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Flotilha humanitária a Gaza: O que é preciso saber sobre ‘sumud’?

Comboio naval, na esperança de romper o cerco israelense, tomou seu nome do conceito palestino de resistência

24 de setembro de 2025, às 01h57

A Flotilha Global Sumud atraiu atenção em todo o mundo em seu esforço para levar ajuda a Gaza apesar do cerco militar de Israel. Com centenas de ativistas de dezenas de países, a iniciativa civil é o maior comboio marítimo a viajar ao enclave sitiado desde que eclodiu o genocídio, em outubro de 2023.

Suas embarcações foram alvejadas por drones ainda ancoradas na Tunísia, nos dias 8 e 9 de setembro, com o governo local descrevendo os disparos como “premeditados”. Israel não comentou os ataques, salvo ameaças, mas tem atacado ou interceptado flotilhas a Gaza desde 2010, quando seus comandos invadiram o navio Mavi Marmara, matando dez ativistas turcos.

Neste ano, dois outros barcos civis, o Madleen e o Handala, foram invadidos por soldados israelenses, em águas internacionais.

Examinamos a seguir o aspecto de sumud, palavra em árabe a qual a flotilha tomou como nome.

LEIA: complementada por nós – Novos barcos se juntam à flotilha que busca romper o cerco a Gaza

O que é sumud para os palestinos?

Sumud costuma se traduzir do árabe como “perseverança”, “resiliência” ou “resistência”. No contexto palestino, costuma ser empregue para se referir a atos de resistência do dia a dia, frente à limpeza étnica de Israel nos territórios ocupados.

Para alguns palestinos, uma das manifestações de sumud é reconstruir casas destruídas pelas bombas de Israel. Para outros, é se manter firme diante dos checkpoints militares instalados na Cisjordânia ocupada, com restrições severas ao direito de ir e vir.

Para a diaspora, sumud é também mobilizar boicote a empresa cúmplices da ocupação e do apartheid, como na campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)

De onde vem a palavra sumud?

Palestinos resistem há décadas a seu próprio apagamento. Em 1948, durante a Nakba — em árabe, catástrofe —, milícias sionistas destruíram ao menos 530 cidades e aldeias, ao matarem cerca de 13 mil palestinos nativos e deslocar à força outros 800 mil. Os eventos culminaram na formação unilateral de Israel em maio daquele ano.

Contudo, o uso moderno de sumud se pode traçar ao período posterior à guerra de 1967, quando Israel capturou ilegalmente Cisjordânia, Gaza e Jerusalém, bem como as colinas sírias de Golã e a península egípcia do Sinai. Cerca de 300 mil palestinos se viram, outra vez, deslocados à força, no que se tornou conhecido como Naksa — ou revés.

O regime israelense então passou a encorajar a construção de assentamentos em terras palestinas expropriadas, ao reprimir, concomitantemente, liberdades civis dos palestinos nativos.

Israel chegou ao ponto de banir a bandeira nacional palestina e mesmo suas cores. Com os Acordos de Oslo, em 1993, a lei foi rescindida, mas retomada, em parte, em janeiro de 2023, sob ordens do ministro extremista Itamar Ben-Gvir.

Neste entremeio, sumud foi adotado como conceito nacional e promovido por entidades de resistência, como a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), entre o fim dos anos 1960 e a década de 1970.

Quais os símbolos do sumud?

O sumud costuma ser representado por uma árvore de oliveira, colheita histórica para os palestinos e importante parte de sua vida campesina. Oliveiras palestinas são, portanto, regularmente atacadas por soldados e colonos israelenses, conforme avanços em Gaza e na Cisjordânia desde 1967.

Replantar oliveiras é, então, substancial à cultura palestina — um ato diário de sumud.

Quais os diferentes tipos de sumud?

Alguns palestinos distinguem entre dois tipos de sumud: estático e resistência, ou sumud muqawim. O primeiro se concentra em permanecer na terra, apesar da ocupação e dos ataques coloniais. O segundo é mais ativo, ao incorporar desobediência civil como parte da resistência palestina.

Durante a Primeira Intifada, os levantes palestinos de 1987 a 1993, ações de resistência associadas ao sumud incluíram greves, boicotes, protestos e recusa em pagar impostos à ocupação.

Como o sumud se apresenta nas artes e na literatura?

O conceito de sumud costuma se associar ao trabalho da advogada, ativista e escritora palestina Raja Shehadeh, entre outros. Em seus diários da Cisjordânia, dos anos 1980, o sumud se apresenta como “terceira via”, contra à opressão de Israel, “entre a submissão silenciosa e o ódio cego”, entre a violência e a capitulação passiva.

Em seu livro A terceira via, de 1982, escreveu Shehadeh: “Sumud é ver sua casa se tornar uma prisão; escolher ficar porque é sua casa e porque teme que, se sair, seus carcereiros não deixarão você voltar”.

Noções mais contemporâneas de sumud vão além. Entre exemplos, Sumud: Uma leitura palestina, antologia de mais de 300 autores sobre a resistência. Como diz seu prefácio, o sumud “é, acima de tudo, um valor cultural palestino de perseverança cotidiana, frente à ocupação”.

“É tanto um compromisso pessoal como coletivo; pessoas decididas em viver suas vidas, apesar do ambiente de opressões que se impõe a elas”.

O que os organizadores dizem sobre sumud?

Saif Abukeshek, porta-voz da flotilha, destacou ao Middle East Eye que, antes de zarpar, o nome foi definido como homenagem à histórica resistência palestina.

“Olhamos aos palestinos que vivem sob ocupação há 78 anos, sob a presente fase de seu genocídio há 22 meses — que ainda resistem, continuam na terra e acordam toda manhã olhando adiante, em busca de um novo dia”, comentou Abukeshek.

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“O nome disso é resiliência. O nome disso é sumud”, concluiu. “Para nós enfrentar todos os desafios exige resiliência — e somos inspirados pelo povo palestino”.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 16 de setembro de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.