che Guevara”.

Até hoje, o nome de Che permanece gravado na memória popular palestina: ruas e cafés em Gaza e na Cisjordânia levam seu nome; murais o retratam ao lado de Gamal Abdel Nasser e Yasser Arafat; e no campo de refugiados de Nuseirat fica o Clube Cultural Che Guevara, fundado por jovens de esquerda na década de 1990.

Embora sua influência seja frequentemente descrita como simbólica, historiadores observam que tal simbolismo é parte essencial do próprio poder revolucionário. Todo movimento de libertação precisa de ícones que transcendem a geografia para inspirar outros.

No 58º aniversário de sua morte, as palavras de Che ainda ecoam nos muros de Gaza e da Cisjordânia: “Se eu voltar, voltarei com todos os pobres que acreditaram em mim”.

Talvez seja por isso que um grafiteiro em Khan Younis escreveu certa vez abaixo de seu retrato: “Guevara não morreu na Bolívia… ele vive em cada rua que resiste à ocupação”.

Conclusão: Quando as revoluções se cruzam

A história de Che Guevara com a Palestina não foi uma visita diplomática passageira, mas sim um encontro simbólico de duas revoluções que compartilhavam o mesmo objetivo: a liberdade.

Das montanhas da Sierra Maestra aos campos de refugiados de Gaza, Che personificou a ideia de que a revolução não tem nacionalidade e que a justiça é indivisível. “Onde quer que haja injustiça”, disse ele certa vez, “é dever de todo ser humano combatê-la”.

Em sua memória, repetimos suas próprias palavras, que permanecem tão urgentes hoje como sempre: “Não se pode confiar no imperialismo, nem por um segundo”. “Hasta la victoria siempre – Até a vitória, sempre”.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.