Israel segue meticulosamente uma cartilha de incitar o caos na Cisjordânia ocupada. A mais recente provocação consistiu em privar a prefeitura palestina de Hebron (Al-Khalil) de seus poderes administrativos sobre a venerável Mesquita de Abraão — ou Túmulo dos Patriarcas. Pior, segundo o jornal Israel Hayom, concedeu esses poderes ao conselho religioso — fundamentalista — do assentamento ilegal, exclusivamente judaico, de Kiryat Arba.
Muito embora possamos considerar todos os colonos que ocupam a Palestina como extremistas, os cerca de 7.500 habitantes de Kiryat Arba representam uma categoria ainda mais virulenta. Este assentamento, estabelecido em 1972, serve como bastião estratégico para justificar a subjugação de Hebron a um controle militar ainda mais rigoroso do que em qualquer outra parte da Cisjordânia.
Kiryat Arba é infamemente associado a Baruch Goldstein, colono israelo-americano que, em fevereiro de 1994, conduziu uma chacina, ao abrir fogo a muçulmanos que estavam de joelhos, orando pela manhã na Mesquita de Abraão. Vinte e nove foram mortos impiedosamente. Este banho de sangue se seguiu por outro, no qual tropas israelenses reprimiram com uma brutalidade ímpar palestinos que protestavam em Hebron e em toda a Cisjordânia, com mais 25 mortos.
Ainda assim, em 1994, a Comissão Shamgar israelense, incumbida de supostamente investigar o massacre, decidiu que a mesquita seria dividida de forma grotesca: 63% aos colonos extremistas judeus e apenas 37% aos muçulmanos nativos.
Desde essa ação calamitosa, restrições opressivas são sistematicamente impostas — incluindo vigilância invasiva e fechamentos injustificados do local de culto, para seu uso exclusivo por colonos ilegais.
O último arbítrio — celebrado pelo Israel Hayom como “histórico, sem precedentes” — é, de fato, profundamente perigoso. A medida coloca o destino desse santuário histórico da Palestina nas mãos daqueles que desejam, com fanatismo, conquistá-lo e rendê-lo em sua totalidade.
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A Mesquita de Abraão, porém, é apenas um microcosmo de algo muito mais sinistro que trespassa a Cisjordânia. Israel explora seu genocídio em Gaza para intensificar a violência no restante do território palestino, ao executar prisões de massa, confiscar grandes porções de terra, destruir uma e outra vez cultivos palestinos e ampliar seus bastante agressivos assentamentos ilegais.
Apesar de a Cisjordânia, até então subjugada por pressões militares de Israel ao lado de repressão da Autoridade Palestina, não ser parte direta do 7 de outubro de 2023, tampouco da agressão em curso em Gaza, tornou-se foco majoritário das operações armadas de Israel.
No primeiro ano do genocídio, mais de 10.400 palestinos foram presos pelo exército israelense, com milhares sem sequer acusação. Centenas foram mortos, sob limpeza étnica, sobretudo no norte da Cisjordânia, onde operações prolongadas de Israel, de maneira sistemática, destruíram cidades e campos de refugiados inteiros.
O objetivo amplo de Israel permanece asfixiar a Cisjordânia, por meio de fragmentar ou seccionar comunidades mediante impiedosos checkpoints militares, assim como impor fechamento absoluto de regiões vastas e suspender, com notável crueldade, permissões de trabalho a palestinos marginalizados, quase totalmente dependentes do mercado israelense para sua sobrevivência.
Este plano capcioso incluiu alvejar abertamente todos os lugares sacros da Palestina, incluindo a reverenciada Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém ocupada, e a Mesquita de Abraão. Mesmo quando os santuários permanecem, em tese, abertos, restrições de idade e checkpoints militares buscam dificultar ou impossibilitar o acesso.
Em agosto de 2024, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, insistiu que sua implacável campanha na Cisjordânia seria parte de uma luta abrangente contra “o eixo terrorista do Irã”. Na prática, seu comentário serviu de anuência ao exército israelense para tratar a Cisjordânia via extensão do genocídio em Gaza. Em meados de julho de 2025, o número de mortos na Cisjordânia supera 900 palestinos, com ao menos 15 assassinados por colonos extremistas.
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À medida que os palestinos são empurrados cada vez mais contra o muro, sem uma estratégia centralizada de sua liderança para resistência, Israel amplia cada vez mais suas obras para assentamentos, bem como “legalização” de seus incontáveis postos avançados coloniais — ilegais até mesmo para os padrões da ocupação.
As ações israelenses na Cisjordânia não são mera e subitamente um desvio, mas sim consistentes com um esquema malicioso de longa data, incluindo um plano de 2020 formalizado pelo parlamento israelense (Knesset) para anexar oficialmente as terras da Cisjordânia. O objetivo final de Israel sempre foi confinar a maioria palestina em enclaves e bantustões, ao consagrar sua supremacia sobre a região.
Já em agosto de 2023, o ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, articulou uma perspectiva nitidamente vil: “Meu direito, o direito de minha esposa e de meus filhos de circularem em Judeia e Samaria [sic, Cisjordânia] é muito mais importante do que a liberdade de movimento daqueles árabes”.
Medidas coercitivas logo vieram, incluindo legislações do Knesset para mitigar ações das Nações Unidas e para entrincheirar a anexação de facto. Em maio, foi a vez de o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, anunciar 22 assentamentos. Em 2 de julho, ministros do governo israelense fizeram um apelo público a Netanyahu para anexar imediatamente a Cisjordânia.
De fato, toda ação tomada por Israel, sobretudo no contexto do genocídio em Gaza, tem sido calculada cuidadosamente para culminar em uma expropriação irreversível da Cisjordânia ocupada — um processo que incorreria, de modo fatal, em declarar seus habitantes nativos, o povo palestino, como persona non grata em suas próprias terras ancestrais.
Tamanha pressão e opressão não têm outro destino, no entanto, senão explodirem. Embora suprimido pelo terrorismo israelense, seja de colonos ou soldados, além da colaboração da Autoridade Palestina, um ponto de ruptura se aproxima.
Aqueles no Ocidente que pregam palavras vazias de calma e desescalada devem ter em mente que a região vacila à beira do abismo. Nem platitudes diplomáticas, nem inócuas notas de repúdio bastam para evitar uma catástrofe. Seria sensato agirem decisivamente contra as políticas destrutivas de Israel — mais sensato ainda, agirem imediatamente.
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