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Com novo pacto de investimento, Índia amarra sua economia ao Estado de Israel

23 de setembro de 2025, às 07h54

Governistas na Índia carregam bandeiras israelenses em ato em Nova Delhi, em 15 de outubro de 2023 [Pradeep Gaur/SOPA Images/LightRocket via Getty Images]

A Índia assinou há pouco um pacto histórico de investimentos com Israel. Denominado Acordo de Investimento Bilateral (BIA, em inglês), o contrato visa fomentar a confiança de investidores e conferir maior fluidez a transações entre os países.

Na cerimônia de assinatura em Nova Delhi, em 8 de setembro, o militante colonial e ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, insistiu que o acordo “abrirá novas portas a investidores indianos e israelenses, fortalecerá nossas exportações e gerará empregos a ambos os lados, com garantias e ferramentas para desenvolver um dos mercados que mais cresce no mundo”.

“A Índia é uma potencial econômica em ascensão e a cooperação é uma oportunidade tremenda a Israel”, acrescentou.

Em nota, o governo indiano do primeiro-ministro Narendra Modi alegou que o acordo reflete “o compromisso compartilhado rumo a uma maior cooperação econômica, e a criar um ambiente de negócios mais robusto e resiliente”.

Em suma, o pacto amarra as economias de Israel e Índia uma à outra, a perder de vista. Não apenas é o primeiro acordo do tipo entre a Índia e um Estado “ocidental”, membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como leva à mesa a possibilidade de um acordo de livre comércio entre as partes.

É claro, se trata de dinheiro e segurança econômica.

Ao que parece, um eminente objetivo deste acordo é proteger investimentos do grupo Adani no porto israelense de Haifa, assim como tentar manter vivo o Corredor Índia — Oriente Médio (IMEC), que liga o país sul-asiático aos mercados ocidentais. Avalizado por Washington, como resposta à Nova Rota da Seda, de Pequim, o IMEC, no entanto, encara sucessivos obstáculos desde que Israel deflagrou seu genocídio em Gaza.

Contudo, dado o momento da assinatura deste acordo, trata-se igualmente de política, diplomacia e demonstração de força e confiança.

É ainda um veículo para um projeto em curso, voltado a facilitar a integração financeira de Índia e Israel ao Oriente Médio.

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Investimento e genocídio

Desde outubro de 2023, Israel matou, feriu e mutilou cerca de 200 mil pessoas na Faixa de Gaza. Toda uma população, ou dois milhões de pessoas, é tomada pela fome, criada deliberadamente por um bloqueio encomendado pelo regime israelense.

Frente às cenas de Gaza, milhões em todo o mundo tomaram as ruas.

Alguns governos levaram Israel ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, ao indiciá-lo por genocídio. Outros firmaram embargo de armas. A Colômbia, por exemplo, decidiu congelar a exportação de carvão a Israel. Centenas de civis zarparam em dezenas de barcos carregando assistência humanitária a Gaza, incluindo comida e medicamentos, na esperança de romper o cerco.

Ao receber o ministro Smotrich e assinar um pacto econômico neste momento, a Índia não somente sinalizou apoio a Israel, mas acabou por vincular seu destino econômico e político à ocupação. Ao se tratar de Smotrich, banido de cinco países ocidentais por sua incitação racista contra palestinos da Cisjordânia, e cujo mandado de prisão já repousa sobre a mesa no Tribunal Penal Internacional (TPI), também em Haia, as ações indianas são ainda mais deploráveis.

Com crescente isolamento de Israel na Europa, a Índia ofereceu um ombro amigo, em termos de proteção e alternativa econômicas e securitárias. A medida abarca crescente aproximação entre as partes na última década — mesmo durante o genocídio. De fato, laços econômicos e culturais não desaceleraram, à medida que a Índia emprestou mão de obra aos colonatos de Israel, para compensar a revogação de vistos de palestinos da Cisjordânia, para além de assinar acordos acadêmicos e fabricar na imprensa cobertura e consentimento ao genocídio.

