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Inventando a preguiça: a cultura da produtividade na sociedade otomana tardia

Autor do livro(s) :Melis Hafez
Data de publicação :dezembro de 2021
Editora :Cambridge University Press
Número de páginas do Livro :288 páginas
ISBN-13 :978-1108427845

Habitantes locais e estrangeiros costumam perguntar por que as pessoas no Oriente Médio são “tão preguiçosas”. Embora essa visão de pessoas de fora da região tenha suas raízes em estereótipos racistas, muitos dentro da região têm uma opinião semelhante, independentemente de haver ou não algum mérito nisso. De onde veio a ideia da preguiça do Oriente Médio e por que ela se tornou tão difundida em nosso discurso? Lidando com essas questões está Melis Hafez em seu livro Inventing Laziness: The Culture of Productivity in Late Ottoman Society.( Inventando a preguiça: a cultura da produtividade na sociedade otomana tardia)

A noção decolou no século 19 em resposta ao declínio do Império Otomano e à ascensão da economia capitalista global. Como argumenta Hafez, algo mudou no século XIX. Em épocas anteriores, se os otomanos se encontrassem econômica ou militarmente mais fracos do que seus rivais europeus, todo um gênero de literatura viria à tona chamado Nasihat, ou conselho. As publicações de Nasihat frequentemente continham críticas específicas das elites governantes e instituições das políticas otomanas; e eles nunca pensariam em culpar o povo pelos problemas políticos. Na verdade, eles costumavam destacar o sofrimento do povo comum como resultado de más políticas.

Tudo isso mudou no século 19, quando estudiosos religiosos, escritores, intelectuais, formuladores de políticas, instituições e elites governantes começaram a acreditar que o povo era responsável pelo declínio do estado otomano. Essa nova visão se desenvolveu à medida que emergia a noção de nacionalismo, que tinha em seu cerne a ideia de um povo homogêneo representando uma entidade política. Este conceito de povo era novo e  levou o povo comum ao escrutínio. No final do período otomano, textos de conselho e nasihat criticando a moralidade das pessoas proliferaram, e todos os aspectos de suas vidas foram colocados sob o microscópio. “Para esses últimos moralistas otomanos, todos os membros da sociedade eram responsáveis por salvar não apenas a si mesmos, mas também a seu império”, explicou Hafez.

RESENHA Ida entre dois mundos (Ida in the middle)

A cultura, a sociedade e as leis do império mudaram para refletir as necessidades de produtividade na modernização. Os conceitos islâmicos tradicionais foram alterados para refletir essas tendências. O autor explora ideias como tawakkul ou tevekkul, confiança em Deus ou nas mãos de Deus, que foram reformuladas no contexto do trabalho. O poeta e escritor moralista Mehmet Akif criticou o povo por entender mal o “verdadeiro” Islã e distorcer o significado de tawakkul para significar estar desconectado dos assuntos mundanos. “No Islã real, acreditava Mehmet Akif, tevekkul era inseparável da firmeza e do trabalho árduo – era o ato de confiar em Deus que o trabalho árduo proporciona”, escreve Hafez. “Na idade de ouro do Islã, ele argumentou, esse mesmo conceito foi a força motriz por trás do sucesso dos conquistadores muçulmanos, que expandiram o domínio do Islã ‘até os Pirineus’. Mas com o tempo, ele acreditava, o conceito foi transformado em uma desculpa abrangente de inabalável preguiça, passividade e lassidão social.” Quanto mais o império sofria perdas, mais obras escritas atacavam a frouxidão moral do povo.

As autoridades legais também se interessaram pela produtividade e por encontrar maneiras de fazer as pessoas trabalharem mais. A expansão da burocracia otomana e sua crescente importância na vida cotidiana levaram a reclamações sobre funcionários preguiçosos ou homens ineficientes. Acreditava-se que a lei poderia ajudar a trazer mais eficiência: “Em uma carta assinada pelo vice-governador de Aleppo, alguns membros do conselho da cidade solicitaram com urgência um novo projeto de lei para recompensar os burocratas que tivessem cumprido seus deveres com a devida diligência e punir aqueles que nao o fizessem.”

Embora o Ministério do Interior otomano, que recebeu a carta de Aleppo, não tenha aceitado a sugestão, lembrou ao governador que já existiam poderes para ele punir funcionários por não fazerem seu trabalho. O que a carta ilustra é tanto um aumento quanto uma demanda por uma maior regulamentação da vida profissional das pessoas. Várias maneiras de criminalizar a preguiça percebida foram trazidas, incluindo realocação, demissão e advertências oficiais. Em 1878, após a introdução de leis para combater a preguiça, houve um aumento de casos registrados contra burocratas, que muitas vezes recorreram ao tribunal para pedir que as punições fossem revogadas.

RESENHA: A tolerância é um deserto: a Palestina e cultura de negação

Inventing Laziness… é uma exploração bem pesquisada de como a adoção de uma cultura de produtividade mudou radicalmente o modo como as sociedades e indivíduos se mediam. A moralização do trabalho não é algo atemporal, mas uma ideia recente cuja emanação está tanto no declínio quanto no processo de construção do Estado no contexto otomano e turco. O livro traz uma contribuição importante para nossa compreensão de como os historiadores pensam e escrevem sobre o período. Para os não-historiadores, certamente levantará questões sobre os conceitos que permeiam nossas próprias vidas e nos fará pensar mais criticamente sobre a origem das ideias.

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