A normalização com Israel parece ser hoje uma escolha político-ideológica, mas que esconde perigos reais ao Líbano e sua unidade nacional. Este artigo se dirige especialmente a cristãos que hesitam se opor a Israel ou pensam que a normalização com o Estado ocupante é inofensiva ou mesmo benéfica. Demonstramos a seguir que Israel é um projeto perigosíssimo para o Líbano e suas comunidades cristãs, e respondemos a algumas alegações comuns pró-normalização.
Quando surgiu o projeto sionista, este não se resumiu a propor a criação de um “Estado judeu” em terras palestinas, mas buscou expandi-lo ao Líbano e além. Ataques israelenses ao Líbano mesmo precedem a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Documentos mostram planos de longa data para anexar novos territórios no sul libanês e desestabilizar as fronteiras via “assentamentos agrários”.
É neste contexto que devemos compreender as sucessivas agressões militares de Israel a aldeias, infraestrutura e terras produtivas no sul do Líbano, para forçar os habitantes alvejados ora à submissão, ora à diáspora.
Israel opera ainda para alimentar tensões e divisões sectárias no país, incluindo ao conduzir operações de sabotagem e assassinato para incitar conflitos internos. No último ano, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu chegou a se dirigir, em pronunciamento, à população do país árabe, como “cristãos, sunitas, xiitas e drusos”, sem jamais mencionar o termo “libanês”. O objetivo é persuadir as comunidades a se verem mais como grupos distintos do que cidadãos de parte de uma única sociedade.
(Algo similar já ocorre na Palestina, com a criação de um etnoestado teocrata que confere cidadania somente a acólitos de uma única religião).
Essa visão de identitarismo busca, em último caso, desmantelar a sociedade no Líbano e em toda a região, ao fragmentá-la em pequenos bantustões empobrecidos, enfraquecidos e sem qualquer soberania própria, para que travem conflitos entre si enquanto seus recursos são livremente saqueados.
O Líbano e seus cristãos, em particular, podem aprender de experiências internacionais, sobretudo no Sudão, onde o colonialismo britânico incitou diferenças ao dividir a sociedade entre árabes e africanos, cristãos e muçulmanos, bem como entre tribos distintas. Autoridades chegaram mesmo a organizar um censo tribunal e denominacional entre a população — como os franceses fizeram no Líbano. Diferenças identitárias se exacerbaram, até a secessão dos cristãos sudaneses em 2011. Assim que a República do Sudão do Sul ganhou sua independência, eclodiu uma nova guerra civil, entre os próprios cristãos — precisamente como ocorreu no Líbano entre 1975 e 1990.
Não é coincidência que Israel apoiou milícias “cristãs” no Líbano e Sudão, assim como supostamente apoio “sunitas”, “drusos” e “curdos” na Síria e “xiitas” no Azerbaijão. Vemos essa coordenação, junto de Estados Unidos, com o projeto de desestabilização do novo governo na Síria, ao encorajar confrontos com comunidades drusas e alauítas.
Por outro lado, aceitar a “legitimidade” do Estado colonial sionista seria avalizar a ideia de que os cristãos na região são uma minoria a ser continuamente alvejada. Como argumentava o falecido patriarca Sfeir: “Israel não pode aceitar qualquer paz no Líbano porque a democracia em si é contrária à sua ideologia”.
Mesmo se considerarmos o Líbano como terra ancestral da cristandade, a ocupação e a pressão política-militar expressam dolo em expulsá-los. O êxodo compulsório dos cristãos palestinos é prova o bastante. Embora a propaganda israelense possa, porventura, dizer que o sionismo projeta os cristãos — ou alguns deles —, igrejas da Palestina têm reiteradamente alertado a comunidade internacional de que a grande causa para a emigração cristã é a ocupação e colonização.
Alguns justificam a normalização ao alegar fraqueza militar. Todavia, no último conflito, o exército ocupante não conseguiu cruzar linhas fixas em mais de uma confrontação; tampouco os termos do cessar-fogo, embora injustos, sugerem capitulação.
Além disso, devemos refletir seriamente sobre a mentalidade genocida exposta em Gaza: um dia, podem decidir exterminar comunidades nativas de algum outro lugar, por exemplo, o Líbano, caso lhes convenha. Temos, é claro, lições a aprender com o desastre em Gaza; render-se a genocidas não é solução. Ao contrário, é a receita perfeita para expor todo um país à perda de sua soberania e inevitáveis deslocamento e pilhagem, conforme os arbítrios do inimigo.
Há quem acredite que a normalização possa abrir janelas econômicas, ao citar os Estados do Golfo. A situação no Líbano, contudo, é outra. Primeiramente, no Golfo, não há fronteiras com a Palestina; portanto, não há a ambição israelense, ao menos atualmente, de anexar os territórios. Mesmo assim, oficiais israelenses alegaram chances de atacar o Catar, apesar de conhecidas relações entre os países. Segundo, pois a riqueza do Golfo não se deve a relações com Israel, mas abundantes recursos de petróleo e população esparsa. Terceiro, não nos esqueçamos que os regimes do Golfo seguem submissos a potências estrangeiras, com pouca ou nenhuma soberania real. De fato, são ditaduras sangrentas, cuja riquezas se monopoliza por um punhado de príncipes e autocratas. E, se o Líbano ou a Síria caírem nas mãos do sionismo — ou de seus parceiros coloniais — não ganharemos prosperidade alguma, apenas repressão.
Opor-se ao projeto sionista tampouco é sinônimo de guerra ou alinhamento com o Irã. Em vez disso, requer dos libaneses, como povo, que avancem em fortalecer sua união nacional. Ao lado dos cristãos árabes e libaneses, devemos responder à conjuntura com uma mensagem do Evangelho, que exalta a irmandade, a liberdade, os bens e direitos da terra e a justiça. É igualmente necessário organizar oficinas e cursos nas paróquias, e publicar artigos e entrevistas no campo da juventude, para mobilizar suas ações.
Aqueles que se preocupam com a proteção do povo libanês — incluindo cristãos — devem aderir ao princípio de cidadania, e não sectarismo, como base a seu pertencimento ancestral à terra, a um país que protege seus cidadãos independentemente de denominações. Precisamos nos opor, como um todo, às variadas formas em que a ameaça sionista se manifesta, hoje e no futuro, em vez de aceitá-las ou normalizá-las.
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