‘Interesse nacional’

Há mais de uma década, a Índia é o maior comprador de armas israelenses do mundo, sem deixar que o genocídio afetasse a gastança.

Nos últimos dois anos, ambos os países assinaram acordos em setores como tecnologia hídrica, segurança digital e agricultura — indústrias inteiras construídas sobre as costas arqueadas dos palestinos sob brutal ocupação.

Em 2024, trocas comerciais entre Índia e Israel chegaram a US$4 bilhões. Investimentos mútuos foram estimados em US$800 milhões, com o grosso no setor militar. A Índia, de sua parte, exportou joias, minerais, químicos e bens de engenharia, em troca de armas, maquinário fertilizante.

Além disso, a Índia aprovou uma crescente coprodução de armas, desenvolvidas por Israel, em fábricas de todo país. Desde outubro de 2023, empresas indianas enviaram drones de combate, foguetes e explosivos para reabastecer o genocídio. No fim do ano passado, a rede Middle East Eye revelou que o sistema de armamentos por inteligência artificial (AI) usado pela infantaria israelense em Gaza foi cofabricado pela Índia.

Diante das críticas, o Ministério de Relações Exteriores em Nova Delhi apegou-se à tese de “interesse nacional”. A certa altura, alegou o chanceler, Subrahmanyam Jaishankar: “A questão das exportações da Índia, incluindo quaisquer exportações com implicações diretas ou indiretas no campo militar, é guiada por nossos interesses nacionais, assim como nossos compromissos com diversos governos. Sobre Israel, é um país com quem temos um forte histórico de cooperação em segurança. É também um país que ficou ao nosso lado diante de diferentes ameaças”.

Sobre os mandados de prisão emitidos pelo TPI contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, Jaishankar insistiu que, dado que a Índia não é signatária da corte, não exige posição formal.

O acordo de proteção de investimentos, portanto, abrange esforços por um ambiente mais eficaz a novas parcerias entre ambas as partes. A conta fecha.

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Afinidade ideológica

Como Estados marcados pelas ideologias supremacistas do sionismo e do nacionalismo hindu (Hindutva), Israel e Índia promovem uma agenda de exclusão e expansionismo. É notório o paralelo, por exemplo, nos assentamentos exclusivamente judaicos em terras ocupadas da Cisjordânia e a busca por análogos hindus na Caxemira. O mesmo se nota na Lei de Estado-nação e no Ato de Emenda de Cidadania (CAA), que tornam a filiação ao Estado, em Israel e Índia, respectivamente, contingente à religião.

Tamanha agenda autoritária se manifesta ainda em regimes de vigilância, uso arbitrário de leis de contraterrorismo, contra críticos e dissidentes, e violência militar, em ambos os casos, contra cidadãos comuns.

Na Caxemira, o Estado indiano impôs uma rede ampla de câmeras de segurança, assim como delatores locais e mesmo invasões de casas de jornalistas e ativistas, no objetivo de instaurar um clima de medo e silêncio por todo o vale.

E, como se tornou norma, é também evidente nas tentativas compartilhadas de impor mudanças demográficas ao marginalizar comunidades, demolir casas e atacar locais de culto. Tanto Índia quanto Israel veem essas táticas como estratégia para dar como fato consumado seus respectivos etnoestados.

Com o novo acordo, o vínculo se torna ainda mais institucionalizado.

A investidores, oligarcas e lideranças políticas, transmite a mensagem: a Índia não tem problema em fazer negócios com quem conduz um genocídio. Ao assinar o acordo, o país expressa compromisso com o futuro de Israel. Para ultranacionalistas hindus, é um marco significativo.

Contudo, para aqueles em todo o mundo que se importam com os direitos humanos, a justiça e a democracia, o que se testemunha é a um dos líderes do chamado Sul Global escolhendo comércio, guerra e supremacismo sobre as vidas palestinas. Para o restante do mundo, confirma que alguns não apenas enriquecem com a ocupação, a violência e o apartheid, como também com o genocídio.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 14 de setembro de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.