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Israel diz ter matado porta-voz militar do Hamas; quem é Abu Obeida?

Uma proeminente figura do movimento palestino Hamas foi supostamente morta em um bombardeio a uma residência na Cidade de Gaza

2 de setembro de 2025, às 06h16

Abu Obeida, porta-voz das Brigadas Izz al-Din al-Qassam, braço armado do movimento palestino Hamas, durante pronunciamento em Rafah, no sul de Gaza, em 31 de janeiro de 2017 [Ali Jadallah/Agência Anadolu]

Israel afirmou neste domingo (31) ter matado Abu Obeida, porta-voz militar do movimento palestino Hamas. Em postagem na rede social X (Twitter), o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, alegou que Abu Obeida — nome de guerra — foi assassinado por um ataque aéreo a uma residência na Cidade de Gaza, no dia anterior.

O Hamas não comentou imediatamente as alegações.

Abu Obeida é considerado uma das figuras públicas mais proeminentes do grupo palestino e serviu, por quase duas décadas, como porta-voz das Brigadas Izz al-Din al-Qassam, braço armado do Hamas. Ganhou renome rapidamente após a ação transfronteiriça de 7 de outubro de 2023 e ao longo do subsequente genocídio israelense em Gaza.

Abu Obeida se tornou conhecido por pronunciamentos gravados, com um lenço característico sobre o rosto, nos quais transmitia atualizações sobre o campo de batalha, bem como sua versão dos fatos sobre as operações da resistência armada contra a ocupação de Israel.

Israel tentou assassiná-lo diversas vezes nos últimos 20 anos, incluindo ao menos duas vezes ao longo da campanha em curso.

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Os Estados Unidos lhe impuseram sanções em abril de 2024, ao rotulá-lo como “chefe de guerrilha informacional” do Hamas. Segundo o Departamento do Tesouro americano, Abu Obeida liderava um “departamento de influência cibernética das Brigadas al-Qassam”, envolvido em “domínios e servidores radicados no Irã, para abrigar o website de sua organização, em cooperação com entes locais”.

No entanto, tornou-se herói para muitos do chamado mundo árabe, com seu nome entoado em protestos pró-Palestina e cantos feitos em sua honra.

Porta-voz militar 

Sempre aparecendo em condições de anonimato, com seu rosto coberto por um kefiiyeh vermelho, pouco se sabe sobre a vida pessoal de Abu Obeida. O Hamas jamais revelou seu nome, seu rosto ou sua biografia.

Em entrevista realizada em 2005, Abu Obeida confirmou que sua família fora expulsa por milícias sionistas da Palestina histórica durante a Nakba de 1948 — ou “catástrofe”, como os palestinos chamam a criação de Israel mediante limpeza étnica planejada. Então, conforme seu relato, foram reassentados em uma aldeia não-identificada de Gaza.

Na ocasião, Abu Obeida sugeriu ter pouco mais de 20 anos, com seu nascimento estimado em meados dos anos 1980.

Em 2014, fontes do Hamas reiteraram que somente um punhado de pessoas conhecia sua verdadeira identidade. Abu Obeida adotou o pseudônimo durante a Segunda Intifada, entre 2000 e 2005, quando apareceu pela primeira vez. Sua primeira aparição como porta-voz das Brigadas al-Qassam é de outubro de 2004, quando conduziu uma coletiva de imprensa durante uma invasão por terra de Israel ao norte de Gaza.

O nome provavelmente alude a Abu Ubaidah ibn al-Jarrah, companheiro do Profeta Muhammad e lendário comandante muçulmano.

Seu papel como parte do gabinete de comunicação do Hamas foi formalizado ainda em de 2004. Desde então, serviu como único porta-voz militar do grupo, com pronunciamentos e informes transmitidos pelo website do Hamas e mídias afiliadas.

Suas aparições públicas costumam se dar durante agressões de Israel: a figura já folclórica de Abu Obeida raramente surge fora de incidentes de guerra.

Abu Obeida foi quem anunciou a captura do soldado israelense Gilad Shalit, em 2006, que culminou em um importante acordo de troca de prisioneiros. Foi também o primeiro a informar a captura de outro soldado, Shaul Aron, durante a agressão a Gaza de 2014, quando desmentiu a negativa de Tel Aviv ao revelar seu número de identidade.

“Como é que o inimigo pode esconder o desaparecimento do soldado Shaul Aron cujo número de identidade é 6092065?”, declarou Abu Obeida em vídeo. “É agora prisioneiro de guerra em custódia do Hamas”.

No mesmo ano, o site israelense Ynet News divulgou o nome “Hudhayfa Samir Abdallah al-Kahlut” e uma fotografia atribuídos a Abu Obeida, na tentativa de “remover sua aura”. Em outubro de 2023, Avichay Adraee, então porta-voz militar de Israel, repetiu as alegações, em um vídeo nitidamente editado.

O Hamas negou a identificação, e os detalhes veiculados pela imprensa israelense jamais foram verificados independentemente.

Algumas das falas mais marcantes de Abu Obeida se deram na esteira da “Operação Tempestade de Al-Aqsa”, de 7 de outubro de 2023, que atravessou a fronteira e capturou colonos e soldados. Dois dias depois, afirmou que, para cada bombardeio israelense a edifícios residenciais ou civis inocentes, um prisioneiro israelense seria executado. Sua ameaça jamais foi a cabo.

Em comentário à parte, corroborou que o planejamento, com 4.500 agentes, três mil em campo, começou ainda em 2021, após os onze dias de campanha militar israelense contra Gaza, em maio. Detalhou objetivos da missão, como neutralizar a “Divisão de Gaza” do exército ocupante, parte do Comando Sul.

Dentre os alvos, ressaltou Abu Obeida, posições militares, incluindo dentro de 22 colonatos (kibutzim) no chamado envelope de Gaza.

Segundo o porta-voz, na ocasião: “Nosso planejamento e sua execução arrebatadora surpreenderam o inimigo. O inimigo sabe que enfrentou uma seríssima derrota estratégica. Após tamanho fracasso, retumbante, sem precedentes, decidiu cometer os mais hediondos crimes contra civis inocentes”.

O bombardeio israelense à Cidade Gaza no sábado, que supostamente “neutralizou” o porta-voz, deixou outros sete mortos, segundo a Defesa Civil palestina.

Desde o início do genocídio em Gaza, em outubro de 2023, Israel matou mais de 63 mil palestinos, feriu outros 150 mil e desabrigou ao menos dois milhões de pessoas — hoje, sob condições de cerco, destruição e fome.

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Estima-se que ao menos 80% dos mortos são civis, sobretudo mulheres e crianças. Mesmo dados israelenses, vazados recentemente, confirmam a proporção.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em dois textos sobre a matéria, de 31 de agosto e 1º de setembro de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.