clear

Criando novas perspectivas desde 2019

O Mar à Frente: Um recorte melancólico da crise desgovernada no Líbano

21 de junho de 2024, às 15h57

Material de divulgação de Albahr ‘amamakum (The Sea Ahead,), filme dirigido por Ely Dagher, lançado em Cannes em 2021 [Divulgação]

Quando Jana retorna para casa de seu intercâmbio em Paris, sua cidade natal, Beirute, já não é como ela se lembrava. A vista do mar que desaparece da casa de seus pais e o aglomerado de prédios que sobe aos céus na região central são algumas das mudanças com as quais se depara após sua ausência.

Jana se sente deprimida e se nega a deixar a casa. Mal conversa com os pais e não por falta de tentativas. Somado ao dilema está o choque cultural reverso: ao acompanhar sua mãe em um supermercado, se queixa, por exemplo, de que os carros estão perto demais.

Em uma performance taciturna, embora expressiva, a atriz franco-libanesa Manal Issa dá vida a Jana, diante de suas questões familiares. O pai pede a mãe que economize, dando a impressão de que a crise financeira os assola. Jana se relaciona com Adam, um namoro renovado, mas que parece deixá-la ainda mais deprimida.

Capturar precisamente sobre o que é o filme — para além do sentimento de emigrar e retornar — é uma tarefa árdua. Por que Jana vai embora? Para estudar em uma escola de artes prestigiosa de Paris, de modo que seu retorno indica, quem sabe, que viver e construir uma vida no exterior não é tão glamoroso quanto sonhou, apesar de ela não admiti-lo.

LEIA: De Internato a Animalia: Os melhores filmes do Oriente Médio de 2023

Os céus cinzentos, os prédios opacos, as roupas tediosas de Jana exercem um papel na atmosfera melancólica que abraça — e mesmo afoga — a protagonista e sua história. “Não sei o que estou fazendo”, ela diz a sua mãe. “Não se preocupe”, responde a mãe. “Estamos todos perdidos”.

A depressão de Jana — ao longo das quase duas horas de filme — é por vezes difícil de assistir, assim como concatenar de imediato a jornada dos personagens. Quem sabe, o filme poderia usufruir de uma edição mais implacável, como na cena que Jana vê Adam dançar em sua sala de estar por vários minutos.

A cidade de Beirute é também um personagem e a obra, dirigida por Ely Dagher, é, em grande parte, um retrato da atual capital libanesa, tanto quanto de Jana e as pessoas a seu redor. Capturar uma jovem que deseja ir embora é crucial, dado que um entre três jovens libaneses querem emigrar sob a sombra do desemprego.

O Mar à Frente tangencia assuntos políticos, como aqueles relacionados ao êxodo que assola o país. Adam guarda seu dinheiro em uma caixinha — mais segura que o banco, como diz a Jana, devido à crise fiscal que congela recursos e impede saques, resultado de décadas de má gestão e corrupção. A crise, desde 2019, somente se agravou com a pandemia de covid-19.

LEIA: Duna 2: uma história de resistência palestina contra a ocupação de Israel

Ao passear no carro de Adam, em uma certa noite, ele comenta que o mar está cheio de lixo, devido à crise dos aterros sanitários de 2015, quando uma empresa contratada pelo governo para coletar resíduos decidiu jogá-los no mar, levando a um movimento de protestos denominado “Vocês fedem”. Adam e Jana representam os muitos jovens de Beirute frustrados com sua cidade.

Jana navega em meio a um oceano de emoções, uma imagem recorrente nos símbolos da obra. Um oceano tão vasto, tão infindável que parece alheio à compreensão. O mar também é esperança, embora pareça vã na produção de Dagher.

The Sea Ahead estreou no Festival de Cinema de Cannes de 2021 e então no Festival de Cinema de Londres, em outubro do mesmo ano.